Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Antônio Massa

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Morte de C�sar, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

 

 

Poesia (Manhã de enfeite):


Poesia (Mosaico):


 

Resenha, ensaio & comentário: 


Fortuna: 


Lusofonia para o mundo: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

 

 

Soares Feitosa


 

Puro nepotismo

 

 

Soares Feitosa, 2003

NÃO, não tenho nenhum parentesco com o poeta Antônio Massa. Jamais o vira mais gordo até o dia em que ele, depois de um telefonema para o editor (eu mesmo) do Jornal de Poesia, e um convencional “apareça”, ele, alegre e jovem, apareceu. O susto. Muito magro. Alto. Impossível dar-lhe um abraço sem que a mão direita de quem abraça encontre o flanco esquerdo do dono — com o abraçado no meio, dentro, com folga, magro.

Tenho agora que não deveria fazer este prefácio. Contudo, os deuses me dizem que nenhuma outra pessoa não o faria senão eu. Nepótico, sim.

— Sente-se, mestre Massa. Conte seus pecados.

Trazia o Massa um livro debaixo do braço. Mosaico, uma edição doméstica, ele mesmo quem fez. Sentou-se. Mandei servir o sorvete e os biscoitos. Água gelada. Tudo prestimosamente pelas mãos de mestre Antônio, também personagem. Porque o Massa é personagem. E como é! De Salomão, livro inédito que estou aprontando para estes dias. O nepotismo. Um prólogo prejudicado, naturalmente. Contou que era jovem. 19 anos. Disse que sabia ler. Leu. Confirmei, sim, que sabia. Então, ele pegou o papel e rabiscou. Confirmei que sabia escrever, como de fato escreveu. Poesia de qualidade. Já disse do livro anterior, Mosaico, que digo deste, agora, e suas portas. Li.

No mesmo instante, Antônio Massa, jovem, magro e alto incorporou-se ao Jornal de Poesia, um projeto muito louco que eu iniciava, naquele tempo, Salvador-Bahia, idos de 1997, mais três jovens em tempo integral, Jurandir, Marcone e Rodrigo, digitando textos e colando-se nas páginas da WWW.

— Mestre Feitosa, vou fazer o seu livro!

Disse que faria como de fato fez. Editorou tudo, contratou a gráfica, os fotolitos, ao mesmo tempo em que eu e o poeta Luiz Antonio Cajazeiras Ramos revisávamos, dia e noite, o texto de Psi, a Penúltima.

Ondina Apart, apto 833, e eu dizia ao Massa sobre o Menino. E, numa sexta insone, sábado e domingo — já na segunda, abrindo a porta ao trabalho do Jornal de Poesia, Massa, jovem, alto e magro recém-chegando, ouviu os primeiros trons de Salomão. Contei sobre o Professor sem Braços. Contei sobre o negrinho dos abutres, a foto premiada de Kelvin Carter.

Ele disse que buscaria a revista nos becos de Salvador. E saíram os dois, Massa, magro, alto e jovem, mais mestre Antônio. Em dois reais de preço, a revista velha e pranto verdadeiro ante a foto do negrinho devorado pelos abutres, que ele trazia, pranto e revista numa tarde de chuvas.

Mas, o pior, desculpem, o melhor já havia acontecido no livro que me aprontara. Massa, 19, um texto belíssimo que virou orelha principal de Psi, a Penúltima. Esnobei nomes em prol do texto de Massa. Integral o dele, enquanto aos medalhões pincei tão-só o essencial.

Portanto, desde o dia do susto à soleira da porta, Antônio Massa é-me filho dileto. Contudo, os rumos remarcam destinos. Retornei ao Ceará; ele, aos Estados Unidos onde já moravam mãe e irmãos.

mo vocês vêem, não consigo dissociar a poesia de Antônio Massa da pessoa em poesia que é ele, Antônio. Se, na hora da morte, tal qual como perguntaram a Platão, responderei que me foi mui grato ter vivido no Século XXI, contemporâneo de Péricles. Desculpem, de Antônio Massa, poeta.


Soares Feitosa

 

 

 

 

 

 

Carvagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Jorge Amado

Sérgio Mattos


 

S�rgio Mattos, 2002 Portais poéticos
 

Um dia divide-se em quatro partes: manhã, tarde, noite e madrugada. Um dia poético não se mede, é tridimensional, atemporal e virtual. Uma “Manhã de Enfeite”, o mágico título deste livro de Antônio Massa, não é apenas uma manhã poética; é uma vida que se descortina, ora do parapeito da janela do tempo, ora através das múltiplas e encantadas portas que o poeta vai abrindo com suas inúmeras chaves.

Abrindo seus portais do tempo, o poeta permite aos leitores ter não apenas uma completa interação com a sua mensagem transmitida, como também nos autoriza a realizar viagens no tempo, nas entre linhas ou entre versos, concretizando, as lembranças até então virtuais e intimistas de seu tempo vivido, em mensagens fortes, compartilhadas em versos livres extrema-mente aconchegantes.

As imagens são tão ricas que o tempo do poeta se reflete, resplandece e se multiplica em luz, terra, rio e raiz. Com este trabalho de criação, Antônio Massa comparece mais uma vez diante de seu público leitor, expondo a maturidade atingida, transformada em versos escritos com as mãos puras da criança que sabe como tocar a alma dos homens, que vivem em busca de novas descobertas do inatingível quando as respostas podem estar dentro de cada um ou na natureza: “a chuva canta e eu nunca havia notado”.

Antônio Massa está completo no domínio da palavra e da lavra poética. Nada precisamos dizer frente à beleza de versos semelhantes a estes e outros mais: “Plantei lagartas na véspera do plenilúnio/ de março/ e com as mãos ainda sujas de terra/ colhi borboletas”. Poeta! Que as borboletas de sua colheita levem suas mensagens mundo afora.

 

                                 Sérgio Mattos

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

Leonardo da Vinci, Embri�o

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Slave market

 

 

 

 

 

Antônio Massa


 

1. - Psi, a Penúltima: 
 

 

A estepe e a noite se deitaram juntas

paralelas as asas sobre as asas.

Jorge de Lima, in Invenção de Orfeu

 

 

Nada define melhor a sensação de se abrir um Feitosa: a poesia invade! Nosso multinordestino — Ceará / Pernambuco / Bahia — erigiu novo patamar literário, e a Arte o abençoou. Uniu o mítico e o místico das auroras antigas e o poderio dos recursos gráficos que os modernos computadores proporcionam. Nordeste e Grécia, água e sol, Oriente e Ocidente recheados com as cadências da Ampulheta da Criação.

Entrelaçando a cantiga seca de pó a pó da caatinga, do sertão de xiquexiques e mandacarus, com os arredores transbordos do rio Amazonas, suas peles indígenas e seus cantos multicolores, Soares Feitosa, que só se descobriu poeta aos cinqüenta anos, inovou e renovou a poética brasileira.

Com uma sensibilidade que vi em poucos e me deixa cada vez mais perplexo, o Aprendiz Feitosa nos faz navegar em poemas preciosos, retirados de fatos corriqueiros, quase sempre desprezados pelos mais desavisados. Partilhar um Feitosa é aventura para os ousados e os puros de espírito.

Feitosa (sempre o irrequieto menino) também trouxe inspiração para a sua nova linguagem de psi, a penúltima letra do alfabeto grego. Nunca o ômega, o último, o derradeiro, pois a arte é uma renovação, inconstante e permeável, onde a seca do Nordeste e o Amazonas se misturam em dança épica dentro do balde do menino macho e sacolejam até os últimos fios de cabelo das raposas enlouquecidas pela fome.

O penúltimo é o eterno, no coração deste PSI, a penúltima, livro nascido artesanalmente, escrito, impresso e cosido pelas próprias mãos do poeta. Um livro vivo, que cresceu a cada nova edição e carrega em suas folhas a indiscutível prova da genialidade do escritor.

A pergunta é: onde Soares Feitosa escondeu, em cinqüenta anos de vida, a poética que hoje divide quarto e sala com ele e cada vez mais o domina? Certamente estava se guardando, juntando forças e esperando o toque de partida do compadre tempo, que conhece bem a hora da colheita.

A magia está aí, reunida neste livro, que traz o cheiro do mato e o sabor de água da moringa. Não se assuste com os ruídos que possam aparecer à medida que acompanhe esta viagem que ultrapassa a dimensão cartesiana e nos leva à perene cantilena do surpreendente.

A Noite e a Estepe certamente se deitaram juntas e, sob a proteção de suas asas, aí deixaram a lírica galopante de Soares Feitosa. Ficaram os novos alqueires, talvez em algum lugar lá pelas terrinhas do Siarah, prontos para o plantio do eterno poemar...

Ant�nio Massa, 2003

 

Nota:

Este texto é a orelha principal de Psi, a penúltima. À época, 1997, o poeta Antônio Massa tinha 19 anos. Reside dos Estados Unidos da América.


 

 

 

Um segundo escrito

 

 

 

2. - Salomão: 
 

    E nas pedras rudes de meu berço gravei poemas

Cora Coralina

 

 

Silêncio. O supra-sumo coração, inquieto por natureza negra — porque negros somos —, cala. O silêncio não é mórbido ou dormente. É reconciliador. Une alma e raízes à quase aurora de meu canto. Chego de uma trilha-estrada nova. Uma estrada poema intitulada Salomão. Poderiam titular Inferno. É como fica a alma depois de uma leitura concentrada: em chamas. De paz? Talvez.

Refletindo um pensamento aristotélico, o infinito não existe na nossa realidade porque ao homem não foi concedido tempo suficiente para contar a eternidade. Este é o grande desafio que o autor do Salomão conseguiu. Dar ao homem a eternidade. Desmembrar as linhas áureas destes tempos e de outros tantos para que o leitor pudesse navegarmos nos braços máquina tão sonhada por H. G. Wells. Epigrafando o próprio poema: ele rompe as rochas do tempo, rasga as cortinas do mundo.

Quando comecei a escrever, um crítico me perguntou qual era meu estilo literário. Minha resposta foi um inibido não sei. Ele contra-argumentou me dizendo que tudo deveria possuir um estilo, uma escola. Pessoa muito respeitada no âmbito social, não respondi. Calei. Hoje compreendo que a realidade passa milhas longe desta ótica. Poderia alguém definir o poema Salomão, se é que também podemos defini-lo como poema, incutido em um simples rótulo ou casca? Se apelássemos para as forças estéticas o que me diriam do poema os grandes críticos do poema? Barroco, concretista, palavrista (este termo inventado pelo poeta, para definir os poemas de versos curtos e ás vezes monossilábicos), moderno? As respostas me surgem com a mesma força do sentimento que me abre este texto. Silêncio.

Encontrei no poema elementos taoísticos, órficos e os últimos versos do sexto movimento me fizeram relembrar uma passagem na mitologia egípcia onde Anúbis pesa o coração de Ani, o julgado, contra a pena de Maat. A deusa da verdade. O que valem grandes poemas é o poderio que eles possuem de despertar as coisas que guardamos no nosso espírito. Tão bem guardadas que algumas vezes esquecemos que nos foram entregues, seja pela mão da procura, da leitura ou da experiência da vida. O rebuliçar das emoções, o tilintar das camadas subterrâneas da alma, este poço de conhecimentos encobertos. Aí está a grande importância do poeta: Desvelar o homem de sua própria cegueira. Quem revela, desvela: processo de fotografia. Cito Germano Machado.

O momento atual é de revolução. Com a chegada de um novo século o ser humano se encontra espremido nas paredes do tempo. Muitos ainda desistirão de transpor as barreiras deste milênio. Outros enlouquecerão. O homem é tão resistente às mudanças que prefere se manter distante. O poema nos evoca mudança. Nos traz à memória o sonho libertador de um negro, Luther King e o do ícone branco, John Lennon. Um rumo igualitário para uma sociedade que tem o mesmo princípio e um mesmo fim. Se é que existe um fim. Mas esta não é a grande questão. A questão é viver um tempo-agora onde os seres se reafirmem irmãos. Crucifiquem as almas próprias, para descobrir no madeiro de seu profundo eu a ligação universal dos homens. Brancos, pretos ou alvaçãos. Porque isto não tem cor.

O poema também é história. Uma enciclopédia, diria Ésquilo. A história que permeia o poema me deixa atribulado. Uma nova vertente na poética do escritor que ficara escondida, quase inibida, no centro de sua alma. A poesia social. O poeta clama os negreiros, morros de arribanceira que, com meus olhos (estes que ainda não desistiram de me acompanhar), vi desabarem línguas e bocas e rostos, engolidos pelas garras da terra. Retorno às raízes. E na manhã cavoucamos…

Cavoucamos coisa alguma, porque tudo nos passa desapercebido. A notícia do horário nobre nos relata, e no outro dia já deixamos as cenas de lado para escutar uma outra tragédia. E tanto faz quantas sejam. A memória cuida de afastá-las deixando o ciclo se repetir. E aqui o poeta eterniza a fábula. Porque esta também é a missão do poema. Assim como o Menino, que retratou as angústias de seu tempo e no seu sesquicentenário, foi comemorado com a lágrima do esquecimento.

Sobre o poeta em si nada digo. Não há mais a dizer. Ele foi obscurecido pela grandeza de sua criação. Nas pedras do berço da vida ficou eternizado como coadjuvante na confecção de sua estrela.

Assim como o outro Poeta. Ao Salomão, só a grandeza do Século Cem. E este virá, eu acredito na profecia.

 

 

 

 

 

 

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Antônio Massa


 

Manhã de enfeite

“E ignora-os o infinito
que nos ignora a nós”.
Fernando Pessoa in Depois da Feira

Quase manhãzinha,
e nas vestes do firmamento
o parto do dia

as trevas inda cobriam a face do abismo
enquanto os aurorais moviam-se sobre as águas
e ecoavam grito,
........................ lux,

as águas abaixo do céu
corriam a juntar-se num só lugar,
e ali, à beira-rio, assistíamos ao espetáculo:

Passavam calmas
águas do Chico, velho santo,
onde gemia o canto dorido
da boiada a caminho do abate

era ali, aos sábados
— ou talvez às segundas —
que esperávamos
O sangue,
derramado à beira rio,
os molhados da margem apressavam por batizar

santificavam a carne do boi
para que fosse bendita a feira

despertavam também os barcos
e traziam os homens
para que semeassem pesca

nascia a feira
onde os sonhos da criança
acordavam com os chegantes

e chegavam
cantadores
viajantes
cheiros e sons

esperávamos toda uma semana
para despertar com o sol numa manhã de segunda,
ou de sábado,
de enfeite

e os homens traziam
para nós, crianças,
pequenos pedaços do abismo da vida

o silêncio calava para que reinasse
os cânticos da lição
dos cantadores e andarilhos
ali, via-se joio e trigo
unidos às raízes

— a chave dos caminhos havia sido entregue —


o dinheiro de sobra
ficava para pedaço de chita,
par de alpargatas
e
avião de brinquedo

se sobrasse,
nego-bom para aninhar os lábios d'alguma criança
a estas pertencem o doce da vida


E onde a feira,
ali também os meninos
que carregavam a fome em suas sacolas
e resenhas de solidão
n'alma
pois a estes não foi concedido
o sonho do avião de plástico
ou doce de goiaba, do trocado


porque o sol brilha
e o dia nasce para todos
mas nem todos sabem nascer
para o dia
¿e onde haveria de descansar a cabeça
quando os escuros reclamavam o trono?

o astro se deixava levar
pelas ruelas intricadas da cidade
vestia-lhe, o céu, veste púrpura
enquanto as nuvens lavavam as mãos
do firmamento
também uma coroa de raios de luz
que se não machucava a fronte
nos feria os olhos
e nas margens, víamos brotar
dos grãos-grãos de areia
novamente água e sangue
e também, ali, o rio queria se pôr
gritava o silêncio mudo das águas
.......................................... noite


pois ali
róseo, desmanchavam a feira,
desnudavam-se as cores,
os homens,
as estradas,
as dores,

guardávamos o susto,
guardamos,
portanto.

 

 

 

 

 

 

 

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Antônio Massa


 

Óleo
 

A gota pincela
suas matizes mil cores
e mistura-nos em polisonhos,
…………………véus de policromos

teu ventre emana
n'água, óleo
meus olhos
— em varanda de brisa —
molduras de ti

e as tintas
procuram-se mansas,
lentas

sobre a tela,
emprestados à cor,
nós.

 

 

 

 

 

 

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