Luiz Paulo Santana
O encontro
Foram quatro ou cinco nos últimos
anos. O último a 9 de outubro de 2001. Precisamente hoje. Resolvi
registrá-lo para satisfazer a minha saga de candidato a escritor, ou
para guardar em mim o precioso momento. Talvez tudo isso junto.
Nossos encontros sempre foram marcados
por muito carinho. Uma espécie de devoção mútua. Pareciam
desenvolver-se num plano superior ao dos mortais comuns. Todas as
fugidias sensações dos encontros anteriores estavam novamente
presentes. O ato final deste episódio seria num parque, num lugar de
grande afluência de público. Não é muito típico meu, mas para lá me
conduzia a comovente névoa desta história.
A caminhada para o epílogo foi cheia
de percalços. Surgiram dificuldades que enfraqueciam a minha
vontade. Tirava-lhes a autenticidade, diminuía-lhes a convicção.
Como perder-me num prédio roto e abandonado, percorrer corredores,
descer e subir escadas sem ver vivalma, até achar a saída.
Enfim saído do prédio e ainda em
frente dele, deparei-me, no passeio público, com uma cisterna na
qual quase caí. A essa altura a fuligem de CO2 tisnava-me a roupa.
Uma pequena moeda projetara-se altura a dentro. A cisterna,
profundíssima, estava iluminada. Eu via o fundo de terra, fosco,
batido, seco.
Já no carro dei carona a dois sujeitos
desconhecidos, cujos rostos permaneceram incógnitos. Não sei por que
motivo me ofendi, e logo adiante os expulsei. Enquanto entravam num
boteco, eu percebia aflito que minha roupa se desgrenhara. Mas em
seguida descobria que sob as peças sujas — que tirava imediatamente
— havia outras limpas e em bom estado.
Por vezes a névoa era tão densa e os
acontecimentos dentro dela tão sucessivos que a minha imagem sua
quase se perdia. Em nenhum momento, porém, deixei que escapasse.
Com muito custo aproximei-me do
parque, antes passando por mais um local sob insólita conjugação de
objetos e fatos: os carros atravessando uma fonte iluminada.
Quando finalmente comecei a procurá-la
desabou uma chuva forte. Então fui para a sua casa.
A sua era uma casa onde moravam seus
pais, um irmão e uma irmã, cujos gestos e palavras comedidas me
inspiraram simpatia, ainda que não lhes visse o rosto em meio à
névoa, e eu estava agora preocupado com fechar uma janela sobre a
qual agitava-se uma persiana de fitas de plástico, típica de
escritórios, por onde o vento e a chuva entravam.
Mesmo ali o desajuste, a estranheza,
não cessaram. De vez em quando descobria uma incongruência com minha
roupa, seguida pelo alívio de conseguir arrumá-la a contento,
culminando por flagrarem-me, creio que o seu irmão, com um buraco na
meia, na altura do dedão. Onde foram meus sapatos? Desta feita fiz
troça da situação, encarando-a com bom humor. Terá sido a minha
salvação, porque tudo estava por perder-se nesses redemoinhos.
Foi nesse exato momento que recapturei
a sua imagem que já me escapava novamente. Eu já estava indo embora
mas precisava vê-la. Onde você estava? Você que afinal de contas era
o meu único objetivo? Alguém me informou: estava no quarto, cansada,
tinha se deitado.
Mesmo esgarçado pela intempérie que se
abatera sobre mim, já incrédulo ante qualquer perspectiva, fui até o
quarto para vê-la e para despedir-me. Bati e abri lentamente a
porta. Você vestia um terno feminino de um bege claro, estava bonita
e sóbria como sempre. Você acordou naquele momento, abriu os braços
e me recebeu carinhosamente.
Abraçamo-nos amorosos e confidentes,
dissiparam-se as dúvidas e os sofrimentos. Pouco depois, ainda
estávamos assim, quando acordei.
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