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Luiz Ruffato



Fortuna crítica: Fernando Marques


7.12.2002



As máscaras singulares, de Luiz Ruffato. Boitempo Editorial, 80 páginas. R$ 15.
 

É possível que, ao deparar com o novo livro do escritor mineiro Luiz Ruffato, a coletânea de poemas “As máscaras singulares”, lançada pela Boitempo, o leitor espere encontrar algo radicalmente inovador — similar, nesse aspecto, ao romance “Eles eram muitos cavalos”, livro anterior do autor.

O romance, ou conjunto de contos interligados, tem como personagem principal a cidade de São Paulo e ganha dimensão renovadora já por sua natureza ambígua no que diz respeito aos gêneros. A grande cidade liga e oprime todas as figuras de modo melancolicamente democrático. A onipresença dos laços sociais, invisíveis mas objetivos, ata os personagens a um estranho destino comum e autoriza o escritor a chamar o livro de romance.

No romance, prevalecia a preocupação social

Já “As máscaras singulares” (que será lançado em sessão de autógrafos hoje, na Livraria ContraCapa, na Dias Ferreira 214, às 16h) tem a estrutura mais convencional da coleção de poemas, embora os textos girem em torno de algumas constantes formais e temáticas, obedecendo, assim, a um desenho geral. Mas, além de ser temerário tentar compreender “As máscaras singulares” comparando-as a trabalhos anteriores, pode-se perceber, a uma segunda leitura, que o alegado aspecto convencional, ou menos inovador, deve-se a uma impressão superficial, incompleta. O mais importante a destacar é que, do romance para o livro de poemas, a preocupação social foi trocada pela pergunta metafísica.

O volume se reparte em cinco seções, chamadas Paisagens, A sedução dos mitos, As máscaras singulares (a única em que os poemas aparecem numerados, marcando-se a interdependência dos textos), Arqueologias e Jogos. Ressalta, de saída, a atmosfera surreal, o clima de sonho em que os poemas navegam. Essa atmosfera remete a temas perenes — nossa presença no mundo, o tempo, a morte — e se expressa em textos breves, um por página.

Os versos de Luiz Ruffato se apóiam, em primeiro lugar, no manejo das imagens, nas quais o pequeno volume é pródigo. O leitor aos poucos passa a enxergar em meio à relativa obscuridade dos textos, assim como, para o poeta, “aprendem os olhos/ com as zonas mais escuras/ lidar, iluminam/ objetos indefinidos”. A poesia do autor utiliza ainda vocabulário precioso, raro; a sintaxe opera, algumas vezes, por inversões e torções, necessárias ao efeito que o poeta queira produzir. Esse efeito pode ser arcaizante, como nesta passagem: “Oh! Devora-me, devora-me, pois o enigma/ decifrar é a punhal fender meu peito”. O personagem lírico se converte em herói, destinado a investigar os mistérios de nossa condição — mas herói solitário, sem platéia.

Na seção que dá nome ao livro, a imagem da cidade transforma-se em metáfora de mundo. O mesmo enigma que o sujeito lírico aspira a resolver são “punhais de sol” que o ameaçam. E ele sabe: “Onde quer que estejas, em teu país/ ou em outro, és estrangeiro: ninguém/ tua língua compreende”. O tema do desamparo, da solidão irremissível, reponta: “A grande mão que afagou-te esmaga o peito agora”.

Não se trata, nesse livro, de mera brincadeira com as palavras ou de simples exercícios eruditos: se o trabalho com a linguagem se revela essencial, como em toda poesia digna do nome, nem por isso se esgota na própria linguagem, ainda que alguns textos ou versos resultem herméticos, impermeáveis. O poeta repete as perguntas antigas, renovando-as e nos levando a pensar sobre elas: “Diga-nos, Guardião,/ como enxergar,/ se só temos olhos?”.

O poeta parece estar procurando o fundamental

Certas características em “As máscaras singulares”, entre elas o apelo a figuras da mitologia grega, remetem à Geração de 45, mas a uma espécie de Geração de 45 essencializada, radical, porque isenta do anedótico e da atitude livresca. O poeta parece estar à procura do fundamental. A mistura de elementos domésticos, triviais — o lar burguês, o sofá, a televisão — à atmosfera metafórica também colabora nessa busca e nos efeitos estéticos dela decorrentes. O sonho vem habitar a sala de visitas.

O livro nos devolve a pergunta metafísica — que ninguém pode responder, claro, mas que é preciso fazer e refazer, em benefício da saúde coletiva, a cada geração. A poesia cumpre papel vital quando nos ajuda a pensar os temas insolúveis, papel que a arte da palavra sabe desempenhar melhor que qualquer outra.


FERNANDO MARQUES é jornalista e doutorando em literatura na UnB

 

 

 

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Anchieta Pinheiro Pinto