Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Luís da Silva Araújo


 

Revolução


Dentro do ninho já balança o (o)vo
que dentro, crescido, o germe se exalta
como no mar o veleiro do nauta,
como nas ruas a fila de povo...


E a casca se rompe e surge o mistério
que a vida escondeu, por tempos, da luz;
e rompe-se a casca e, agora, cinéreo
o tempo é penumbra e os homens são nus...


E a casca levada ao vento que soa
como um gemido em noites de frio
é como a gente que foge, sem brio,
é como a gente que sofre e perdoa.


Porque de túmulos a vida é feita
- tristes buracos de rasa noção,
para envolver essa raça imperfeita
como ao canário o cruel alçapão.


Ou como a arma que abate o cativo
- membro do povo, que apenas é massa;
ou como a raça do povo sem raça
que não é nada, nem bom, nem nocivo...


Antes um ovo gorado ele fosse
e fosse esse povo um ovo sem vida;
fosse esse povo sem par menos doce
e não tivesse a esperança vencida...


Dentro do ninho já balança o (o)vo
e dentro do (o)vo balança a vida;
e em cima da terra a trama sem brida
há tempos balança a vida do povo.


Mas é fermento o que mora no (o)vo
e, dentro, crescendo, é germe o que exalta
como no mar o veleiro do nauta,
como na rua a semente do povo...


C. Grande-MS, 16/01/95
01:38


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Veneno


A víbora se arrastando
a deslizar na friagem,
deixa no chão que marcando
seu traço rude e selvagem;
e na aspereza do frio
que lhe corrompe a rodilha
se esconde em norte sombrio
exausta por andarilha...


Espera de bote armado
o seu veneno guardando
no desejo que esfaimado
de terrível se inflamando
e a presa solta o veneno
no furo de vil espinho
e o corpo estanca sereno
da presa no vão caminho.


A serpe é fria, feroz
e andando rente no chão
escorre em rito veloz
como o do risco trovão;
e segue então peçonhenta
levando um orgulho hostil
da mesma mágoa cruenta
da autoridade servil...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Engano


As asas nos feros ares
estende o pássaro altivo
na busca louca dos pares
que lhe serão lenitivo;
os males seus são medonhos
tanto que tanto transbordam
na ilusão vã dos seus sonhos
que os pesadelos engordam...


A imagem sua é real;
demonstra o brilho do canto
entoado no estival
que se entoa sem quebranto,
sem angústia e preconceito
e, na ilusão que apresenta
faz do pio o seu defeito
a matar de morte lenta...


E repousa no poleiro
que o recolhe silencioso
com seu jeito sobranceiro
que o torna então majestoso;
e o canto deixado ao léu
é ilusão que o desatina
pois então que se faz réu
e o seu canto desafina...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Lobos


Acaso ouviste falar
no burburinho dos lobos?
Guarda-te pois que ao luar
emergem os seus afobos
e na cortina dourada
quanto mais frágil a presa
por estar desamparada
vai encher do lobo a mesa.


São cães que feros, atrozes
na noite então serenada
devoram todos ferozes
a carne tenra em manada;
os dentes brilham à lua
e a sombra deles na serra
refletem visão mais crua
que o sangue que encharca a terra.


São bichos de afã terrível
que à noite espalham a morte,
que manifestam seu porte
na virulência indizível...
São bichos que em todo o globo
dão notas de desatino
com todos males tigrinos
que mostram sendo só lobos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Traumas


Sou forte - dizia o vento
ao rijo d’árvore galho
que exposto ao dócil relento
sorvia de doce orvalho;
sou forte, escuta o meu brado,
olha a campina que deita,
veja a desordem no prado
que a minha força sujeita.


Veja a desordem que faço,
a miséria que eu (es)palho
na força vil do trabalho
que trago acerbo do espaço;
as bases fortes que abalo,
os que destruo pomares,
os troncos que como talos
eu tombo como vulgares...


O galho, sério, responde:
sei que és forte tal trovão;
o ser, de medo, se esconde
de ti (em) cova no chão;
mas sei também que tu passas
- passageiro sicofanta -
e após as tuas fumaças
de novo tudo levanta!...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Reação


Dentre os animais o forte
indizível na floresta
espalha mísera morte
com sua pata mui lesta;
e o rasto então deixa o sangue
profundo que marca o chão;
da terra seca faz mangue
escorrendo em borbotão...


Os fracos gemem sofridos;
os seus filhotes são pasto
pro animal pervertido
que manda no campo vasto;
a morte deixa de luto
todos os seres da mata
e a vida o forte arrebata
levando todo o seu fruto...


Dentre os bichos o mais forte
irrompe em sanha ferina;
impondo a todos seu porte
a todos mágoa comina
se esquecendo que um espinho
na pata, menor que seja,
fá-lo parar no caminho
e lhe interrompe a peleja...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Pavão


A cauda em leque abanando
com penas mil multicores
vai outras aves pisando
a fazer seus amargores;
seu passo é leve, dançante,
o corpo esguio janota
com todo o orgulho que brota
da sua pose inflamante.


As plumas de puro azul
são raios de sol doirado;
reflete o jeito taful
seu passo então compassado
e a cada passo mais crente
se embebe em sua opulência
nem vê que sua demência
chegando vai de repente.


O seu orgulho fraqueja,
e aos poucos vê que lhe resta
mera ilusão que veleja
na realidade indigesta;
e a pose que ostenta então
é como estrela cadente
que do ansioso pavão
faz plumas mil simplesmente.

 

 

 

 

 

 

 

08.09.2005