Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Luís da Silva Araújo


 

Imagem


Quando nos ares falenas
brancas e amarelas vão,
deixam-me solto e tão leve
e o corpo alar como penas...
os pés me fogem do chão;
minh’alma branca de neve
irrompe em ondas serenas
por voar meu coração.


As nuvens passam chorando
seus pingos de chuva fria
no meu passo embevecido;
o dócil inseto e brando
na clareza do meu dia
tanto me faz convencido
no passo firme em que eu ando
que já houvera eu esquecido...


E és tu, querida, este alento
todo o sentir que enobrece,
a razão do pensamento
que de amor jamais se esquece;
és tu a falena lépida
que à nuvem tênue dos olhos
fazes voar branda e tépida
de lágrimas grossos molhos...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Gigante


Dorme o gigante no frio
e na treva densa e escura;
dorme, por anos a fio
a conter sua amargura;
o corpo pesa cansado
de sentimento vazio;
su’alma, dormindo, é pura
desse gigante sombrio.


Ele é gigante no porte,
tão frágil seu sentimento...
por mais que pareça forte
tudo é razão de momento;
seu peso, Deus, é tão grande
quanto essa dor que o devora;
por mais, que tanto se expande
no movimento da hora...


E dorme pesado e lento
a sonhar seu pesadelo,
com a rudeza do evento
que nem ele pôde crê-lo...
e dorme, vago, esquecido
a resguardar seu segredo
que do sonho conhecido
nos traz horrores e medo!...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Rapina


Vi o teu corpo comido
pela ave triste de agouro
no campo em que ele perdido
em busca foi do vil ouro;
vi os teus olhos fechados
comidos, rotos, sem sorte,
as carnes que ao vento alado
se vão que chegam do norte.


E a arrogância que tiveste,
onde está que não se alteia?...
então, parada no agreste
a misturar-se na areia
e as forças que foram vis
são acres carnes comidas
que agora em campo perdidas
se fazem mero abatis...


Do (ou)ro apenas o brilho
que mais no tempo se ofusca
o que levou-te ao exílio
que achaste na louca busca;
e agora o teu louco anseio
quedou-se no campo vasto
miséria, a tua campeio
nos ossos limpos no pasto...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Canto


Quero-te em mim, ave implume
que pipila com brandura
a encher de música os ares...
Traze de longe o perfume
pro peito meu que perdura
na integração dos seus males;
traze-me o brilho do lume
ó flor de rara candura!


Lança-me o ópio da vida
a me excitar na esperança;
leva essa dor vaga e infida
pra nortear-me na andança...
Deixa em meu colo o teu ninho!
Canta pra mim a canção
aqui do peito pertinho
pra me matar de emoção!


Rasga este peito o teu canto
trazendo a dor que pressinto
enquanto verso esta loa...
teu pio em meu labirinto
confunde, então, com meu pranto...
e rasga o choro que entoa
a voz que faz-me distinto,
tua voz... que é meu acalanto!...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Fantasma


Teus olhos vi de tão perto
quando a tarde já caía
trazendo de longe as brisas
que, então, me punham incerto;
e, por tudo que eu sentia,
por andar de ti à guisa,
busquei ouvir-te mais perto
naquela (ho)ra precisa...


Fitei tua face, retido
o pensamento no além
mesmo em que os teus olhos iam...
violei teu corpo, atrevido;
deturpei tu’alma, sem
ouvir as sombras que riam
do estertor do meu sentido
que eu quisera teu também...


E à noite o sonho convulso
matou-me aos poucos, ferindo
o meu ser profundamente;
tentei chamar-te... partiste
e me estanquei roto e triste;
e, findando o sonho a pulso
'inda vi tua imagem indo
para o além mui lentamente...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Mal


Tua pele parece fina
como a seda oriental,
do brilho fosco, moreno
traz da luz forte sinal
e suscita em mim que cresce
neste olhar antes ameno
a ilusão que o ser padece
a roer-me tal veneno.


O teu corpo, enlouquecido,
vislumbro como o meu guia
para a morte ou pra loucura;
e nesse afã conhecido,
na tua luz que me alumia,
ao meu corpo o teu mistura
na quimera em que eu perdido
mais me perco à tua procura...


E eu te quero loucamente
marcar a pele de seda,
beijar-te as carnes de penas
que vislumbro no presente;
roçar-te a boca tão leda,
morrer nessas mãos serenas
de pura morte e sem dor:
a morte do mal do amor...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís da Silva Araújo


 

Oração


Olho o céu... seu brilho isento
da manchas cinzas reflete
o azul dos mares, da glória,
dos profundos olhos teus...
cobre o trilho lamacento,
a dor deixa a quem compete
e o mistério (da) história
deixa à ciência de Deus...


Olho o céu que ri pro dia
um riso simples, azul...
olho o riso das tulipas
que se debandam pro céu;
também rio... antes não ria,
que o riso estava em paul
onda a voz morria aflita
e onde tudo era escarcéu..


Olho o céu e pra mim mesmo;
abro a ti meu coração;
já não sofro pois adoro
teu brilho que do alto vem;
olho o céu... meu olhar esmo
fita profundo este chão
e a chorar contrito eu oro...
brilhe sol, assim, amém...

 

 

 

 

 

 

08.09.2005