Lau Siqueira
A poesia de soares Feitosa
1 - Salomão
“...porque entre pulso e olho latejam os ferros da vontade...”
Talvez somente desta forma (através do próprio poema) seja possível
traduzir a grandiosidade e a beleza de Salomão. Mais que um poema
social, uma análise lírica dos fatos em constante reverberação. Céu
e Inferno, como diz o poeta Soares Feitosa. Pesadelo de deuses que
caíram das estrelas e sonho de homens que a todo momento se espalham
como estilhaços da miséria humana.
A leitura de Salomão nos conduz pelos porões encardidos da história
do nosso povo. Dos Navios Negreiros ao Carandiru. Com suas trevas e
suas luzes — suas vidas, suas mortes, suas cruzes... uma epopéia, um
duelo de linguagens e imagens, um instante de desnudamento da alma
brasileira, uma constante sobreposição de tempo e espaço... É o
canto dos negros que singravam pelas ruas do Atlântico — naufrágios
humanos que ainda hoje sucumbem sucumbem nos intestinos da pátria.
Mais que um poema, em Salomão, Soares Feitosa libertou um grito que
certamente irá ecoar pelas gerações de além do século que brevemente
se encerrará. Talvez .
“... porque o Século Cem,
de Ésquilo
é uma noite alvaçã...”
2 - Roma, uma história de índios
Sabe, dia 10 tem o lançamento de um livro aqui (de João Germano de
Lima, um cearense também) e... qual não foi a minha surpresa, com
direito a orelha de um dos meus poetas preferidos. Não vou dizer o
nome pra você não ficar convencido.... hehehe...
Além de que, estou convencido também que não foi você quem escreveu
Salomão, aquela obra prima. Aquilo ali tem vida própria. Às vezes eu
fico olhando o livro ainda artesanal, sobre o criado mudo, o banco
do meu fusquinha, o CPU do meu computador (nunca consegui guardá-lo
na estante) e penso que a qualquer momento ele sairá caminhando,
andando, voando... Você corre o risco de, quem sabe um dia, ser
conhecido como "o autor de Salomão"... hehehe... quase como se
tivesse sido usado para escrevê-lo e, depois ser abandonado por ele
que seguirá caminhos próprios, decidindo, dizendo coisas nos mais
recônditos lugares deste planeta.. Salô é humano demais pra ser uma
obra literária, apenas. Tem vísceras, cérebro, coração, carne, osso,
sangue e sentimento...
Eu, sinceramente, ainda não tive como classificá-lo. Isso, depois de
tê-lo devorado umas 5 vezes já (a primeira na telinha). Cada
leitura, me revela um poema novo. Por isso digo que é um poema que
se renova a cada fato que ocorre. Do incêndio do Pataxó, aos maus
tratos no Carandiru, a chacina no presídio do Roger, em João Pessoa,
ao pai apaixonado pela filha no interior da Paraíba... à americana
condenada por manter relações sexuais com um aluno de 13 anos (eu
guardei a foto dela no jornal, a expressividade do rosto dela é algo
de impressionante). Salomão é a cara da humanidade.
Por favor, seja paciente com a minha redundância... hehehe... Eu
leio poemas praticamente desde os 13 anos, estou com quarenta. Li
toda a obra de Neruda em Espanhol, na época, fiquei
impressionadíssimo, com "Memorial de Ilha Negra", li Camões,
Homero... jamais esperaria me emocionar tanto com um poema novamente
e jamais poderia supor que fosse possível alguém compor uma obra
desse porte em pleno final de século. É incrível, rapaz!!!!
Bem... chega. Não diga nada para os seus outros "filhos". Eu os
adoro de coração (Roma e ou outros que já nasceram ou nascerão).
Mas... Salomão é um marco que certamente irá derrubar os nasóculos
da crítica em qualquer lugar onde venha pousar. É revolucionário na
forma e no conteúdo. Aquelas cruzes, caro amigo... 111.... me
fizeram saber que até aquele momento eu não sabia absolutamente nada
da história triste que se passou nos porões do Carandiru, sobre o
Brasil, sobre o holocausto, sobre nada...
Desculpe o meu estilo sempre emocionado. É a minha maneira sincera
de me relacionar com a vida e de cultivar me expressar para amigos
tão caros como você. Estou colocando um CD pra você no Correio. Será
a sua vez de conhecer o "meu caso" com a música que, por sinal anda
meio abalado e a voz belíssima de uma cantora que divide a vida
comigo: Joana.
3 - Habitação
O GUARDADOR DAS AURORAS
Lanço meu olhar canibal sobre sua "Habitação", caro amigo, querendo
suprir as ausências nutricionais da minha alma com versos hermanos
de Femina e Salomão. Versos que habitam o espetáculo portentoso de
medir cada palmo, palmilhar cada metro... rosnar e surpreender os
próprios sentidos.
Lembro Rilke, Pessoa... não, não! Lembro as Odisséias, as Ilíadas -
novamente, como em Salomão. Qual nada... sinto-me mergulhar no
desconhecido. Diante da vigilância da aurora, sinto-me ainda
prosseguir em silêncio após o último verso.
"Habitação" - esse poema dito entre os dentes começa e termina na
expressão mais profunda do seu tear poético que, guardado por 50
anos, teve tempo suficiente de burilar-se para conduzir a obra e o
artista da palavra que você é, no rumo do eterno.
Isso é um segredo que só a poesia revela quando encontrada nas suas
cavernas, em escaramuças intelectuais e sensitivas das mais
distantes. E você encontrou-a, caro poeta!
Desvendou mais uma vez o segredo, revelando a poesia em versos
pincelados com avidez de pássaro e com a plasticidade de todos os
descansos da retina.
Cumprir sua "morada" é partilhar com as caravanas de anjos e duendes
perfilados num horizonte que nos revela todos os orientes e
ocidentes. Mas, ao mesmo tempo, se faz universal demais para ser
medido, tocado, urdido... a beleza desse seu novo filho comove por
sucção, ao que parece. Sou imediatamente absorvido. Feliz pelo gozo
estético. E diante da beleza, meu caro Chico, apenas respiro fundo.
Recebo (faço questão) todos os seus átomos e todas as alegorias que
me permitem sonhar e cavalgar nessa égua chamada distância para
torná-la, a cada instante o meu próprio habitat.
Grande Abraço do seu amigo
Lau Siqueira
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