"Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava
aprendendo uma ária com uma flauta."Para que lhe servirá?", perguntaram-lhe.
"Para aprender esta ária antes de morrer". Assim vivem e morrem, os poetas, os
avatares e os profetas. "Fosse possível nascer, nasceria em Pirenópolis. Fosse
possível, morreria em Caldas Novas", escreveu o poeta e escritor Luiz de Aquino
Alves Neto, que hoje, com orgulho, recebemos na casa de Colemar Natal e Silva.
São assim, os poetas, os avatares e os profetas. Se a pátria de cada um é sua
infância, os lugares de que temos mais saudades são aqueles em que fomos
felizes. Assim são os poetas que, como Luiz de Aquino, só aprenderam a falar e a
distinguir as coisas e as pessoas pela linguagem do amor. E quem fala de amor
merece a sua proteção, escreveu o jornalista Paulo Siqueira, sobre as razões da
semente e da lírica e amorosa poesia desde goiano que, quando está em Caldas
Novas, tem saudades de Pirenópolis, e quando está em Pirenópolis, tem saudades
de Caldas Novas. São assim os poetas, criaturas que têm saudades do futuro.
Mário de Andrade sempre morou na rua Lopes Chaves, e nunca soube quem foi Lopes
Chaves. São assim, poetas como Luiz de Aquino. Cristãos que cantam no suplício,
dedicam-se a aprender árias, em veludosas vozes, e violões enluarados, mesmo
sabendo que estão a poucos minutos de enfrentar o olhar de aço do carrasco. O
poeta tem apenas duas mãos, e o sentimento do mundo. Por isso, como Drummond,
pede, a quem ama: "O presente é tão grande, tão imensa a realidade. Não nos
afastemos muito, vamos de mãos dadas".
Assim escreveu Luiz de Aquino, sobre as raízes da
frondosa e generosa árvore em que busca transformar-se, como ser humano, e como
criador: "Meu pai tem mãos de amaciar violão (feito as de Rabelo e Reny, Marcelo
e João Bosco). Minha mãe tem mãos-carinho (como as de Mel e Iliana, de Zaira e
Mariana). Tenho mãos de escrever poemas de amor e coisas afins. O mundo tem mãos
que espancam e afagam, esculpem e coloram. As de Reny fazem sons, as de meu pai
criam acordes, despertam amores, acalentam dores, adormecem temores e saudades.
As minhas molham-se em molhos sensuais. Tenho mãos que amansam vãos". É assim,
emotiva, e saudosa de suas raízes, a poesia de Luiz, que hoje recebemos,
jubilosos. E como o poeta conhece e decifra, sem medo, a linguagem do amor,
sabe, como a poetisa Re-nata Pallotini, que para amar, de verdade, é preciso ter
a suprema coragem de atirar nossas coisas para o mar, e partir sem bagagem.
Quem, como Luiz de Aquino, teve a coragem kamikaze de vender poesias de amor, de
bar em bar, aos casais de namorados, sabe que a vida, a literatura e o amor, só
valem se fizerem parte de um único projeto. Por absurdo que pareça, disse
Guimarães Rosa, três dias antes de morrer (acabara de tomar posse na Academia
Brasileira de Letras), a gente nasce, vive e morre. E, como se estivesse a
adivinhar o fim próximo, de sua vida e obra, assinalou: "Esta vida horária não
nos deixa encerrar parágrafos, quanto mais terminar capítulos".
Mas o que tem a ver, tanto devaneio poético, com
as sisudas e bem comportadas palavras, que devem constar de uma saudação
acadêmica?, poderão alguns indagar. Se é verdade que as melhores palavras de um
poeta são os seus próprios poemas, entendo que a linguagem mais apropriada, para
saudar um poeta, é a que vibra, e se manifesta em seus próprios poemas. Se o que
nós amamos verdadeiramente permanece, sendo entulho, todo o resto, então, para
quem decifra a aventura de viver aprendendo a ária de silêncio das palavras, só
o que couber na dimensão mágica da poesia tem razão e sentido. Assim sendo, não
me escuso por brandir, aqui, mais a minha lira do que meus frágeis saberes
acadêmicos; até porque, como bem disse o poeta Gabriel Nascente, "A poesia não
pede licença pra chegar".
Luiz de Aquino Alves Neto nasceu em Caldas Novas,
na praça da Matriz, em uma casinha já demolida, onde se construiu, há mais de 20
anos, uma confortável morada, onde hoje funciona uma butique. Coisa da
especulação turística. Era sábado, 15 de setembro de 1945, um pouco mais de um
mês após os americanos detonarem, sobre Hiroshima e Nagazaki, as duas primeiras
bombas atômicas, que atiraram a humanidade nos horrores e no dantesco espetáculo
da guerra nuclear. O poeta acha que, aba-lado pela explosão do mundo, nasceu
turrão. "Sou alegre e maleável até que alguém pise, distraidamente ou por
querer, no nervo que ostento na cauda". A Caldas Novas seu pai chegou em 1940,
buscando trabalho. Dois de seus tios maternos moravam lá e já desfrutavam de
certa influência inexpressiva na corrutela que, 26 anos depois, despontaria como
o mais promissor pólo turístico do Brasil Central. Ele vinha de Pirenópolis e —
isto é curioso — pelo lado materno descende de Martinho Coelho de Siqueira, o
descobridor das águas termais no findar do século XVIII.
O clima, em sua casa, no período de 45 a 56, fazia
jus à raiz musical, vinda de seu avô. O pai de Luiz, Israel de Aquino, trouxe,
de Pirenópolis, a habilidade para executar, ao violão, valsas e modinhas bem ao
gosto da época. Ali, aos 17 anos, encontrou um rapaz de sua idade, moço, dotado
de rara inteligência e que, apaixonado por música e artes, conseguiu a façanha
de estudar música por correspondência: José Pinto Neto, que já está do outro
lado da vida. Com Zé Pinto, seu pai formou a mais marcante dupla da vida boêmia
de Caldas Novas. Aos quatro anos de idade, Luiz de Aquino acompanhou os
seresteiros, em sua primeira serenata. As letras das músicas (sempre antigas),
eram transcritas em letra bonita, em cadernos de capa dura. Ele se lembra de ver
José Pinto afastar o sax para vomitar, tanto tinha bebido. Mas a
responsabilidade do instrumentista não lhe permitia, com toda a cachaça, vomitar
no instrumento. As serenatas, tirando o período de dez aos dezessete anos, foram
marcantes, em sua vida, até quando, aos 33 anos, teve a voz afetada por
papilomas vocais. Por esta ocasião, o poeta empunhava, todo lampeiro, um
cavaquinho que, então, teve de aposentar. "Eram comuns, as rodas musicais em
minha casa. Eram viajantes que apreciavam música, eram juízes ou promotores com
vocações musicais, que vinham buscar a companhia do meu velho, Zé Pinto sempre
ao lado. E meu pai era convidado permanente para as festas de família, ou mesmo
as quermesses da igreja, apesar de maçom. Cresci, pois, aprendendo letras de
valsas e modinhas. A leitura, conheci-a nas práticas de minha mãe. Quando
aprendi a ler, antes dos cinco anos, apaixonei-me pelos gibis e os lia todos, da
coleção do primo Rogério. Não demorou para que eu fosse cortado dos jogos de
bola ao lado da igreja, porque jamais podiam contar comigo. Era descuidarem, e
eu me escondia na casa de tia Dorinha para ler gibis".
Foram belos e difíceis, seus anos de ginásio, no
Rio. Em português, adotava-se o mesmo livro para todos os quatro anos do
ginásio: antologia, organizada pelo professor Clóvis Monteiro, diretor do
colégio, que viria a falecer justo naquele ano de 1958, seu primeiro ano
ginasial. Foi nesse livro que tomou contato definitivo com textos literários,
tanto em prosa como em verso: "No Pedro II, ensinava-se gramática pela
literatura. Uma professora, particularmente, marcou minha vida: Maria Helena
Silveira, de quem nunca mais tive notícias. Ela tinha um defeito físico, aquela
corcunda com protuberância no osso externo, o que chamam de peito-de-pombo. Foi,
talvez, a personalidade mais linda que conheci na adolescência, exemplo de
honestidade intelectual e integridade ética". No quarto ano, para ensinar
História do Brasil, chegou o mais famoso poeta brasileiro da época, J.G. de
Araújo Jorge. Com ele Luiz aprendeu, quem sabe, a cantar em poesia as paixões
que, é claro, são um capítulo à parte, na vida de todos (ou quase todos) os
poetas: "Minha primeira paixão era uma garotinha do primário, colega de classe,
com quem jamais troquei uma palavra sequer. Era feinha, sardenta (até hoje sou
louco por sardas), me escrevia cartas românticas".
Em 1942, era a vez de sua mãe, acompanhada de um
tio, aportar em terras goianas. Mineira, de Conquista, morava no Rio de Janeiro,
de onde foi trazida pelo tio Dedeco, para curta temporada, que dura até hoje.
Seus pais se casaram no dia 22 de outubro de 1944, em cerimônia civil. O padre,
que era vigário de Morrinhos, recusou-se a casá-los por ocasião da festa de
Nossa Senhora das Dores. Queria que seu pai custeasse uma viagem a Caldas Novas
só para o casamento. A celebração católica ficou para as bodas de ouro,
celebradas em casa, numa bela missa do padre Alcides. Seu primeiro irmão, Edmar,
nasceu em abril de 47, Eliane em junho de 49, e Ângelo a 14/9/95, portanto, na
véspera do décimo aniversário de Luiz Aquino. Maria Auxiliadora nasceu em maio
de 60.
Deixando Caldas Novas em 1956, Luiz de Aquino ali
só retornaria para o natal de 1960, aos 15 anos. Seu pai não o reconheceu. Nessa
ocasião, sua mãe o fez padrinho de sua irmã caçula, Auxiliadora. Sua saída de
casa justificava-se pelo fato de não poder a família custear um internato, para
os estudos de Luiz. Então, foi morar com sua avó materna, Ignez, no Rio de
Janeiro, ao lado de alguns tios: Vanda, Norma, Leda, Ângelo e Míriam. Concluindo
o curso primário, foi aprovado nos exames de admissão para dois colégios — o
Ginásio Estadual professor José Accioli, em Marechal Hermes, e o Colégio Pedro
II, provecto e histórico, fundado em 1837. Acometido por pneumonia, exatamente
na noite de formatura do ginásio, (baile esse em blactie, como hoje não se vê
nas formaturas universitárias, voltou para Goiás, depois de um ano e meio de
constantes recaídas. Chegou ao Liceu de Goiânia para o primeiro ano clássico em
agosto de 1963, tendo por colegas os poetas Emílio Vieira e Ciro Palmerston
Muniz. Foram muitas, e substanciais, as conquistas e realizações humanas,
profissionais e literárias de Luiz de Aquino Alves Neto. Abstenho-me de
percorrer mais detidamente seu vasto currículo, por entender que todos os que
aqui se encontram (seus amigos, parentes e admiradores) conhecem, de sobra, os
marcos de sua trajetória.
Minhas Senhoras, meus Senhores: quero agora tomar
de empréstimo vossos ouvidos, para falar das raízes de Luiz de Aquino Alves
Neto, que hoje recebemos como confrade. Filho de Israel de Aquino Alves e de
Hélia Borgese de Aquino Alves, muito trabalhou, dentro e fora da literatura, até
chegar aqui. Bancário, jornalista profissional, contista, poeta, preside,
atualmente, como sabeis, a União Brasileira de Escritores, uma das mais
importantes entidades culturais de nosso Estado. Tive a honra de prefaciar seu
livro de contos O cerco e outros casos, enfatizando seu talento de contador de
causos, e o poder de empatia de sua prosa fluente, límpida, escorreita. A ninfa
da poesia, baixando em seu "cavalo", como se diz na linguagem umbandista, nunca
mais o abandonou. Vieram cinco livros de poemas, que o poeta, agradando a
maioria, mas desgostando alguns nostálgicos da torre de marfim, tratou de
popularizar, entre os amantes da poesia lírica. Ele teve o desassombro e a
coragem de assumir-se poeta, e de apresentar seus livros como mercadorias
comercializáveis. Vendendo seus poemas aos casais, nos botecos, levou seu recado
aos que (ainda) amam, ao mesmo tempo em que proclamou, a uma sociedade que não
vê a atividade intelectual como trabalho, que as palavras, como tudo, nesta vida
bancária da sociedade cristã do vil metal, também têm um preço. Qual o preço das
palavras, em um mundo dominado pelas mercadorias? O poeta assumiu o risco e
pagou o preço, um preço alto, por sua autenticidade.
Se a incompetência econômica de Mozart fê-lo
passar fome, mesmo sendo ele alguém que tinha parceria com as divindades
celestiais, o mesmo se dá com outros sonhadores, de nosso tempo mercadológico,
em que tudo se vende, e em que se espanta, quando sabem de um que não está para
vender. Você não trabalha, só escreve?, ainda nos indaga a massa ignara — e,
mais, alguns aculturados —, quando querem se referir ao "viver a vida na
flauta", a que reduzem todo e qualquer labor artístico e intelectual. "Qual é o
valor do que não tem preço, em um mundo dominado pelas mercadorias?", indagou o
poeta e ensaísta Flávio Kothe. Ele mesmo respondeu: "É raro o escritor
sobreviver do que escreve, mas cada vez mais gente vive de palavras, no mercado.
Aos grandes artífices das palavras, os poetas, porém, normalmente nada se paga".
Voltemos aos versos do poeta: Fosse possível
nascer, nasceria em Pirenópolis. Fosse possível, morreria em Caldas Novas. Se a
linguagem e a infância são a pátria dos poetas, o que quis nos dizer Luiz de
Aquino, com estes versos? Que não nasceu onde gostaria de viver?
A pátria é onde primeiro escutamos cantigas de
ninar criança. O pai de Luiz, o seresteiro Israel, ainda tem dedos de amaciar
violão; em serenatas nostálgicas e românticas, seu cavaquinho ainda enternece
corações e causa espanto a turistas que vão às águas quentes, e lá se
surpreendem, ao ver que ainda existe tanta beleza e arte, em meio a tanta
violência, e tanto lixo in-cultural, moralmente condenável, travestido de
música.
Para o jornalista Nilson Gomes, "Razões da Semente
é o começo da afirmação de um escritor recém-chegado ao avonato. A literatura
melhorou as melhores horas de amor. Luiz de Aquino não quis adiar, para o
próximo século, a coletivização da felicidade". Minha fala já vai longa, não
devo abusar mais ainda, de vossa paciência, e de vossos ouvidos estóicos. Não
desejaria, porém, parar por aqui, sem assinalar o que sobre Luiz de Aquino disse
a poetisa Sônia Elizabeth: "O amor e a existência é que têm impulsionado a
criação de seus versos. Aquino sabe que a missão da poesia nem sempre é uma
escolha só nossa, visto que somos escolhidos pelos fados, e nossa
responsabilidade é grandiosa e sublime". E a poetisa Sônia, para lembrar a vida
que r/existe, na poesia de Luiz Aquino, cita Fernando Pessoa, através de Alberto
Caeiro: "Da mais alta janela de minha casa/ com um lenço branco digo adeus/ aos
meus versos que partem para a humanidade./ Não estou alegre nem triste/ Este é o
destino dos versos/ Escrevi-os, e devo mostrá-los a todos.../".
Amigo Luiz de Aquino: você preferiu mirar a
estrela mais alta, e não temeu, para isso, devassar abismos; como Paulo Mendes
Campos, — e como todos os verdadeiros poetas —, você não viu a fábrica, mas o
homem que se consumiu na fábrica;você não viu a ferrovia, mas o homem que
sangrou na ferrovia; você não viu a estrela, mas o rosto que refletiu o seu
fulgor. E se multiplicaram a sua dor, também multiplicaram a sua esperança. Você
sempre mirou a estrela mais alta, seja no Rio de Janeiro, seja em Pirenópolis,
onde desejaria ter nascido, seja em Caldas Novas, onde deseja estar, quando se
for deste mundo. Você veio, viu, lutou e venceu! Na dúvida, ultrapassou; no
sofrimento, jamais esmoreceu, e jamais renunciou à sua obsessão de atravessar o
Rubicão, para ser fiel ao sonho mais alto. Como Sócrates, que aprendia uma área,
minutos antes de ser suicidado, você jamais renunciará à estrela e ao sonho que
escolheu, para serem seus guias na navegação, na tempestade em que foram
transformando nossos dias.
Seja bem-vindo a esta casa!
VOCÊ MERECEU ESTE LUGAR!