Luis Manoel Siqueira
Banzai, Cariri
Quando Nina saiu
de casa para trabalhar numa casa do Recife, Pai estava brocando o
cercado novo. Ela foi até ele, usando o melhor vestidinho que tinha
e pediu a bênção. Um dos meus irmãos, o último da escada, viu ele
chorar. A única vez. Mãe de vez em quando justificava:
- Se não fosse o
dinheirinho que ela manda todo mês, o que seria de nós, nessa seca,
nesse fim de mundo ?
Pai tinha sulcos
profundos no rosto e veias crescidas nas mãos, como a terra
esturricada do cercado novo, e, penso, muito mais no coração.
Quando Nina
voltou, um ano depois, com a barriga cheia e uns trocados no bolso,
o pai já estava meio cego, passando o tempo todo sentado no
tamborete debaixo do pau-dos–ferros. Ela pediu a bênção mas ele não
deu, que a vergonha não deixou. Diziam: “É nisso que dá mandar filha
lavar prato na capital...”
Quando Chico
nasceu, Pai já estava cego de vez. Mas lhe disseram que era galego
como o filho do patrão de Nina. Era diferente da gente, mas bonito.
Os olhos azuis como deve ser azul a água do mar.
A terceira vez
que Nina pediu a bênção a pai, ele só estendeu a mão. Ela ia pra São
Paulo levando Chico no colo. Ficamos todos muito tristes. A mãe,
inconsolável.
Muitos anos se
passaram, as secas, invernos esparsos. Mas o Cariri é sempre o
mesmo, como as marcas antigas gravadas na madeira do pau-dos-ferros.
Nina mandou avisar do casamento. Um torneiro mecânico do Ceará.
Fotografias e dinheiro para tirar a catarata dos olhos de pai.
No dia que
recuperou a visão, pediu um umbu maduro, dose de cana, olhou pro
tempo e sorriu.
- Preciso
aumentar o roçado novo ano que vem.
Ele falava mais,
embora o desenho de uma tristeza antiga continuasse gravado no
rosto, como a água do inverno passado na parede do açude.
Um dia chegou um
moço bonito e vistoso. Falou com toda a família. E a mãe lhe deu um
abraço, assim que ele sorriu.
- É Chico, meu
neto, agora um homem feito !
E foi até o pai,
que dormia na camarinha.
- Bênção meu
avô. Sou eu, Francisco da Silva.
O pai olhou para
ele, depois sentou-se na cama. Olhou, olhou de cima a baixo... Chico
pegou sua mão, beijou e sorriu.
O pai abotoou a
camisa, calçou as alpercatas e perguntou:
- É verdade que
você é cozinheiro ?
- Sim, meu avô,
de um grande restaurante japonês. Eles me chamam de sushi-man. Eu
faço esse prato para os empresários de São Paulo comerem...
- E verdade que
você cozinha peixe cru ?
- É verdade.
Respondeu Chico.
- E o povo come
?
- Come.
O pai olhou para
a mãe. Ambos começaram a sorrir.
(De: “Breviário de Heresias Sertanejas” )
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