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Jornal do Conto

 

 

Luis Manoel Siqueira


 

Sinhozinho

 

De todas as estórias que vivi com Sinhozinho, em garimpos e viagens pelo país, recordo de uma insólita visita que fizemos a uns garimpeiros presos por roubo de esmeraldas em Campo Formoso. Fui à cadeia levado por ele, onde conheci os ladrões que ele fazia questão de visitar todos os dias. Soube, depois, que numa dessas visitas, o carcereiro esqueceu Sinhozinho lá dentro, e saiu para resolver algum assunto particular. O povo, na cidade, ao saber que ele ficara esquecido dentro da cela, fez um romaria burlesca para visitá-lo, lamentando o fato de como ele fora capaz de fazer parte de um assalto daqueles.

Recordo ainda ele dançando no meio da praça, ao som de um alto falante, enquanto as pessoas gritavam: “Olha o urso, olha o urso !” E das pedras que tirava da terra, lapidava e comercializava: esmeraldas, ametistas, topázios. Centenas de milhares de dólares desfilando pelos seus dedos, e ele sorrindo, com um estranho ar de desprezo por aquilo tudo. Uma vez, foi seqüestrado por bandidos em Copacabana, levado para uma favela, e pediram-lhe as pedras, dólares ou perderia a vida. Sinhozinho acalmou os bandidos, dividiu com eles as pedras, e voltou com outras tantas no bolso. E vivo.

Lembro dessas estórias e de muitas outras. Uma delas, numa fazenda dele no alto sertão baiano, onde eu e meu pai fomos pesquisar uns calcários, e de noite, fui dormir ao relento, num banco de madeira. Acordei de madrugada com um cavalo de sentinela ao meu lado, que me olhava demoradamente, como se velasse meu sono.

Devo a ele tanto, e nunca lhe disse isso. Disse apenas o quanto o queria bem. Mas faltou dizer mais, muito mais.

Passei doze anos escrevendo NERUEGA, e hoje me sinto mais ou menos como os ladrões de esmeraldas na cadeia de Campo Formoso, só que sem direito a tão ilustre visita. O meu livro é impregnado dele e de pessoas boas, generosas e humildes como ele.

Quando meu pai me contou do ônibus que vinha de Fortaleza e caiu dentro de um açude, e que dentre os mortos estava Sinhozinho, um filme de lembranças não pára de rodar na memória encarcerada. E ao me perguntar: “Meu filho, onde é que vamos achar outro amigo como ele?”, eu contornei dizendo que cada amigo é único, cada amigo é insubstituível, precioso. Mas eu bem sei que não respondi completamente a sua pergunta.


Luis Manoel Siqueira
Junho de 2004