Chuvas & Mangas
ou
Da SECA-seca do 58
Um pluviômetro de lata de leite,
veja como é fácil.
Soares Feitosa, 19.1.2017
O velhote aqui, hoje, 73 (19 de
janeiro de 1944).
Quero mais sete: plantei alguns
caroços de manga Afro. O problema é que assim, plantada de
caroço, a manga quer sete anos para produzir. Tentei
conseguir uns galhos para enxertia, uma produção mais rápida
(dois anos), mas não consegui. Disseram-me que tais mangas
Afro (excelentes!) teriam sido trazidas, ninguém sabe de
onde (África?) por Fernando Macedo que já deve ir pelos 90
ou um pouco mais, com NSJC. Em suma, tentei e tentei os enxertos mas
não consegui.
Plantei os caroços, retirando-lhes
a casca, deixando só a amêndoa. Estão nascidos, bem
sabidinhos... Sete anos para produzir. Quero também esses
sete anos para mim, para nós. Vou esperar, vamos esperar! E,
quando chegarem essas mangas de sete anos, pedirei mais
sete, srtª Lia; depois outros sete, srtª. Raquel. Preciso desfrutar,
meu caro Camões,
do que plantei: 73 + 7 + 7 = 87.
Bom, 87, resolveremos!
Agora, o meu presente de hoje:
faço uma pesquisa sobre a seca do 58. Parece-me que teria
sido uma SECA-seca, isto é, aquele ano em que não chove nada
ou, digamos, quase nada. Tinha eu 14 anos em 58 e me lembro
muito bem: minha mãe havia mandado fazer tijolos para
construir um cacimbão, no lugar Volta do Rio, margens do Rio
Macacos, pé da serra de Monsenhor Tabosa. Fins de dezembro
de 1957 ou primeiros dias de janeiro de 1958, a caieira pronta
para queimar, um temporal que não tinha tamanho, destruiu
tudo. Ficamos alegres com o prejuízo porque chuva aqui é
sempre música. Mas, quem disse?! Não mais pingou durante
todo o ano de 58, daí a expressão que estou inventando
agora, a SECA-seca, que é bem diferente desses
anos escassos quando chove muito pouco, tal como estes
2011/2016 e parece que também neste novo, 2017. Realmente,
neste exato instante, 6 da manhã, deste 19.1.2017,o sol
esturrica os céus, aqui, Fortaleza.
O 1958, a SECA-seca: zero safra,
porque ninguém plantou nada, justo porque não houve chuva
sequer para o plantio; zero pastos, mortes; também de fome,
bichos e gentes. Assim foi o 58, lembrança minha e de alguns
velhotes com quem tenho falado, a SECA-seca do 58. Parece-me
que também o 32 (1932), campos de "concentração",
flagelados, no Ceará, teria sido o 32 uma SECA-seca. E o
sinistramente famoso 77 (1877), com o agravante de que 1878
e 1879 foram ruins. A seca do 77, no nosso imaginário
sertanejo, teria sido a maior de todas. Zero chuvas?, quanto
choveu? Quem é que sabe!? Não encontro nenhum registro.
Quando digo registros, refiro a desejada planilha diária —
só assim, diária —, de quantos milímetros choveu (ou não),
durante o ano inteiro. Anotações? Lamentável, não temos o
costume.
No tema registros e anotações — a
falta de —, li, recente, a reportagem sobre uma professora do
sertão que, tendo ganhado um pluviômetro, anotou tudo
durante quase meio século. Uma pena que só agora me ocorreu
ideia semelhante. Botei mestre Antônio para correr a cidade
inteira, Fortaleza, à cata de pluviômetros. Não encontrou.
Até que descobri a maquineta — uma simplória "garrafinha" milimetrada de plástico — na loja Adrisse. (Em tempo: nunca
vi o dono, nem ganho nada por este comercial, mas faço
questão de divulgar como utilidade pública). O pior é a
fortuna que você tem que despender para ter o seu, apenas
onze reais. Seria muito bom que empresas comerciais
distribuíssem-no como brinde de propaganda, "Um pneu é um
pneu", coisa assim. Comprei meia dúzia. Um deles, aliás,
dois, para José
Nilson Rolim, colega de Banco do Brasil
(Quixadá, 1964/1965) e amigo até hoje e por muitos e muitos
anos. Um, ele colocou em casa, chácara no Eusébio; o outro
em sua plantação de cajueiros, Chorozinho. Conta-me ele que
morreram nesta seca 5.000 cajueiros adultos. (Em
tempo: José Nilson esteve lá, hoje, 21.1.2017. Não se
atreveu ir ver o desastre. Muito mais que cinco mil
cajueiros produtivos estão mortos. Mestre Maciel Antônio da
Silva bateu as
fotos. Ah, o município é Ocara, mas não faz diferente:
árvores também mortas em Xorozinho. A notícia é de que o
desastre é geral em toda a região da cajucultura. Entre
Quixadá e Morada Nova, imediações de Ibicuitinga, fazenda de
Raimundo Orestes, cajueiros quase centenários, todos mortos.
A confirmar.
Conta-me o amigo Manuel Lopes,
carioca de Monsenhor Tabosa, de um partido de mangueiras —
lá se vêm mais mangas! — morto, seco, nestes anos secos de
2011 para cá. Falou-me que até juazeiros morreram. Aguardo
as fotos. Edileusa, prima dele, ficou de
mandar também. Ela mora lá, nas quebradas da Serra das
Matas, entre Monsenhor Tabosa e Boa Viagem. A língua do papagaio?
É muito mais mais molhada! Edileusa vai ganhar o pluviômetro
dela, para medir o que, eu não sei. Deus queira que chova.
Tem que anotar.
Mestre José Batista dos Santos, em Paracuru,
CE, ganhou agenda nova (brinde da Editora Primus, do meu
amigo Assis Almeida), para anotar todos os dias, manhã cedo,
a chuva (ou não) das últimas 24 horas.
— E..., afinal, o meu presente?
Cadê o meu presente?
— Quero ganhar informações sobre
se choveu ou não no 58 na minha região, Ceará, digamos,
Monsenhor Tabosa, Tamboril, Catunda, Santa Quitéria, Nova
Russas, Boa Viagem, Madalena, Quixeramobim, por ali; Crateús
também. O Cariri e as serras nunca são tão secos, mas parece
que também não choveu; nem no litoral.
Chico Florindo, 84, me disse que
em Paraipaba (litoral, praia da Alagoinha, belíssima),
apenas alguns chuviscos em 58. O que plantou, sequer nasceu.
SECA-seca, total, aquele 58, tiveram que arribar para uma
frente de serviços, flagelo da seca, em Pentecoste, que
também não choveu.
Mestre Gouveia, o melhor feitor de
cerca de arame que já conheci, me disse que no 58, quebradas
da Serra Grande, carrascal de Ibiapina, janeiro, uma só, mal
deu para pingar nas goteiras. E muita ventania. Abriu a
janela. O cachorro levantou-se do borralho da fogueira, mas
a "chuva", uma vergonha, sequer apagou-lhe o rastro. E não
mais pingou por todo o 58.
É pouco o que sei até aqui.
Que fique claro: não estou
interessado na descrição do sofrimento da seca. Já temos
Guerra Junqueiro, pasmem, do outro lado do mar, num tempo em
que as comunicações levavam meses, com o belo poema
A FOME NO CEARÁ;
e Rachel de Queiroz, e José do Patrocínio, e Rodolfo Teófilo
e muitos e muito mais. A rigor, a literatura da região é
toda em cima do ciclo seca e quando chove.
Quero saber, sim, se existe isto
da SECA-seca, tal como me lembro do 58 sem pingar.
Do 58, o clamor dos bispos da
região: a SUDENE criada logo em seguida (1959), mas
serviu mesmo para grandes gatunagens — cuecas e cuecudos
—, mas isto é outra história.
O pior é que não se encontram
informações confiáveis do tipo: choveu x milímetros nos dias
e meses do ano de 1958.
— Notícias de forró e de
fornicação? Sim, isto tem! (Sou a favor).
Procuro estas
outras: chuvas no 58, de sim ou de não.
Cometi a imprudência de ligar para a
repartição das chuvas. Disseram-me que fora fundada depois do
58. Que eu preenchesse um formulário para uma informação
que, pelo visto, não têm e que deveria estar ao dispor, on
line.
Lembro-me que nos correios de
Monsenhor Tabosa, na casa residencial da agente havia
um pluviômetro, mas não sei onde encontrar as anotações. Na
casa da agente? Sim, éramos apenas uma vila de Tamboril, e o
correio na sala da frente da residência da agente. As
escolas públicas, apenas duas, também na residência da
professora; minha mãe, "lá-em-casa", fui criado dentro de uma
escola; e dona Lídia, a outra professora, também na casa
dela, ambas na lei do Chico de Brito, sabatina e palmatória.
O pior é que todo mundo aprendia, mas isto é outro assunto.
— Sim, cadê as mangas? Aliás, as
notícias do 58?
Com o abraço e o convite para a
farra das mangas daqui a sete anos, 19 de janeiro de 2024; e
por mais sete, 19 de janeiro de 2031. Depois, conversaremos
que já mandei imprimir os convites para os festejos dos
90 anos, 19.01.2034. É pouco? É não.
Em tempo: este texto será
atualizado com as novas informações sobre a SECA-seca.
Manuel Lopes me passou um texto sobre o 42 (1942). Um
parente dele deixou o sertão de Monsenhor Tabosa em
direção à Serra Grande (onde as secas não tão medonhas)
e foi deixando as cabeças de gado no caminho, "um dia,
volto", ele dizia. Até que a precisão apertou tanto que
a caçula de menos de um ano foi deixada para escapar —
isto mesmo, a expressão que utilizamos é "escapar da
seca", da fome. Sim, a criança escapou; depois, reincoporada à
família. Mas não são esses relatos de sofrimento que me
interessam, razões acima explicadas (Rachel de Queiroz,
Guerra Junqueiro e muitos outros), mas saber se a Seca
do 42 foi ano batido sem chover, tal como o 58.
O seu comentário:
jornaldepoesia@gmail.com
JUAREZ LEITÃO, via
WhatsApp, 20.1.2017: Chico, antes que me esqueça
novamente, PARABÉNS! E sobre 58,só me lembro da campanha
política. Meu pai matando os últimos bois pra torrar com
os eleitores. Eu, 10 anos, já fazendo discurso nos
palanques para orgulho de seu João, babando. No ano
anterior, 1957, foi invernão. A Lagoa do Tigre ameaçando
arrombar e levar a cidade. Do mais, a tragédia do ano
seguinte, a morte do pai em junho, 17, assassinado pelo
irmão mais novo do Sargento Hermínio, o herói da Segunda
Grande Guerra...
**********
O poeta Juarez Leitão, de Novo
Oriente, CE, é primo deste Chico. Fomos criados pelo
padre tio, o Padre Leitão, Nova Russas, quando, 58, ouvi
pela primeira vez a palavra pânico, numa reunião de
emergência que o padre realizou em casa com os
comerciantes. Então, o sr. João Alfredo, já velhinho,
falou em evitar o pânico. Distribuíram farinhas e
rapaduras com os flagelados que, (pacificamente, naquele
tempo; hoje, não, só violência) invadiam a cidade.
Telegramas aos políticos da capital. Logo depois, a
frente de serviços, estrada de rodagem Nova-Russas -
Monsenhor Tabosa. Eu vi, eu ouvi, eu estava lá.
Foi no "fornecimento" dessa estrada que iniciou-se a
historinha do menino Toinho, CADÊ O MEU?, basta clicar.
— Farinhas e rapaduras?,
proteínas não?
— Deveras, não temos o
costume.
Uma carne de sol, um charque,
isto é coisa de rico. Somos uma civilização carbo:
farinha. O magistrado Francisco Gomes de Moura me conta
que os flagelados do 58 iam à bodega do do pai dele,
seca do 58, Nova Russas, trocar o charque que recebiam
no "balcão do fornecedor" por qualquer outra coisa,
fumo, querosene, panos de roupas e bolachas para as
crianças. Somos, lá no sertão, mínimos, miúdos,
veja aqui neste diálogo com as águas grandes do poeta
Thiago de Melo, basta clicar.
Ah, neste outro texto, a chegada dos órfãos à casa do
padre, 1959, Juarez Leitão, dez anos, com a mãe; todos de preto, luto fechado, a morte do pai,
assassinado.
Eu vi quando chegaram. Eu estava lá.
Hoje, 23.01.2017, zarpei um zap-zap para o Dr. José
Nilson pedindo o nome completo de mestre Maciel,
motorista e cuidador dele (cadeirante) que bateu as
fotos dos cajueiros mortos, para colocar o crédito.
Despachei agora bem cedo mensagem para o poeta Genuino
Sales, acho que já era molecote taludo no 58. Também
para o poeta Ernani Getirana, de Pedro II, ainda que
Pedro II, nas vertentes da Ibiapaba não seja tão seco
como o sertão brabo do Ceará.
Fotos de angicos, coqueiros, carnaubeiras e juazeiros
mortos? Favor mandar.
Este não é um projeto literário. Nem financeiro. Apenas
pretendo mostrar o problema e despertar para soluções
(???).
E o Rio, cadê o Rio?
São Francisco.
O santo? Não. O Rio. Roubaram, roubaram tudo, tem rio
coisa nenhuma!
Ah, convocar também o veio Peixoto, meu colega de
concurso, José Peixoto Jr, poeta, quebradas das serras
do Araripe, 90 anos, Brasília, acho que ainda não está
broco não.
— Veio Peixoto, abraço muito grande!
O poeta João Carlos Taveira me deu o telefone, mas
ninguém atendeu. Passei email. Vejam a resposta; o véi
está tinindo nos arames. E por muitos e muitos anos.
Amém!
*******************
JOSÉ PEIXOTO JR, 90
anos, via email:
Como é bom reencontrar
quem é bom. Rapaz! Acabo de ganhar 2017! Sumira,
sumimos. Reaparecemos por força da Seca-seca de 58.
A seca tem dessas vantagens, esta é uma delas. Outra
vantagem a Sudene (ainda há?). Muda o S em C para
justificar cueca na sua "é outra história".
Distribuir pluviômetro?
Não seria mais acertado distribuir termômetro, com o
cuidado de verificar se a coluna de mercúrio aguenta
o efeito desse sol de rachar mamona? Não sei,
Antônio Bezerra acreditou ter encontrado a origem do
nome Ceará em suposta tribo de "caboco brabo"
assentada "entra a ponta de S. Bartolomeu, sem
dúvida a ponta do Mucuripe, e o rio Pirangi, hoje
Ceará". "Sizra", "Sizrá", "Siará" "Seará" não
seria uma aglutinação corrompida da expressão "Se
rachará", em vista desse Sol nosso de cada dia aí,
na adivinhação das secas "sinistramente famosas"?
Sei, não.
Taveira, João Carlos
Taveira é gente fina. Não se ouviu aqui em casa
telefone chamar com a voz de algum ilustre
ex-magarefe. Ou estou enganado? Broco, não! E não
duvide que eu chupe uma das suas futuras mangas
Afro, "trazidas, não se sabe de onde". Chupar
manga agrada a velho, dispensa dentes.
Vamos às secas. 1958, sua
seca, irmã de 1957, eu me tornara urbanita neste
ano. Não foi a seca que me empurrou do mato, foi o
Destino, meu bom condutor, bem-dito destino! Esse
"um temporal que não tinha tamanho" repetiu 1932, 5
de março. Também "não mais pingou durante todo o
ano". Cabe neles, 32 e 58, a sua expressão "Seca-seca".
E seus projetos literários
para este ano? Me conte suas atividades nas letras.
Até o ano das eleições você terá o meu Crônica
Memorista, em preparo adiantado. Não garanto a sua
leitura valer a pena, mesmo assim, aguarde.
Um abraço.
Zépeixoto, Telefone:
61-3327-2552.
PS. Ah, meu Deus! Liguei
para o velhote neste instante, 27.1.2017, 08:19.
Reconheceu minha voz imediatamente. Está firme e
forte. Que bom envelhecer assim. Zombando! Ele fez
um belo soneto sobre os 90 anos; vai completar 92
agora em abril. Garantiu que virá comer as mangas
que estou plantando, a produzirem só Deus sabe
quando. Falou que a chuva de 5 de março de 1932, e
não mais nenhuma naquela Seca-seca, era o irmão mais
velho que lhe contava. Sim, uma lembrança marcante.
Confirmou que a Seca-seca existe mesmo. O pior é a
falta de registros confiáveis. Daí, a necessidade do
pluviômetro e anotações. Agora de manhã em
Fortaleza, pluvi aqui do prédio, que eu mesmo
instalei? 5mm. Em Paracuru, por enquanto, nada. Mas
o tempo promete para mais tarde.
Nota do tempo hoje:
Um ano depois: hoje,
19.1.2018, 74 no lombo de véio Chico José, este
aqui, firme e forte enquanto Deus for servido (para
quê? Ele é Quem sabe..., reclamo nada não, louvado
seja!).
Um colega de agriculturas
me diz "boa chuva", quando mais fácil seria "x-mm".
Desconfio que a gente aceita o costume velho e vai
levando. Está bom. Alguns poucos compraram e
instalaram o pluvi.
Vou já lá embaixo ver
quanto choveu de ontem para hoje. Sim, aqui no
prédio instalei um. E ligar para mestre José Batista
dos Santos para saber o que choveu em Paracuru.
De anteontem para hoje,
aqui 73mm; Paracuru, 5mm. Hoje: Paracuru zero, aqui
"muiô", melou, lambuzou.
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