Marcelo Pen
"Testamento de Pasárgada"
Obra agrupa poemas em ordem
temática
Antologia recupera e favorece primeiras obras de Bandeira
6/9/2003
Esgotada há quase 20
anos, a antologia poética de Manuel Bandeira (1886-1968),
"Testamento de Pasárgada", é relançada agora em edição conjunta com
a Academia Brasileira de Letras. A organização do volume foi um dos
primeiros trabalhos do poeta e ensaísta Ivan Junqueira, que também
traduziu T.S. Eliot, Baudelaire e Dylan Thomas.
A obra não deixa de
ser, assim, a leitura e o recorte que um poeta faz de outro. Ao
contrário de uma antologia comum, ou de um volume de obras reunidas,
o aspecto cronológico é mantido em segundo plano. Junqueira
seleciona as poesias de Bandeira, agrupando-as em seções temáticas.
Dentre os segmentos,
há o que reúne as melhores produções do poeta, o dedicado às
influências e o que agrupa seus poemas mais melancólicos. No início
de cada um, Junqueira apõe epígrafes (extraídas de Bandeira) e
escreve um curto ensaio. Esse formato convida-nos a ler a obra
bandeiriana menos numa sequência temporal e evolutiva e mais num
entrelaçamento de temas e motivos que circulam pela obra como um
todo. Assim, na seção "Lirismo Triste", podemos cotejar versos do
início da carreira, como "À Sombra das Araucárias", com outros de
sua maturidade, como "Poema do Mais Triste Maio".
Com isso, a
antologia favorece a retomada das primeiras obras de Bandeira,
consideradas menores por boa parte da crítica. De fato, é
lugar-comum dizer que o poeta só começou a firmar-se a partir de "O
Ritmo Dissoluto" e, mais ainda, com "Libertinagem" e "Estrela da
Manhã". Junqueira defende a importância dos poemas anteriores, não
só salpicando-os em cada seção (e até mesmo elegendo um deles como
uma das obras-primas), mas também os justificando abertamente em
vários dos ensaios introdutórios.
Com a sensibilidade
adquirida no mister comum, Junqueira mostra como Bandeira desde o
início foi um poeta culto, sensível aos recursos cedidos pela
tradição. São esclarecedores seus comentários sobre "Chama e Fumo",
em que Bandeira recorre ao formato da vilanela (cujas origens datam
do século 16), e "Solau do Desamado", que bebe no quinhentismo
português (os dois poemas são da obra de estréia, "A Cinza das
Horas").
O perigo está em
valorizar a obra inicial apenas pela conjuntura de que Bandeira já
dominava, na época, a tradição lírica. A impressão que temos é que o
poeta só encetou os versos livres quando percebeu ter esgotado os
recursos poéticos tradicionais, ou seja, sem ter sido de fato
atraído às imensas possibilidades oferecidas pela nova forma -o que
não deixa de ser um ponto de vista evolutivo (conquanto com os
sinais trocados) que Junqueira em princípio parecia evitar.
Peguemos um poema
como "Rondó da Colombina" (de 1913), que Junqueira aninha no setor
"Consciência Poética", explicando ser uma retomada do modelo de "rondeau"
proposto por Voiture no século 17. Embora correto em sua composição,
o poema nem de longe atinge o grau de sofisticação, ironia e até
mesmo de excelência formal de "Rondó dos Cavalinhos", escrito mais
de 20 anos depois.
É necessário
restaurar o sentido da produção inicial do poeta diante de sua obra
madura, mas a via sugerida por Junqueira não parece ser a mais
sensata. Ela falha quando promove uma visão não problematizada dos
primeiros livros ou quando deixa de fora setores da crítica mais
atual, que já haviam avançado a discussão mesmo na data da primeira
edição de "Testamento...". Como amostra da poesia de Bandeira, a
obra merece as estrelas da vida inteira; como antologia, porém,
revela-se questionável.
Testamento de
Pasárgada
Autor: Manuel Bandeira
Organizador: Ivan Junqueira
Editora: Nova Fronteira/ Academia Brasileira de Letras
Quanto: R$ 42 (352 págs.)
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