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Marigê Quirino Marchini

 

A poesia indagativa de Idelma Ribeiro de Faria

 

A louvação do frágil, no dístico “Uma Abelha ao Sol”, nos desvenda o livro no título. “Do alvorecer ao anoitecer/ Com o Sol a pino/ de flor em flor, sem outro norte/ se entrega a abelha a seu trabalho/ que não tem fim.// E assim prossegue até a morte.// Não pelo mel, pela colmeia/ Ou pelo amor a sua rainha/ Ou a seu labor./ Mas porque este é o seu destino.//”. Esse o mistério da vida, da sua fugacidade, fragilidade, e assim mesmo, perpetuidade: quantos milhões de seres, quantos milhões de formas, de evoluções, para o aperfeiçoamento da natureza, para o melhor, para Deus?

Eis a pergunta de todas as religiões, e de todas as mentes translúcidas, que vivenciando o espetáculo da vida, da natureza, no topo da metafísica perguntam modestamente “Por quê?”. Como nesse belíssimo poema “que sei de mim?”. (...) “Comovida me interrogo: / Esta força que gravita/ por entre encaixes,. / alavancas, / cilindros / distribuindo funções / em que central de energia / foi gerada? / (...) Por que obscuros caminhos / se atropelam pensamentos / que por vezes / nem mesmo se concretizam / e se esgarçam como nuvem / pela selva dos neurônios?”.

A poetisa integra-se na natureza de tal forma, em muitos poemas, que de sua paz mágica e da sua contemplação quase surge a revelação divina: “Sob um céu de magia” - “Na solidão / do descampado verde / sob um céu de magia / deslumbrada e trêmula / eu te procurava” (...) “Perplexa me ajoelhei” (...) “Sentindo sob os joelhos / a úmida medula / das raízes / aguardei / o inefável momento” (...) “Um sinal... /Bastaria um sinal.../ parecias tão próximo...” (...) “Por que desfaleces / descompassado coração? / Por que te desesperas? / A áspide das trevas / te feriu?”.

Assim a poeta oscila entre um Deus vislumbrado na maravilha da contemplação, um Deus desejado como presença reveladora, e um Deus negado na aridez do desassossego e do desamparo interior.
A aridez mística que Santa Thereza e São João da Cruz tanto conheceram...Aquela que se alterna com os momentos misteriosos da plenitude divina.

Em “Reencontro com Blake”, outra bela poesia do livro, desdobram-se as imagens, eis a natureza e suas metáforas do bem e do mal: “O mesmo Deus que fez o cordeiro fez o tigre?” - indaga Blake. Eis Idelma respondendo: “Na árvore e no homem / transita o apelo da vida, seus males. / Na rocha não. / Na rocha não. // Na árvore e no homem, carências: / a urgência de ar de sais de água. / Na rocha não. // Por que aquele / que fez a árvore que fez o homem / não lhes doou a pureza a riqueza / a perpetuidade / que tinha em mãos?” // “Ou Aquele que fez a rocha / não foi o mesmo que fez a árvore/ que fez o homem?”. Esse um mistério indevassável mesmo para a poesia.

E quando da natureza, das formas e maneiras de seus seres a poetisa passa para os porquês da mente e do coração, e sofrida contempla toda devastação que o orgulho, a cupidez, o ódio, provocam na face da Terra, seu coração oscila, e perplexas brotam as perguntas: “Mente e Coração”: “Em quantos pontos do globo / travam-se lutas? / Há quantos e quantos séculos / a árida África / é irrigada com sangue?” “E os embates entre irmãos / em dezenas de nações?/ ” (...) “// Eis a Lua conquistada. / Eis a ciência penetrando / os mais íntimos segredos / do mar do espaço da vida.” // “A mente do ser humano / é solo fértil / dá frutos. // Mas o coração é pedra. // “. E nesse desalento, a fé oscila.

Assim, pois, o livro de Idelma Ribeiro de Faria, “Uma Abelha ao Sol”, é um questionamento lírico, humano, de claríssima poesia, que nos coloca no ciclo da natureza, e por analogia, nos ciclos do tempo de nossa alma. Vede os belíssimos “No limiar de Dezembro”, “Poema de Setembro”, “Florença”, ciclos humanos de nascimento, crescimento, morte, tempo fluvial, eterno rio de Heráclito...

A poesia de Idelma levanta, como vimos, o problema do mal, guerras e fratricídios em várias partes do mundo: “Tombam como folhas / são os jovens guerreiros / que se defrontam” // “São os garotos de pele negra / da Ruanda, Somália, Burundi... / É a mocidade africana em desvario / que se digladia” // (...) “Inconscientes lutam/ “Inconscientes tombam. / Como folhas...”.

Sua poesia também levanta a falta de humanismo, a barbárie nesta nossa cidade, a São Paulo das chacinas, da falta de perspectivas dos jovens da periferia. E o seu poema “Como glorificar”? É o poema daqui, no limiar do novo milênio: “Como glorificar a Deus nesta cidade / de ásperas canções e infindáveis ruídos/ onde o fluido da vida é corrompido/ e nos queima os pulmões?”// “E como invocar anjos santos e virgens/ nesta vertigem/ de ansiedades conflitos ambições/ entre mansões e favelas/ onde não se erguem mais altares e capelas/ e a fé já não habita os corações?”.

Essa sensibilidade ao absurdo, ao irrealismo da realidade, esse questionamento filosófico, ético, religioso, é uma constante na poesia de Idelma. Mas não torna a sua poesia menos religiosa. Idelma como que glorifica Deus, procurando-O no seu avesso. Faz-nos pensar, e talvez brote em cada um, após ler seus poemas, o pensamento do homem futuro. Aquele que chegará ao alto, mais sábio de inteligência e coração. Ou como queria Blake: “Ver o mundo num grão de Areia/ E o Paraíso numa flor Selvagem./Conter o infinito na palma da mão,./ E a Eternidade em uma hora.”

Lembramos também a sensível tradução de Idelma, da poesia de Emily Dickinson: “Para fazer uma campina/Basta um só trevo e uma abelha./ Trevo, abelha e fantasia./Ou apenas fantasia/ Faltando a abelha.” No livro de Idelma temos a abelha, como individuação da natureza, a fantasia de seu lirismo e a ampla campina da poesia.
 


Uma Abelha ao Sol - poemas - Idelma Ribeiro de Faria

Editora Giordano - 68 páginas - 1995.
 

Marigê Quirino Marchini é poeta, crítica literária e tradutora de italiano.

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Edmilson Caminha