Nicodemos Sena
Fortuna crítica: Tanussi Cardoso*
Engenho, arte e encantamento
Difícil lembrar de
algum romance brasileiro, na atualidade, de literatura tão
fragmentada, a conseguir amalgamar tantas qualidades: narrativa
envolvente e bem construída, divertido, mas apresentando uma
reflexão sobre a realidade, com personagens que transmitem tensão e
sentimentos humanitários. Difícil imaginar, igualmente, que esse
seja um romance de estréia, tal a maturidade de sua escrita, sua
força imagética e poética, e, principalmente, por seu rigoroso
estilo de linguagem.
Tendo a Amazônia
como pano de fundo, em histórias narradas com uma técnica exuberante
e sedutora, “A Espera do nunca mais” (uma saga amazônica, editora
Cejup), romance do paraense radicado em São Paulo, Nicodemos Sena
(1958), atinge a sensibilidade do leitor de tal maneira, que é
praticamente impossível se afastar de suas 876 páginas! Nicodemos
Sena não tem medo das palavras, nem do estresse cotidiano. Com
grande pulso dramático, numa linguagem fluida e líquida, como as
águas do Amazonas, o autor utiliza-se, estilisticamente, da lentidão
advinda da própria geografia do lugar; seus personagens aparecem,
desaparecem e se reencontram sem pressa, mostrando suas faces e
casos, como se tudo e todos estivessem dentro de um grande labirinto
de selvas ou navegando dentro de seus rios, na certeza de que, num
dia qualquer de um lugar qualquer, voltarão a se rever. É sobre o
outro, sobre a possibilidade de um futuro sonhado, enfim, sobre
nossas humanidades, que o autor se debruça em seu belíssimo livro,
onde a palavra é o veio principal.
Fugindo dos
estereótipos, a Amazônia de Nicodemos é, antes de mais nada, palco
crítico da disputa de grandes interesses econômicos, tendo como mote
os problemas da chegada do grande capital. Inteligente, o autor
faz-nos adentrar, vivenciar e compreender as misérias e os problemas
de suas gentes, recriando seus mitos, incluindo seus personagens
dentro do contexto social e histórico, transformando um enredo
regional e particular num roteiro universal. Mistura de realidade e
ficção, “A espera do nunca mais” reflete sobre a história
brasileira, mas não é politicamente “engajado”, é, sim, um romance
lírico de suspense, que narra a agonia de uma região inteira quase a
morrer.
Nicodemos Sena levou
sete anos trabalhando em seu livro! É um trabalho corajoso, digno de
aplausos, que não tem como objetivo primordial agradar ao mercado,
visando ao sucesso a todo preço. Na contramão dos valores impostos
por uma sociedade materialista, de bens descartáveis, “A espera do
nunca mais” exigiu muito rigor, pesquisa, seriedade, sofrimento,
dúvida, insegurança, lucidez, perseverança. O escritor deve ter
corrido riscos por não se deixar aprisionar por fatores editoriais
nem temáticos. Deve ter pagado o preço dessas dificuldades, mas
obteve o lucro da gratidão de sua consciência. Em 2000, “A espera do
nunca mais” ganhou o prêmio Lima Barreto-Brasil 500 Anos, da UBE/RJ.
Sabemos que prêmios são, tantas vezes, glórias fugazes, mas, é bom
que se diga, um romance como esse é pedra rara, só se encontra uma
vez ou outra.
Nicodemos Sena
merece que seu nome seja revelado de imediato para todo o país como
um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos!
(Rio Letras, nº 23, 2004, Rio de Janeiro)
*Tanussi Cardoso é poeta e
jornalista, autor de “Viagem em torno de” (poesia) e “A medida do
deserto” (poesia)
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