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Nicolau Saião




Questionário de El País Cultural



Pergunta - Quais pensa serem os vectores da Literatura europeia actual? E que rumo para o futuro?

Nicolau Saião - A Literatura e a arte em geral sempre se moveu entre dois vectores: o princípio e o fim, que o mesmo é dizer – as interrogações que se põem ao criador, que não só luta contra os escolhos e os fantasmas da criação como com a insatisfação que nos casos de maior lucidez se manifestam uma vez a obra concluída. Independentemente disto há os condicionalismos exteriores, que no caso das regiões periféricas como Portugal vivem paredes meias com circunstancialismos particulares.

Não pode pensar-se que a existência civil dum alemão escrevente é semelhante à de um português ou um romeno. No caso português, salvaguardadas as excepções flagrantes, a possibilidade de difusão é frequentemente ilusória, o que cria à partida no operador um estado especial de disposição...ou indisposição. Como referia Anatole France, um escritor não é apenas um homem de caneta na mão e papel em frente, depende de um conjunto de circunstâncias que têm a ver com liberdades concretas e liberdades práticas.

Tempos atrás, uma voz insuspeita – a dum senhor ministro da administração interna, numa das suas tiradas que ficaram clássicas – dizia que Portugal é um caos onde a vida racional, no quotidiano, vive dependente de factores pertencentes ao campo do humor negro e do relativismo moral. Ora, tudo isto cria um estado de espírito muito próprio no escritor. Mesmo os de maior proximidade ao Poder são atingidos pela inquietação e a angústia, o que significa que esta já não é património exclusivo de desenquadrados ou de contestatários. Com efeito, a Europa das pátrias, mesmo aparentemente unida, vive entre a falência da herança do direito romano e os primeiros sintomas, muito claros e firmes, da desintegração da economia de mercado que, note-se, até um Rickman – um dos seus gurus - prevê como volatilizável a médio prazo.

Assim sendo e uma vez que a Literatura exprime e é condicionada, simultaneamente, pelos ritmos societários imediatos, é de prever que como diferentes autores cada vez mais o exprimem, a angústia continue a ser um dos blocos fornecedores de muitas páginas inspiradas de produtores que se verão desaguar, em desespero de causa, na literatura semi-pornográfica de fazedores au pair. Mas atenção! Uma angústia não baudelaireana, antes ligada à defenestração dum mundo supranumerário. Não metafísica, mas adepta do quotidiano hipersensível. Na verdade, controlada apertadamente pelos ritmos editoriais saídos de Feiras como as de Frankfurt, Lyon ou mesmo S. Paulo. E depois, em bandas muito afastadas, haverá os rimbauds de dois mil e tal a forjarem, no silêncio e na sua lídima e verdadeira inquietação o que verdadeiramente contará. Mas a literatura de escaparate, convicta e com o seu estatuto próprio, com algumas fadas madrinhas a perpetrarem “a beleza” e “o significado” como matéria funcional, parece-me votada a uma exaustão que já se deixa topar através dos interstícios das páginas e das vidas mais ou menos escabrosas ou risíveis desses inadaptados e angustiados que, afinal, são confortavelmente publicistas de vulto, até políticos, professores insignes ou profissionais liberais de bom recorte...

[Resposta de Nicolau Saião ao inquérito promovido pelo El País Cultural digital]
 

 

 

 

08/03/2005