Nilto Maciel
Acerca da revista Caos
Portátil Nº5
A tradição cearense de publicação de
jornais e revistas literárias se enobreceu em 2005 com a criação de
Caos Portátil, Um Almanaque de Contos, por iniciativa dos escritores
Jorge Pieiro e Pedro Salgueiro. Longe da tradição, porém, o
periódico é dedicado exclusivamente ao conto. Sem deixar de lado os
clássicos, os mortos e os contistas mais experimentados (alguns com
vários livros publicados), os editores dão destaque aos mais jovens,
aos principiantes. A edição nº 5, de 2007, exibe minicontos de
Dalton Trevisan, “um dos mais importantes escritores brasileiros de
todos os tempos”. Presentes outros nomes menos conhecidos, como
Ângela Gutiérrez, Carmélia Aragão (apesar de muito jovem, já tem
livro publicado e muito bem recebido pelos críticos), Floriano
Martins, Genuíno Sales, Inez Figueiredo, Jorge Pieiro, Nilto Maciel,
Patrícia Tenório, Paulo Veras (falecido precocemente), Pedro
Salgueiro, Raimundo Netto e Ronaldo Correia de Brito. Os demais são
muito jovens (à exceção de Alcides Matos, Aldir Brasil Jr., Gilberto
Machado, Raimundo Rocha e Ruth de Paula), quase todos inéditos em
livro.
As peças apresentadas no almanaque são
curtas, quase sumárias: biquínis, calcinhas, cuecas, minissaias.
Nada de vestidos longos, calças compridas, paletós. “Frustração”, de
David Cid, ocupa meia página, breve como um relâmpago. Sem deixar de
ser enigmático. Nada de nomes explícitos, com uma única fala (“–
Droga!”), seco, bem elaborado. Um pouco mais longo é “Desejo de
Escrever”, de Gilberto Machado. Escrito na primeira pessoa, o
narrador anônimo rememora passeio a um açude com amigos. Pela
concisão, o leitor é levado também a se emaranhar em teias
psicológicas.
A revista abre espaço também para
estrangeiros e contistas de outros Estados, embora dê prioridade a
cearenses. O angolano Ondjaki oferece ao leitor “Menina no caminho”,
talvez a mais bela composição desta quinta edição. Obra primorosa,
de mestre. Há outras narrativas de temática social no conjunto.
Entretanto, a maioria delas caminha pelos amplos espaços da
introspecção. “Um pedacinho de papel rabiscado”, de Caio Marinho,
trata da solidão e do fracasso social de um poeta. Curtinho, ainda
assim merece alguns remendos no tecido. Caio Montenegro, em “Espera
infinda”, revela Dona Célia, uma dona-de-casa comum, pobre, à espera
do marido. Mas essa espera demora uma infinidade. Caio manipula o
tempo de forma incomum. Tem tudo para se tornar um contista fora do
comum. Camila Marcelo, em “Pétalas inesperadas” (pouco mais de meia
página), conta a historinha de um amor desfeito: mãe, filha (a
narradora) e César. Tão jovem (adolescente ainda), não poderia
escrever melhor. Carlos Eduardo Bezerra dá a conhecer “As
solteironas”, um dos mais longos da revista. Repleta de personagens
femininas, desenvolve-se jocosamente. “Pequeno burguês”, de Cláudio
Portella, é crônica quase conto. Se ler mais, se se exercitar mais
na escrita, poderá escrever boas obras de ficção. Cris Nobre, em “O
lírio entorpecido”, faz um passeio pelos tormentos da alma de um
homem, em narrativa em primeira pessoa. Jéssica Fontenele, com
“Tragédia às cinco e vinte”, também envereda pelos atalhos da
loucura, do transtorno. Como a maioria dos seus pares, aprendeu cedo
as novas técnicas de narrar e conduz a história com serenidade, sem
invencionices e sem se amarrar aos troncos das velhas mangueiras.
Joana d’Arc Araújo, com “Sobre saltos”, tece o poético em narrativa
na terceira pessoa. Com “Inascíveis”, Leo Mackellene, segue trilha
semelhante a esta. Lia Terceiro, com “Sobre o leito frio cortante”,
em composição mais longa, afunda num mundo estranho. Christine e
Nathan “vivem” um amor pós-morte. Estanha também é a vida da
contista, assassinada em 2007. “Cinabre”, de Lucíola Limaverde,
também toca o tema da solidão e seus enigmas. O ambiente é sombrio
ou de sonho. Marília Passos, com “O grito”, faz de um violino
personagem e cria uma aura de mistério. Em “O velho gramático”, o
catarinense Nílbio Thé realiza conto de personagem, como o próprio
título sugere. Espécie de biografia resumida do protagonista. O
amazonense Pedro Fontenele, com “Efeito estranhamento”, narra em
terceira pessoa as sensações de um ser fictício sem nome explícito.
Quanto à linguagem, percebe-se o uso exagerado de adjetivos e
advérbios em mente. Priscila Peres, com “Meio amargo”, cuida de
embates de casal, em narração contínua, sem diálogos, em frases
curtas. Com “A última consoada”, Robson Ramos se vale destes mesmos
recursos, porém desviando-se do puro conflito para o tema da morte e
da solidão. Urik Paiva, com “A máquina”, na primeira pessoa do
masculino, também mergulha nesse clima de tensão e morte. Em “Dessoramento”,
Wesley Lyeverton expõe um narrador solitário, num sanatório.
Portanto, Caos Portátil mostra jovens
em busca do fazer literário, com seriedade, e lhes dá incentivo, ao
apresentá-los ao lado de nomes consagrados (Dalton Trevisan) e de
outros que demonstraram talento nos livros publicados. E, se fosse
apenas isso, a revista já estaria cumprindo um grande papel.
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