Nilto Maciel
Aqueles homens tristes
Deitou-se ao
lado da mulher, como se se preparasse para morrer, sem uma palavra,
um gesto de carícia, qualquer menção de repetir cotidianas cenas de
brutalidade e desejo. Fechou os olhos e imobilizou-se. Queria apenas
pensar, pensar ilimitadamente, desprender-se de todos os laços
palpáveis de seu conhecimento, perder-se por corredores e
labirintos, por horizontes e profundezas. Desordenar as coisas, as
pessoas, o mundo. Fazer redondos os quadrados, aparar arestas,
encrespar as formas planas, reduzir a minúsculos montículos as
grandes montanhas, agigantar-se. Como em noites passadas.
Não conseguia
compreender como e por que tudo se deformava e nunca teve coragem de
contar nenhuma de suas descobertas a ninguém. A não ser as mentiras
menos assombrosas: aquela porção de frutas amontoadas, a paulada na
cabeça de fulano, a tempestade, os monstros. Umas já se haviam
perdido no tempo ou tinham ocorrido com outras pessoas. Às vezes
discutiam, se ameaçavam e até se matavam, raivosos, incapazes de
ouvir tantos disparates, insultos, desafios.
E a mulher, os
filhos, os companheiros de caça, o resto será que não saía, um
pouquinho só, além dos limites da mesmice? Ou também sentiam medo de
contar novidades?
De noite,
depois de fechar os olhos, entregar-se ao invisível, tudo virava de
cabeça para baixo, transformava-se, confundia-se. A mulher se fazia
outra, os filhos morriam, sumiam, se batiam contra feras. Os bichos
se devoravam, violentos, estraçalhavam-se, sangrentos. Muitas águas,
muito fogo, ventanias de arrastar homens e animais. E nada era
verdade, quando não era mentira. Sua mentira.
Não, talvez não
fosse bem assim. De dia, os olhos viam o mundo e o mundo existia. De
noite, os olhos de dentro viam o mundo, porém um outro mundo.
Abriu os olhos,
levantou-se, suado e trêmulo, e olhou para as estrelas que piscavam
no céu e para o fogo que ardia ao redor das cabanas. A mulher
dormia, os filhos dormiam, todos dormiam. Deu dois passos, escutou o
grito dos bichos e sentou-se numa pedra. Onde andavam as milhares de
pessoas de minutos atrás? Onde estavam aquelas construções enormes,
feito cabanas sobre cabanas? E os objetos que se locomoviam, feito
tartarugas de rodas, a conduzir gente, às carreiras? E os outros que
voavam, feito pássaros? O que fazia tanta gente ajoelhada, diante de
imagens de barro e homens que falavam de “morada do céu”? E por que
quase todos não paravam de suar, o dia todo a derrubar árvores,
cavar o chão, semear a terra, bater ferros, sob as ordens de uns
poucos? Que diabo significavam pedaços de papel coloridos e
numerados que aqueles recebiam dos chefes e trocavam por comida,
roupa, objetos variados de propriedade dos mesmos chefes?
O sol se
anunciou vermelho e encantatório por detrás das montanhas. E se lá
vivessem aqueles homens tristes?
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