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            Nilto Maciel 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
            Homens de negócios 
             
  
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            A alta do dólar 
            deixou Adão muito feliz. Aquilo merecia comemoração. E convidou sua 
            mulher para jantarem fora. No Restaurante Business. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            A felicidade do 
            marido de pronto contagiou Cândida. Nem queria saber que mecanismos 
            da economia haviam levado dinheiro aos bolsos de Adão. Importavam o 
            presente e o futuro próximo: o jantar e mais jóias, vestidos, 
            viagens... 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Sentaram-se à 
            mesa e trocavam idéias sobre o primeiro drinque. Ele preferia 
            uísque. Ela pensava em champanhe, vinho ou licor. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Passava próximo 
            à mesa deles o colunista social Patrício. E parou para 
            cumprimentá-los. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Já me falaram 
            de sua vitória de hoje. Parabéns! 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Adão sorriu e 
            disse duas ou três palavras sem sentido aparente. O outro seguiu em 
            frente. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Não sei como 
            ele vai conseguir ler aquele livro. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Que livro? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Você não viu? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Patrício 
            conduzia um livro de título em inglês. Com certeza sobre economia. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Finalmente 
            decidida pelo champanhe, Cândida voltou a sorrir. Os olhos de Adão 
            não a viam, porém. Preferiam ver as pessoas em volta de outra mesa. 
            Pareciam muito mais alegres que sua mulherzinha. Especialmente o 
            colunista. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Ele está 
            falando de nós dois. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Quem, meu 
            bem? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Esvaziada sua 
            taça, Adão perguntou se seria conveniente tomar outro uísque. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – E o jantar? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ele nem 
            percebeu o sentido da pergunta. Olhava para os movimentos de 
            Patrício. Levantara-se, afastara a cadeira e caminhava no rumo 
            deles. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Ele está 
            vindo para cá. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Quem, meu 
            bem? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O colunista 
            queria apresentá-los a uns amigos. Ora, a noite devia ser de muita 
            alegria. Por que não se juntarem todos? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Vamos então 
            para a mesa de vocês. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Cândida sorriu. 
            Seu champanhe já devia estar morno. As grandes letras do livro de 
            Patrício brilhavam: Galbraith ou Gallbrat? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Chegados à 
            grande mesa, o colunista tratou de apresentar Adão e Cândida aos 
            outros. Eram três senhores: Fausto, Celestino e Petrônio. Fumavam e 
            bebiam. Uma garrafa de uísque quase vazia balançava no centro da 
            mesa. O odor de cigarros fumados infestava o ar. Os cinzeiros 
            estavam repletos de pontas. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Não havia 
            nenhum indício de que fossem jantar. O garçom não parava de servir 
            bebidas. Das bocas dos homens os sons irrompiam feito lavas. Como se 
            ninguém ouvisse ninguém. E ora riam, ora pareciam zangados. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Vamos sair 
            daqui, meu bem – murmurou Cândida. – Estou tão cansada... 
            Ao mesmo tempo, um dos homens dizia qualquer grande verdade. Pois os 
            outros, calados, olhavam para ele. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Se não for a 
            alma, é o espírito – completou Fausto. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            E todos 
            gargalharam e fizeram um brinde à inteligência do médico. Exceto 
            Cândida, que repetiu o apelo. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Adão, porém, 
            parecia mais interessado na filosofice dos negócios. Aqueles 
            senhores pertenciam ao seu mundo. O jantar ficaria para depois. 
            Afinal, queria comemorar a alta do dólar. E nada mais oportuno para 
            a ocasião do que um legítimo scotch. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Derrotada, 
            Cândida sorriu e olhou para trás. E viu mesas, cadeiras e pessoas 
            como aquelas de seu ambiente. Havia até um belo rapaz parecido com 
            Adão. Apenas mais novo. E uma bonita moça parecida consigo. Talvez 
            namorados ou noivos. Deviam se amar. Como ela e Adão se amaram. A 
            primeira noite e o sonho romântico a desfazer-se. O amor não passava 
            daquilo. Animalidade pura. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Quando se 
            voltou para a frente, um olho malicioso piscava para ela. Buscou o 
            marido, sua couraça. Ele gargalhava, como se tivesse uma convulsão. 
            Um dos homens dava palmadas nas costas de outro. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – A do Armando 
            é pior, meus amigos. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O olho 
            malicioso deixou de piscar, Adão enxugou os seus e o homem das 
            palmadas coçou as costas. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Dizem que 
            sustenta um pobretão de vinte e poucos anos. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Mais dois ou 
            três comentários sobre a mulher de Armando, e Patrício aproximou a 
            boca do ouvido de Fausto. Quase não disse nada. Ciciou apenas. Logo, 
            porém, chegou aos ouvidos de Celestino uma versão das palavras do 
            colunista social. Não tardou, até Cândida se inteirou do teor do 
            cochicho. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Por último, 
            Adão alcançou a ponta da maledicência. E, alegando cansaço e 
            embriaguez, decidiu ir embora. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Com a retirada 
            do casal, as gargalhadas voltaram à mesa. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – É mesmo 
            verdade, Patrício? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Ora, minhas 
            informantes não mentem. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Mais uísque 
            beberam, mais cigarros fumaram, mais palavras disseram. Fulano 
            gostava de domésticas, sicrano de mocinhas, beltrano de rapazes. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Você gosta de 
            quê, Celestino? 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Houve risadas e 
            a expectativa da resposta terminou impondo silêncio. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Não vai 
            dizer? – insistiu Patrício. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Celestino 
            engoliu dois dedos de bebida. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Ele adora 
            brincar com as filhinhas do Fausto. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Mentira! 
            Mentira, seu safado! 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            – Não, não é 
            mentira. Mas não fique nervoso. Você não será levado à fogueira. Não 
            estamos mais na Idade Média. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Enquanto o 
            colunista falava, os outros bebiam sofregamente. Celestino, porém, 
            não quis ouvir a lengalenga do companheiro. E retirou-se. No 
            banheiro trancou-se. Olhou para o espelho. Aquele homem feio não 
            precisava mais viver. Retirou o revólver do bolso e apontou para o 
            ouvido. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O estampido 
            chamou a atenção dos garçons e fregueses do Business. Houve 
            correria, confusão. 
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Horas depois, 
            Adão e Cândida acordaram assustados. Ao telefone, uma voz trôpega 
            falava da morte de Celestino. E eles deveriam prestar declarações à 
            polícia. 
  
                                         
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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