| 
             
            
            Napoleão Nunes Maia Filho 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
            Discurso de posse na Academia 
            Cearense de Letras 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            1 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Eminente Presidente, 
            poeta ARTUR EDUARDO BENEVIDES, ilustres acadêmicos, quem 
            ultrapassaria os umbrais desta Academia centenária, para ter assento 
            entre os mais ilustres intelectuais do Ceará, sem ter de dissimular 
            ou conter uma enorme emoção e um gigantesco orgulho, por dessa forma 
            obter para si próprio uma dignidade vitalícia ou que se espraia até 
            para mais além? 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Certamente ninguém o 
            faria, Presidente, como sabem muito bem Vossa Excelência e o 
            eminente Professor PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO, que maximizou os 
            meus merecimentos, nessa saudação que mexeu com as minhas emoções 
            mais escondidas; nunca imaginei que as coisas que escrevi pudessem 
            ser captadas de maneira tão completa ou expostas com tanta e tão 
            precisa fidelidade aos meus sentimentos. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Sabe-o também (e 
            quiçá mais do que todos) o acadêmico LUCIANO MAIA que ninguém o 
            faria, especialmente eu, que venho das bandas claras do vale baixo 
            do rio Jaguaribe, onde Deus plantou as suas percepções poéticas e 
            ali fez a terra repousar sobre águas rasas, tão rasas que se cavando 
            o seu chão, logo a poucos palmos se acha o veio das suas vertentes, 
            isso nos aluviões da Barra e adjacências, e profundando-se por 
            metros na sua superfície se encontram mananciais que os cataventos 
            trazem à sua flor, na ilha do Limoeiro, onde está a cidade desse 
            nome, com tantas bicicletas e saudades, expressão que surpreendeu 
            e admirou, certa vez, ao mestre ARTUR EDUARDO BENEVIDES, quando a 
            disse de modo displicente e sincero. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            E assim também, 
            Presidente, é a sua gente, a minha gente dessa minha terra 
            inesquecível, que se vulnera facilmente por emoções, abre as 
            porteiras dos olhos e deixam a alma verter as suas lágrimas honestas 
            sob o empuxo incontrolável de um sentimentalismo muito forte; diria 
            vaidosamente, que também trago o coração fora do peito ou que em 
            mim a natureza enloqueceu: sou todo coração. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Permita-me, 
            Presidente, dizer que esta emoção me avassala todo e atropela as 
            saudades de muitas pessoas, coisas e claros ambientes, daquela terra 
            onde nasci, onde me criei, onde aprendi a ler e a rezar e vivi os 
            meus verdes anos, de onde as surpresas da vida me arrancaram, para 
            me encanecer com as suas vicissitudes, e para onde quero voltar, 
            para onde vou voltar, quando outro vier ocupar a Cadeira 32 desta 
            augusta Academia, em que agora me emposso, acrescentando à minha 
            vida finita a ambicionada aura da imortalidade, tal se dá com seus 
            anteriores ocupantes: o jurista e poeta BENEDITO AUGUSTO CARVALHO 
            DOS SANTOS, graduado na Faculdade de Direito do Recife; o jurista, 
            escritor e crítico JOSÉ VALDO RIBEIRO RAMOS; o também jurista e 
            professor universitário JOSÉ MARIA MOREIRA CAMPOS e, finalmente, a 
            escritora RACHEL DE QUEIROZ, todos sob a proteção do patrono Cônego 
            ULISSES PENAFORT. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            De lá, Presidente, 
            dessa minha terra inesquecível trago as marcas de muitas lembranças, 
            das mulheres que fixaram para sempre na minha alma os sinais 
            indeléveis do meu sentimentalismo rural e sem cura, que cultivo na 
            memória de minha mãe MARIA DO CARMO, minha primeira professora e 
            guia da minha vida toda, de minha outra mãe também MARIA DO 
            CARMO, das minhas numerosas tias dos meus dois lados familiares, que 
            hoje povoam as minhas saudades, me instilando tantas coisas que me 
            comovem, das quais escrevi ousadamente versos incompletos e 
            imperfeitos. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Mas antes de 
            concluir, Presidente, este meu retorno virtual às minhas origens, 
            nestas palavras que só têm significado para os limoeirenses que aqui 
            estão, quero lembrar o meu pai NAPOLEÃO, responsável pelas minhas 
            primeiras leituras de livros de maior densidade, como Os Sertões de 
            EUCLIDES DA CUNHA, por exemplo, que ele me fez ler antes dos meus 12 
            anos, bem me lembro, e pelos exercícios de memória que fazia, 
            decorando poemas dos poetas românticos do Brasil, que declamava 
            depois no alpendre da nossa casa, em presença de seus amigos, para 
            os seus aplausos admirados. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Presidente, como 
            deixar de referir, finalmente, as figuras patriarcais do meu avô 
            ANTÔNIO LOPES DA COSTA MAIA e dos meus velhos tios maternos JOAQUIM 
            e JOÃO PITOMBEIRA, que os lembro pelo cheiro acre dos seus cigarros 
            de fumo rústico e dos seus cachimbos, nas animadas pescarias que 
            faziam no açude da Santa Mônica, na fazenda do meu pai, 
            varando as suas animadas noites e violando as suas frescas 
            madrugadas? 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Por último, 
            Presidente, por todos os meus mestres inesquecíveis daquele tempo 
            lembro o meu parente e meu primeiro mentor intelectual, meu 
            professor de latim, de português e de canto orfeônico, no querido 
            Ginásio Diocesano Padre Anchieta, de Limoeiro do Norte, um homem 
            inteligente e irônico, que dedicou a sua vida ao magistério e a 
            incentivar as suas vocações: o Padre FRANCISCO DE ASSIS 
            PITOMBEIRA, um humanista completo e sensível poeta bissexto, que me 
            iniciou no afazer docente, nos antigos cursos de admissão ao ginásio 
            e ginasial, no estabelecimento de ensino exemplar que ainda hoje 
            orienta com o seu superior tirocínio. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            E ainda, mestre 
            ARTUR, os meus irmãos EDINARDO, hoje no oriente eterno, os poetas 
            LUCIANO e VIRGÍLIO, estes sim reinventores mágicos da lenda, 
            minhas irmãs MÔNICA e HORTÊNCIA, minhas cunhadas ANA MARIA e 
            SOCORRO, e todos os meus sobrinhos; e meus filhos MÁRIO HENRIQUE e 
            MÔNICA MARIA, segundo o sangue, e MARCO, segundo a afeição, ao lado 
            da mãe dos três, FÁTIMA, com quem dividi os anos decisivos da minha 
            vida. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Concordo, 
            Presidente, que deva cessar agora essas reminiscências pessoais e 
            assim o faço, para postar-me como convém, pois tenho perfeita 
            consciência, que o meu ingresso nesta Academia faz-me transitar 
            do meu anonimato para o grande palco das intensas luzes que iluminam 
            os eminentes pares deste Sodalício; faço isso, agora, 
            Presidente, mas me permita só registrar a presença aqui daquela que 
            me faz a vida mais doce e as noites mais tranqüilas ... 
             
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            2 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Presidente, uma 
            mulher de todo incomum, uma sertaneja em quem se acumularam todas as 
            virtudes dessa raça indômita, abriu-me a oportunidade de ingressar 
            nesta Academia, na vaga que deixou quando se encantou e passou a não 
            ser mais vista pelos nossos olhos mortais; RACHEL DE QUEIROZ 
            legitimou com a sua escritura verdadeira e realista, ficcional e 
            crítica, carismática e feminina, todas as figuras matriarcais da 
            nossa região e do nosso Estado, dando-lhes a grandeza primitiva e 
            forte dessa gente de carne e osso, feita toda de sangue e de 
            paixões, tostada pelo nosso sol regional causticante e fortalecedor. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Em agosto do ano de 
            1930, ano famoso na história política do Brasil, uma menina de 19 
            anos, formada normalista na turma de 1925 do Colégio da 
            Imaculada Conceição e eleita, mercê de sua beleza, Rainha dos 
            Estudantes de Fortaleza, assombrou com um romance regionalista 
            os sisudos críticos literários do País, como ALCEU AMOROSO LIMA, e 
            estarreceu, encantando, poetas como AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT, que 
            confessou não ter encontrado em outro livro tanta emoção, tão 
            pungente e amarga tristeza.  
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O Quinze é um 
            livro narrativo de puras verdades, de precisa e certeira pontaria, 
            juntando as áreas instáveis da ficção e da denúncia, ao descrever 
            ações naturais e espontâneas, centradas numa mulher paradigmática, a 
            sertaneja CONCEIÇÃO, estranhamente sempre vestida de branco, 
            ajeitando as suas tranças, arrodeada de personagens também 
            espontâneos e típicos, como CHICO BENTO, para quem Deus só nasceu 
            para os ricos, CORDULINA, magra como a morte, coberta de 
            grandes panos brancos, MÃE INÁCIA, urdindo as suas rendas, e os 
            seus compadres e comadres, todos formando a grande teia de alianças 
            e lealdades no sertão brabo do Ceará, à moda um feudalismo 
            extemporâneo, de raízes e jeito rurais, como já se alvitrou. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Será que tudo isso 
            do primeiro livro de RACHEL DE QUEIROZ são simbolismos, Presidente, 
            são signos voluntários ou plano da autora, pistas para os seus 
            pósteros rastrearem e decifrarem o seu pensamento simbólico, será, 
            Presidente, será?  
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Será que o seu texto 
            quase sem metáforas, enxuto e completo, sem a apoteose euclidiana da 
            gente sertaneja, sem paródias, denunciador das várias formas de 
            exclusão da mulher, no nível social, familiar e dos bens da cultura, 
            traduz um secreto viés autobiográfico da autora, a fazer crer seja 
            verdadeiro que toda escrita ficcional carrega, bem ou mal 
            disfarçado, esse intuito?  
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Eu não sei, 
            Presidente, mas penso que não; penso que isso são as espontaneidades 
            nordestinas de RACHEL DE QUEIROZ, que também se pode ver na sua 
            descrição muitas vezes cortada no meio da narrativa, numa mudança de 
            conversa tão ao gosto dos nossos contemporâneos, ainda hoje. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            No seu primeiro 
            livro RACHEL DE QUEIROZ não se filiou ao beletrismo, tão em 
            voga na época, especialmente entre as moças ilustradas, nem se valeu 
            dos recursos da linguagem metafórica, nem cuidou de filiar-se a 
            escolas, tendências, modismos ou estilos, no que permaneceu, aliás, 
            durante todo o seu longo e profícuo percurso literário.  
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Desde o começo até o 
            fim foi sempre surpreendente à cada nova obra, todas tão vigorosas e 
            lúcidas como a sua primeira, tanto que O Quinze pareceu ao 
            grande GRACILIANO RAMOS, escritor ainda inédito (pois o seu 
            Caetés só viria a lume em 1933), coisa de homem, tão 
            forte nele era o preconceito contra a presença de mulheres na 
            literatura, como confidenciou depois o romancista de Vidas Secas, 
            dizendo que não há ninguém com esse nome (Rachel de Queiroz), que 
            deve ser mesmo é o pseudônimo de algum sujeito barbado. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O notável MÁRIO DE 
            ANDRADE também não escapou desse espanto e, por certo, num momento 
            de machismo paulistano, impressionado com os 19 anos da autora, à 
            chamou de lindinha e, num arroubo de linguagem ou de 
            modernismo, imaginou que todos os livros anteriores sobre a 
            seca ficavam na vala comum da literatice, disso não excluindo 
            DOMINGOS OLÍMPIO, EUCLIDES DA CUNHA ou JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA, num 
            aparente exagero.  
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Notável, Presidente, 
            mais notável é que a densidade narrativa daquela menina cearense 
            permaneceu em toda a trajetória de sua extensa obra literária, com 
            uma constância tal que só se encontra mesmo nos outros ícones 
            imperecíveis da nossa intelectualidade de ontem e de hoje, como em 
            MACHADO DE ASSIS, em JOSÉ DE ALENCAR, em GRACILIANO RAMOS, em JOSÉ 
            LINS DO RÊGO, em JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA, em ADÉLIA PRADO e, 
            naturalmente, em CECÍLIA MEIRELES, falando com voz suave de 
            coisas tormentosas e ásperas, mas sem espasmos e sem escatologias. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            E lembremos, 
            Presidente, que RACHEL DE QUEIROZ era uma moça muito bem nascida em 
            família destacada, filha de DONA CLOTILDE, leitora de livros 
            franceses, e do Juiz de Direito Dr. DANIEL DE QUEIROZ, portadora da 
            nobreza rural, além de singularmente bonita e educada, o que poderia 
            tê-la levado ao usufruto legítimo e natural do sucesso social, pela 
            via da sedução, já que nela se cruzaram os olhos amendoados e de 
            ressaca de Capitu e a doçura dos lábios de Iracema; para se 
            confirmar essa verdade, basta ver-se a sua foto de 1931, quando 
            recebeu, aos 21 anos, o prêmio Graça Aranha, ou a de 1932, no 
            seu primeiro casamento. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Diz-se, e ninguém 
            contesta, que RACHEL DE QUEIROZ, mesmo migrante das suas plagas 
            nativas, delas jamais se afastou e não apenas por ter conservado a 
            sua fazenda Não me Deixes, em Quixadá, que isso é apenas um 
            signo exterior, relevante, sem dúvida, mas insuficiente, porque, 
            como ela própria dizia se referindo ao seu ambiente natural, não 
            se sai de lá, mesmo quando se sai. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Dos livros que 
            escreveu depois de O Quinze, o mais impressionante, como o 
            considerou TRISTÃO DE ATHAÍDE, terá sido João Miguel, de 
            1932, publicado pelo poeta SCHIMDT, onde está narrada com cores 
            vibrantes e extremo realismo, com uma certa dureza e desencanto, a 
            saga de um preso em miseráveis cadeias do interior, tema por si 
            bastante para revoltas e emoções, mas nesse romance, a autora de 22 
            anos cruza as angústias do cárcere com as esperas, as frustrações e 
            as dores do preso e de sua família, pondo na sua boca este discurso 
            de evidente atualidade e denúncia: 
                                                   
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Quem é, no mundo, 
            que ganha com a cadeia? O governo fica com uns poucos de homens nas 
            costas, pra sustentar, e ainda por cima tem que pagar os soldados da 
            guarda. O patrão perde o seu empregado, muita vez o seu homem de 
            confiança. A terra deixa de ter quem limpe, quem broque, quem 
            plante. Quantos alqueires de milho não se deixou de apanhar, por 
            minha falta? E, agora, nós? De que serve para a gente a cadeia? Só 
            pra se ficar pior. A gente aprende a mentir, a se esconder, a perder 
            o sentimento, de tanto aguentar desaforo de todo mundo. Perde o 
            costume de trabalhar e, quando muito, faz esses servicinhos de 
            mulher, assentado no chão. E, vivendo em tão má companhia, os que 
            não são ruins de natureza, e fizeram uma besteira sem saberem como, 
            acabam iguais aos piores.  
                                                    
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Vale lembrar que foi 
            a interdição desse seu livro pelo Partido Comunista, a que RACHEL DE 
            QUEIROZ se filiara, o que a levou a desiludir-se desse credo; a 
            interdição dos seus então camaradas teria por razão a idéia central 
            do romance, um crime em que um trabalhador assassina outro, o que 
            teria parecido aos dirigentes partidários da época algo de todo 
            deseducativo; de qualquer sorte, as posteriores evoluções de suas 
            convicções políticas, que a fizeram amiga de generais e governantes, 
            podem até constituir tema de pesquisa importante e conseqüente, mas 
            por agora não aparenta ter a relevância que alguns lhe atribuem. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            O seu valor 
            intelectual e a sua influência política ou de representação da força 
            feminina foram reconhecidos pelo Presidente Marechal CASTELO BRANCO, 
            seu parente e seu amigo, que a convidou para Ministra da Educação e 
            Cultura do seu governo e dela recebeu a desconcertante resposta 
            Presidente, eu não nasci para ser uma mulher pública; com isso 
            penso que fincava claramente a sua vocação intelectual, que veio a 
            torná-la a primeira mulher a ingressar na vetusta Academia 
            Brasileira de Letras, em 1977, na vaga do jurista FRANCISCO 
            CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, este mestre inexcedível na 
            originalidade e na verticalidade do seu gênio em todos os ramos da 
            Ciência do Direito e autor da maior obra jurídica escrita por uma só 
            pessoa - esse monumental escritor das Alagoas. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ela assumiu na ABL a 
            cadeira no. 5, que fora do poeta RAIMUNDO CORREIA e, depois, do 
            cientista OSWALDO CRUZ, do crítico ALUÍSIO DE CASTRO e do jurista 
            CÂNDIDO MOTA FILHO, mas isso com a mais simples naturalidade que 
            cerca as coisas espontâneas, sem nenhum alarde, sem fanfarra, sem 
            exibir mais do que a sua verdade e o seu talento, assim abrindo as 
            portas daquela veneranda instituição para a inteligência da mulher, 
            por tanto tempo inexplicavelmente fechadas. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Do ponto de vista 
            crítico-literário é possível identificar em todos os romances de 
            RACHEL DE QUEIROZ, do primeiro, de 1915, ao Memorial de Maria 
            Moura, em 1992, não somente a permanência admirável da sua 
            constância temática e do seu detalhismo descritivo dos tipos 
            humanos, sobretudo das mulheres fortes e decididas, mas talvez e 
            principalmente a completa ausência de artimanhas nas frases, a 
            ausência total de subjetivismos, nisso transparecendo que cruzou, 
            com as suas bagagens e percepções, a visão apenas lírica da terra e 
            encontrou a forma exata de denunciar objetivamente as iniquidades, 
            sem nutrir a sua escrita no que seria o sobejo dos autores 
            regionalistas anteriores, mas bem próximos. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            RACHEL DE QUEIROZ 
            não hesitou, por exemplo, em se colocar pessoalmente, e com a maior 
            sinceridade, no contraponto social e psicológico das suas 
            contemporâneas, como ao descrever a cisão entre as alunas do 
            Colégio, no seu As Três Marias, de 1939:  
                                                   
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ao 
            centro, era o lado das irmãs, grandes salas claras e mudas onde não 
            entrávamos nunca. E além, rodeando outros pátios, abrigando outras 
            vidas antípodas, lá estavam as casas do orfanato, onde meninas 
            silenciosas, vestidas de xadrez humilde, aprendiam a trabalhar, a 
            coser, a tecer as rendas dos enxovais de noivas que nós vestiríamos 
            mais tarde, a bordar as camisinhas dos filhos que nós teríamos, 
            porque elas eram as pobres do mundo e aprendiam justamente a viver e 
            a penar como pobres. Uma proibição tradicional, baseada em não sei 
            que remotas e complexas razões, nos separava delas. Só as víamos 
            juntas na Capela, alinhadas nos seus bancos do outro lado do 
            corredor, quietinhas e de vista baixa, porque as regras que lhes 
            exigiam modéstia, humildade e silêncio, eram ainda mais severas do 
            que as nossas. 
                                                    
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Rachel de Queiroz 
            não ficou no denuncismo ilustrado e bem comportado e seguro, pois 
            foi ela própria envolvida pessoalmente no turbilhão que era o 
            movimento de promoção feminina, sem cair na vulgaridade ostensiva, 
            vivendo com a maior intensidade, sem medo e sem ressalvas, sem a 
            timidez que poderia até ser entendida, o seu amor feminino e 
            natural pelo seu companheiro Dr. OYAMA DE MACEDO, seu segundo 
            marido, fiel à sua paixão até o fim e desde o começo, numa devoção 
            afetiva que ainda agora se mostra exemplar. 
             
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            3 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Veja, Presidente, se 
            não fosse a recomendação cerimonial de ser limitado o tempo do meu 
            discurso, eu até cometeria a grande indelicadeza de abusar, mais 
            ainda, da paciência de todos e faria outros percursos investigativos 
            sobre RACHEL DE QUEIROZ, agora realmente imortal pela nossa 
            reverência, tornada permanente, referência e nume da nossa 
            literatura, lembradíssima, queridíssima, louvadíssima, como o foi 
            pelo imperecível MANUEL BANDEIRA, que a colocou ao lado da Trindade 
            Santíssima: 
                                                   
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Louvo o Padre, louvo o Filho,
             
            o Espírito Santo louvo.  
            Louvo Rachel, minha amiga,  
            nata e flor do nosso povo. 
             
            (...). 
             
            Louvo Rachel e louvada 
            uma vez louvo-a de novo. 
             
            (...). 
             
            Louvo o Padre, louvo o Filho, 
            O Espírito Santo louvo. 
            Louvo Rachel, duas vezes 
            louvada, louvo-a de novo. 
             
            (...). 
             
            Mas chega de louvação, 
            porque por mais que a louvemos, 
            nunca a louvaremos bem. 
            Em nome do Pai e do Filho 
            e do Espírito Santo. Amém.  
                                                    
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Presidente, agradeço 
            a Vossa Excelência e a todos os eminentes acadêmicos desta Academia 
            Cearense de Letras o me terem admitido entre os seus membros; farei 
            o que estiver ao meu alcance para estar a altura dessa honraria. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Obrigado. 
             
  
                                                    |