Rodrigo de Souza Leão
Entrevistando Italo Moriconi
Italo Moriconi, 45 anos de idade, é
poeta e professor de Literatura Brasileira e Comparada na UERJ.
Começou a publicar poesia em 1972, no antigo Suplemento da Tribuna
da Imprensa. Depois de formar-se em Ciências Sociais na UnRSLem
1975, transferiu-se para o Rio, onde participou ativamente dos
movimentos culturais e políticos da época. Colaborou com vários
órgãos da imprensa alternativa e foi um dos fundadores do jornal
Beijo. Seus livros de poesia são: Léu (1988); A Cidade e as Ruas
(1992) e Quase Sertão (1996). Sua tese de doutorado em Letras pela
PUC foi publicada em livro com o título A Provocação Pós-Moderna
(Ed. Diadorim, 1994). Em 1996, escreveu para a Relume Dumará e
Secretaria Municipal o volume da Coleção Perfis do Rio sobre a poeta
Ana Cristina Cesar. Nos últimos anos, tem publicado diversos ensaios
sobre teoria estética e sobre poesia pós-modernista brasileira em
periódicos universitários. Atualmente, prepara uma coletânea de
ensaiossobre Caio Fernando Abreu, com a participação de
representantes da mais nova geração de críticos universitários
brasileiros e estrangeiros.
RSL: Proust, Rimbaud, Oscar Wilde... Como encara o fato de os
maiores escritores de todos os tempos serem homossexuais?
Italo Moriconi - Não sei se todos os maiores escritores foram
homossexuais. Os que vieram antes do século XIX, como Shakespeare e
Platão, certamente ano eram homossexuais, embora mantivessem
relações eróticas com outros homens. Pois, como Foucault mostrou em
sua História da Sexualidade, o termo "homossexual" como definição de
identidade de uma pessoa só apareceu no século passado, embora
práticas homoeróticas e fenômenos de travestismo sejam inerentes à
espécie humana. Seja como for, levando em conta que a categoria
"homossexual" ainda é vigente como forma de classificar pessoas com
base em suas preferências eróticas, se pegarmos os 3 escritores
citados por você, pode-se observar que da vida de Rimbaud não se
sabe o suficiente para garantir que todas as relações mantidas por
ele na maturidade africana tenham sido relações homoeróticas. Quanto
a Oscar Wilde, que provavelmente era o mais desmunhecado dos 3, não
era homossexual, e sim, bissexual. Depois de ter sido vestido como
uma menina pela mãe até a idade de 8 anos, Wilde cresceu, casou-se,
fez filhos na esposa e, paralelamente, levou intensa vida de
prazeres com prostitutos, marinheiros e jovens trabalhadores
musculosos em geral, na animadíssima vida gay da Londres de final do
século XIX, isso até se apaixonar por Lord Douglas. A grande dúvida
que permanece é saber se Wilde era passivo ou ativo nas centenas de
relações homoeróticas que manteve ao longo de seus longos anos de
vida dupla. Tudo indica que ele alternava os papéis.
RSL- Há uma dicção costurando e caracterizando a cultura gay?
IM - Sim, há uma dicção gay. Eu citaria o escritor americano Edmund
White como autor de uma obra exemplar dessa dicção. Oscar Wilde
certamente é um precursor e também o Proust mencionado por você. Mas
assim como a cultura gay tem inúmeras subculturas dentro dela,
existe uma diversidade de dicções que se somam a essa dicção básica
de White, Wilde e Proust. Como dicções gay alternativas, cito os
exemplos de Jean Genet, Pasolini e, no cinema, Fassbinder e Derek
Jarman, além do próprio Pasolini, que foi misto de escritor,
cineasta e animal político. Pode-se também dizer que toda a cultura
dos musicais hollywoodianos é gay, assim como a televisão,
estimulando a atividade masturbatória livre de crianças abandonadas
em seus quartos, instaura uma dicção gay (ou "queer" -- viada) ) na
cultura de massas como uma das linguagens dominantes de nosso tempo.
No Brasil, temos uma literatura gay, mas não sei se existe uma
dicção gay, como na literatura anglo-saxônica.
RSL- Você concorda com Harold Bloom? De quais poetas fortes
descende? É angustiado por alguma influência?
IM - Concordo com o que de Harold Bloom? Harold Bloom deve ter uns
12 a 15 livros publicados e idéias as mais variadas sobre os mais
variados tópicos. Você se refere à teoria da ansiedade da
influência, ou seja, ao Harold Bloom dos anos 70. Acho-a uma teoria
super pertinente para ajudar a entender as relações entre gerações
de poetas, mas acho-a também parcialmente furada por seu caráter
anglocêntrico e falocêntrico. Minha angústia de influência se dá em
relação a Drummond, Caetano Veloso, Ana Cristina Cesar e Cazuza.
Tenho também uma angústia de influência em relação aos meus dois
grandes mestres da PUC, o Costa Lima e o Silviano Santiago.
RSL- A metáfora e a linguagem conotativa não fazem mais um poema.
É necessária alguma atualização dos conceitos ligados a linguagem
poética? Esta atualização passa pelo conceito de modernidade e
pós-modernidade?
IM - Não concordo com sua primeira frase, de que a metáfora e a
conotação não fazem mais um poema. Podem até não fazer, mas colocar
isso como um dogma não corresponde em nada à realidade atual. Alguns
dos poetas mais jovens em circulação em várias culturas (conheço
basicamente brasileiros, americanos e portugueses, um pouco de
hispano-americanos) pelo contrário mostram a vitalidade do uso da
metáfora como tática de arte verbal. Quanto à atualização de
conceitos, é uma necessidade permanente. Desde o fim do
Renascimento, nunca se passam 30 a 50 anos na cultura ocidental sem
que haja uma necessidade de revolução conceitual. A revolução
conceitual contemporânea já aconteceu e as discussões sobre
pós-modernidade representam uma tentativa de pedagogizar, de
popularizar essa revolução conceitual.
RSL- Hoje em dia o poeta novo fica, com a falta de movimentos
literários, sem uniformidade e modelo. Tal fato é positivo ou
negativo?
IM - Acho que é um fato. Positivas ou negativas são as reações ao
fato. Minha reação é basicamente positiva, como seria positiva se o
fato fosse outro. Não sou conservador, por isso minha tendência
raramente é negar o presente em nome de um passado.
RSL- Você poderia fazer um panorama rápido da poesia brasileira
atual. Em quais vertentes literárias estão os poetas atuais?
IM - A poesia dos anos 90 apresenta duas vertentes básicas. Uma
vertente esteticista, representada por poetas como Carlito Azevedo,
Claudia Roquette Pinto, Nelson Ascher, Josely Vianna Baptista, o
Jorge Lúcio. De maneiras muito próprias, podem ser incluídos nessa
vertente poetas como Paulo Henriques Britto e Lu Menezes. A outra
vertente seria uma vertente neoconservadora, metafísica,
representada por Alexei Bueno, Bruno Tolentino, Marco Lucchesi.
Talvez Ivan Junqueira se encaixe desse lado. Paralelamente a isso,
existe um aprofundamento e diversificação da vertente
feminista/feminina, com a própria Claudia Roquette Pinto, Clara Góes
e muitas outras. E como emergência temática marcante nesses anos 90,
aparece a poesia gay, que é um belo rótulo, mas que eu prefiro
chamar de homoerótica masculina. Nessa nova voz, incluo-me eu mesmo,
e poetas como Antonio Cicero e Valdo Mota, mas nós 3 temos
abordagens bem diferentes, que qualquer leitor poderá verificar por
conta própria. Gosto também de poetas mais dionisíacos, como Waly
Salomão, e das sensualérrimas Hilda Hilst e Olga Savary.
RSL- Você está na antologia da Heloísa. O que o qualificou para
pertencer à obra?
IM - Esta seria uma pergunta que você deveria fazer à Heloísa. De
qualquer modo, não acho que a participação numa antologia de
contemporâneos tenha qualquer coisa a ver com sistemas escolares de
"qualificação", doutoramentos, titulações e coisas assim. Como não
sei fazer auto-propaganda chinfrim, devolvo a você a pergunta: o
que, em sua opinião, me qualifica ou desqualifica para a antologia?
RSL- Há algo de positivo no fato de a crítica literária
concentrar-se nos meios acadêmicos?
IM - Há algo de negativo?
RSL- Acho que sim. Não o fato em si, mas a crítica ficar restrita
à universidade, convenhamos, é uma ação limitada ou não? ou apenas
os escritores da trindade Uerj, Uff, Ufrj é que têm importância. Ao
meu ver este fato é nefasto. Quando não há o diálogo, alguma coisa
está errada. Não defendendo o Wilson Martins, pelo contrário, há só
ele. O resto é resenha paga, entrevistas de escritores estrangeiros,
fofoca, badalação...
IM - O problema não é a crítica ficar restrita à universidade, o
problema é não haver no Brasil um tipo de imprensa cultural que faça
a ponte entre universidade e público culto em geral. Nisso, a grande
imprensa paulista é muito melhor que a carioca, particularmente a
Folha. Pena que eles privilegiem a USP. Quanto aos escritores, não
acredito que os preferidos da comunidade acadêmica sejam os únicos
que apareçam, pelo contrário, a crítica universitária gosta de
escritores sofisticados e complexos, como João Gilberto Noll,
Zulmira Ribeiro Tavares, ou transgressivos, como Hilda Hilst e Caio
Fernando Abreu, etc., e pouco se ocupa de escritores populares e que
aparecem muito mais na imprensa, como João Ubaldo, Veríssimo, Jô
Soares, etc. O exemplo dado por você, Wilson Martins, é bastante
infeliz. Nada mais típico de uma certa universidade que Wilson
Martins, que foi professor da New York University durante décadas e,
depois de aposentado, passou a escrever essa coluna dele no Globo,
uma coluna que eu não considero que seja uma coluna de crítica e sim
uma crônica-resenha semanal. Não entendo sua colocação sobre resenha
paga. Que as resenhas (inclusive no caso de Wilson Martins)
substituíram a crítica literária na imprensa brasileira, não resta
dúvida. Mas você deveria dizer: resenhas mal pagas. As resenhas que
a imprensa publica são muito mal pagas, em matéria financeira.
Resenhas são espaço publicitário, só que no campo da literatura
publicidade é uma coisa muito mais complicada que no mercado maior.
Sim, porque você pode querer fazer a publicidade de uma idéia, e de
repente, uma resenha pode ser o espaço ideal para isso. Hoje em dia
acho mortífero para uma pessoa interessada profissionalmente em
literatura ficar fora, alheia ou antagônica em relação à
universidade. Até a linguagem dessa pessoa vai ficar defasada e
antiquada. Na medida em que a grande imprensa está fechada para
debates intelectuais mais profundos ou extensos, o único lugar em
que ainda existe um mínimo de vida inteligente e de paixão por
idéias é a universidade mesmo.
RSL- Hoje mesmo, dia 12 de abril, O GLOBO publica uma matéria
sobre o possível fim do livro. A internet será o carrasco da palavra
no papel?
IM - Não sou futurólogo, portanto não posso produzir uma resposta
para sua pergunta assim de estalo. Mas há bibliografia, e crescente,
sobre o assunto. O último número do New York Review of Books traz um
interessante artigo do Robert Darnton sobre o assunto. Outro que tem
falado sobre isso é o Umberto Eco velho de guerra.
RSL- Você fez um perfil da escritora Ana Cristina César... O fato
de ter falecido jovem potencializa a curiosidade sobre seus
escritos. Alguns a acusam de plágio. Quem foi, quem é Ana Cristina
César?
IM - Prefiro não responder à pergunta sobre quem é ou quem foi Ana
C., pois, afinal contas, escrevi um livro sobre o assunto. A
resposta está lá. Não existe plágio na escrita de Ana C. O que
existe, conforme já demonstrado não apenas pelo meu, mas por vários
livros e teses sobre a poeta, o que existe é um processo intenso de
intertextualidade, apropriação, pastiche e parodia. Nisso, ela não
inova em nada, apenas segue o modelo estabelecido por um dos poemas
paradigmáticos da modernidade do século XX: "The Waste Land" ("Terra
Desolada") de T. S. Eliot. Em meu livro, analiso as relações entre
as poéticas de Ana e de Eliot.
RSL- Você tem um mote, alguma epígrafe que o acompanha pela vida.
Qual? Fale um pouco sobre!
IM - Acho que não tenho. Desde criança sou um contumaz leitor de
páginas e livros e jornais e revistas e um devorador de filmes e
todos os demais tipos de mensagens. Diante de tal quantidade de
informação não dá para escolher uma única frase e transformá-la em
fetiche. Vivo em constante movimento, constante tumulto e exaltação
mentais.
RSL- Qual o papel do escritor na sociedade?
IM - Existem diferentes tipos de escritores, que correspondem a
diferentes visões de seu papel na sociedade. Minha fidelidade, minha
paixão primeira se dirige àqueles que são indisciplinadores de
almas. A definição é de Fernando Pessoa.
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