Aníbal Beça
Aníbal, poeta à beça
Entrevista a Rodrigo de Souza Leão
Aníbal Beça é amazonense de Manaus, onde nasceu a 13 de setembro de
1946. Filho de Alfredo Antônio de Magalhães Beça e de dona Clarice
Corrêa Beça. Tem por avós paternos Aníbal Augusto Ferro de Madureira
Beça e dona Mercedes de Magalhães Beça e maternos Luiz Maximino de
Miranda Corrêa e dona Haydéa do Valle Corrêa (esta, sobrinha dos
escritores Artur e Aluisio Azevedo). É poeta, compositor e
jornalista. Desde muito cedo colabora em suplementos literários e em
publicações similares nacionais e internacionais. Dividiu seus
primeiros estudos entre colégios de Manaus (Aparecida, Dom Bosco e
Brasileiro) e em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (Colégio São
Jacó).
Especialista em
tecnologia educacional na área de Comunicação Social (UFRJ), foi
diretor de produção da Televisão Educativa do Amazonas - TVE.
Atualmente é consultor da Secretaria de Cultura do Amazonas. Casado
com a psicanalista e professora da Universidade do Amazonas Eugenia
Turenko Beça, tem três filhos: Anibal Augusto (artista plástico e
economista), Ricardo Antonio (músico e médico) e Sacha Aleksei
(estudante de economia). Envolvido com teatro, artes plásticas, é na
música popular que a sua contribuição se faz mais efetiva como
compositor, letrista e produtor de espetáculos e de
discos. Seu primeiro livro Convite Frugal, data de 1966 (este ano
comemora 32 anos de atividade literária e 30 de produção musical). À
propósito de sua poesia, o poeta Carlos Drummond de Andrade, teceu,
em 31 de julho de 1987 - pouco antes de morrer - o comentário: "Li
Filhos da Várzea, os poemas-pôster e os haicais afetuosamente a mim
dedicados. Obrigado por tudo, meu caro poeta. É de coração aberto
que lhe desejo a maior receptividade pública e compreensão para a
bela poesia que está elaborando e que, espero, marcará seu nome como
um dos que engrandeceram o cultivo artístico do verso."
Em 1994, com o
livro Suíte para os Habitantes da noite, sagrou-se vencedor, dentre
7.038 livros de todo o país, do 6º Prêmio Nestlé de Literatura
Brasileira - categoria poesia. O livro, lançado sob o selo da
editora Paz e Terra, saiu em 1995. Outros livros: Filhos da Várzea,
ed. Madrugada, 1984, abrigando o livro Hora Nua; Marupiara
-Antologia de Novos Poetas do Amazonas, (organizador) Ed. Governo do
Estado do Amazonas, 1985; Quem foi ao vento, perdeu o assento
(Teatro) Ed. SEMEC, 1986; Itinerário poético da Noite Desmedida à
Mínima Fratura, Ed.Madrugada, 1987; Banda de Asa - poesia reunida -
1998 e Ter/na Colheita, 1998. É Membro da UBE e do Clube da
Madrugada.
RODRIGO - Fale sobre a sua infância com os livros. O que teve
de poético?
ANÍBAL BEÇA - Tive uma infância comum, de menino de classe
média. Meu pai, principalmente, sempre estimulou os filhos
direcionando-os para leitura. A descoberta, da magia e dos sonhos,
chegou pelos personagens de Monteiro Lobato. Devorei toda a coleção
e relia compulsivamente. Acabada a leitura, reinventava as histórias
com minhas irmãs e o irmão em pequeninos sketches, que levávamos num
pequeno teatro improvisado na garagem de nossa casa. A vizinhança
sempre esperava pelos espetáculos, que se davm nos finais de semana.
Cobrávamos até ingresso. Quem não tivesse grana, pagava com revistas
em quadrinhos. Outra leitura que curtíamos mas que não era vista com
bons olhos pela autoridade paterna. Líamos escondido dele. Dizia que
as revistas em quadrinho disvirtuavam. Levavam para o fácil e
afastava-nos da leitura, séria, dos livros. Claro que não adiantava
nada as suas censuras. Não só líamos como colecionávamos, e a sessão
infantil no cinema Guarany aos domingos era esperada com grande
ansiedade. Não só pelos filmes, seriados de Charlie Chan, Fumanchu,
Rock Lane, Roy Rogers, Nyoka a Rainha da Selva, Jim das Selvas,
Zorro, Tarzan etc. mas pela oportunidade de trocarmos as revistas de
quadrinho. Um outro tipo de leitura, esta, aceita pelo velho, era a
coleção do Tarzan em livro e os contos das mil e uma noites, as
aventuras de Jules Verne, também. A poesia, era coisa secundária.
Líamos o que a professora passava como dever de casa. Antologias de
poetas Parnasianos, em sua maioria, românticos, simbolistas.
Modernistas, nem pensar. Dessa época, ainda me lembro de alguns
poemas de Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, Fagundes Varela,
Raimundo Corrêa, Olavo Bilac, os sonetos de Camões, o Jorge de Lima
dos lampiões, Manuel Bandeira simbolista, e, para mim, muito
especial, Castro Alves. Decorava poemas enormes, inclusive "Navio
Negreiro", que declamei em uma festa da minha escola.
RODRIGO - O que a literatura e a poesia tem de lúdico?
ANÍBAL BEÇA -A oportunidade de você, leitor, recriá-la. Com o
seu desenho pessoal, de sua imaginação, imaginar a geografia do
relatado, a fisionomia dos personagens, a voz, o olhar. Sempre me
decepcionava com as adaptações de romances para o cinema. A minha
criação em torno dos personagens e da história, através da leitura,
sempre eram muito melhores que as do filme. Com raras exceções. Uma
delas: Os três mosquiteiros, em sua primeira versão falada. Outra: O
Corcunda de Notre Dame com Charles Laughton. Além de você. também
poder recriar outros textos, como eu fazia no nosso teatro. E isso
sem pensar em me tornar em escritor. A coisa vinha naturalmente. E
acho que é muito usual entre as crianças essas recriações. Lembro-me
agora, que tinha também um deslumbramento pelos causos da poesia de
cordel. Tínhamos uma empregada que gostava e comprava os livrinhos
pendurados num varal no mercado. Gostava de ir com ela aos domingos
fazer a feira porque tinha esse atrativo. comprar os livrinhos e, às
vezes, ouvir os cantadores e seus desafios. As histórias do demônio
contra Deus, os cangaceiros Lampião e padre Cícero, As tragédias e
os assassinatos, os casos de cornice etc. Mais tarde, descobri lá
pelos 11anos, que tinham também versinhos de sacanagem, cordéis
pornográficos, que sempre aparecia a figura de Bocage. O Bocage da
minha infância não tem nada a ver com o grande Bocage que depois
descobri. Para nós, Bocage era o inventor da sacanagem. Ele e os
catecismos de Carlos Zéfiro, com seus desenhos explícitos.
RODRIGO - Que autores influenciaram a sua formação, a sua
juventude?
ANÍBAL BEÇA - Por incrível que pareça, os clássicos. Meu pai
tinha quase toda "A comédia Humana", de Balzac; Emile Zola,
Dostoievsky, Tolstoi, Eça de Queiroz, Machado de Asis, Proust,
Camões, Dante Alighieri, Homero, tínhamos em verso e em prosa. A
maioria dos livros editados em Portugal. Mas o despertar mesmo para
a poesia e a literatura, aconteceu aos doze anos quando fui estudar
em Porto Alegre. Mais precisamente em Novo Hamburgo, interno no
colégio marista S. Jacó. Nos finais de semana vinha a Porto Alegre e
aos sábados e domingos: cinema. Numa dessa idas ao Cine Cacique,
começo de inverno, não levei agasalho porque realmente não estava
frio. Minha avô havia recomendado que eu levasse pullover, cachecol
etc. que iria esfriar e eu, menino do norte, não sabia o que era o
Minuano. Não ouvi os conselhos. Saindo do cinema, o Minuano zunia,
meus lábios e orelhas começaram a rachar. Um frio cachorro.
Caminhando pela Rua da Praia, já não aguentando, entrei na Livraria
Globo. Disfarçando, como se estivesse à procura de algum livro. Só
que um velhinho, que estava por trás do balcão percebeu, e veio em
minha direção: "O que o jovem deseja. Está procurando o quê para
leitura. “Inventei” um livro qualquer, mas não fui muito convicente
e acabei contando o porquê de ter entrado lá. Disse que era de
Manaus, que não estava acostumado e nem conhecia o frio. Contei a
história da avô. Muito simpático ele perguntou se eu gostava de
poesia. Eu disse que sim. E ele: Então vou lhe dar um presente. Foi
a estante e tirou um exemplar que me dedicou. O livro?
"Canções"finamente ilustrado com bicos de pena por Tarsila do
Amaral. O autor? Mario Quintana. O próprio. O velhinho que veio ao
meu encontro e me dedicou o livro. Desde esse episódio, voltei
outras vezes a me encontrar com ele sempre que ia ao cinema. Uma vez
o vi rodeado de normalistas, fascinadas com os seus versos, com a
sua declamação e o seu jeito terno e carinhoso e brincalhão.
Pensei comigo: eu quero é ser poeta. Ficar assim rodeado de tanta
menina...
RODRIGO - Quando, com que idade, a poesia te fisgou?
ANÍBAL BEÇA - Eu acho que ela me fisgou nesse episódio com
Mario Quintana. Depois da leitura de Canções comecei a me interessar
por outros poetas e outros livros de Mario. Se bem que teve uma
época que me distanciei um pouco. Por causa da música. Mas logo
vieram as primeiras composições, que se não são poemas, as letras
tem tudo a ver com a poesia. É uma outra gramática. Mas não se pode
negar a presença do poético tanto na música quanto na letra.
RODRIGO - Como foi publicar o primeiro livro?
ANÍBAL BEÇA - Como todo jovem, apressado em ver os poemas
impressos, tive a sorte de ser contemplado numa edição de uma
coleção de novos da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas. O
governador Arthur Reis, escritor e historiador, desenvolveu no seu
governo, uma significativa política editorial. Estreei em 1966 com o
livro "Convite Frugal". Os poemas, escritos na adolescência, a
partir dos 14 anos. O livro, numa auto-crítica, muito incipiente.
Mas não o renego. É um marco. E já tinha alguma centelha poética.
RODRIGO - Como definiria a sua poesia?
ANÍBAL BEÇA - Uma poesia feita com muito trabalho. Com
elementos da tradição e da modernidade Os meus poetas preferidos são
muitos. E do mundo, todos são. Dante Aliguieri, Shakeaspeare, Artaud
Daniel, Mallarmé, Baudelaire, Rimbaud, Walt Whitman, William Carlos
William, Wallace Stevens, T. S. Eliot, Rilke, Blake, Donne, Camões,
Fernando Pessoa, Drummond, Jorge de Lima, Cecília Meireles,
Bandeira, Quintana, Carlos Nejar, Ferreira Gullar, João Cabral de
Melo Neto, Joaquim Cardozo, Carlos Pena Filho, Francisco Carvalho,
Ariano Suassuna, Murilo Mendes e muitos mais.
RODRIGO -Você é da ala dos inspirados ou dos construtores?
ANÍBAL BEÇA - Dos construtores.
RODRIGO - Como é seu processo de elaboração do poema?
ANÍBAL BEÇA - Cada poema é um poema. Tem aqueles que nos
procuram, que chegam derramados, que não dão muito trabalho para
polir. Outros, a maioria, perseguimos no desafio da folha branca.
Com temas pré-estabelecidos. Mesmo assim sempre se muda na hora. Às
vezes me distancio do que escrevi. Quando volto a ler me sinto mais
à vontade para os cortes ou acréscimos.
RODRIGO - O que pensa sobre a eterna polêmica concretos e
não?
ANÍBAL BEÇA - Que polêmica? Se os pais do concretismo dizem
que o abandonaram desde a década de 60. Acho que o concretismo
trouxe alguma coisa para o desenho visual da poesia. Eu o pratiquei,
e não me arrependo.
RODRIGO - Letra de música é poesia?
ANÍBAL BEÇA -Depende. Se for um poema que foi musicado, sim.
Se foi colocado palavras na música, não. Porque vc. fica a mercê da
ditadura da métrica musical. Mas tem letristas que são grandes
poetas, com grandes achados. Orestes Barbosa com Chão de Estrelas,
Humberto Teixeira, Paulo Cesar Pinheiro, Chico Buarque, Paulinho da
Viola, Aldir Blanc, Cae, Gil, Fernando Lobo, Edu, e muitos outros. O
que não pode - e aí concordo com o Bruno Tolentino - é deixar de se
estudar poetas em preferência de letristas. Ora, a musica popular já
tem seu espaço: rádios, shows, cinema TV etc.
RODRIGO - Qual a importância da Teoria?
ANÍBAL BEÇA - O conhecimento da gramática poética é
importante. Conhecê-la é pré-requisito para quem quer se tornar
poeta. Por mais que vc. não vá se utilizar de métrica, rimas etc. Vc.
tem que saber. Ser senhor do seu ofício. Que aspecto teórico é mais
importante no poema? São três: melopéia, fanopéia e logopéia. Sou
muito preocupado com o ritmo do poema, a sonoridade das palavras no
contexto da idéia.
RODRIGO - O que a Internet tem de bom?
ANÍBAL BEÇA - A comunicação plural e a oportunidade de
conhecer o que outros estão fazendo. Furar o bloqueio da divulgação
jornalística, que nos expulsou, a nós poetas, como Platão da sua
República, dos suplementos literários. Com raras exceções. As que
conheço: Em Manaus: Amazonas Em Tempo, Ceará: Diário do Nordeste.
Pernambuco: Diário de Pernambuco Na Bahia: A tarde. Os grandes, do
eixo Rio-Sampa, só com jabá. Não sai uma resenha que não seja paga.
Ou pela editora ou pelo autor. A não ser, que o escritor novo
conheça alguém do suplemento. A época romântica dos rodapés acabou.
Veja que belo trabalho o do poeta Soares Feitosa, pioneiro, com seu
Jornal de Poesia. Todos os poetas brasileiros ficarão em dívida com
ele. O que ele está fazendo, revigorando, distribuindo, fortalecendo
a poesia. O Mar de Poesias, que já foi um filho dessa experiência, e
outros sites, inclusive de haicais, como o caso da Caqui.
RODRIGO - Que caminhos a internet pode seguir?
ANÍBAL BEÇA - Múltiplos caminhos. Ninguém segura mais a
internet.
RODRIGO - O livro está com os dias contados?
ANÍBAL BEÇA - Essa história já é bem antiga. No meu caso
pessoal, que tenho um caso de amor com o objeto-livro, será bastante
penoso se isso acontecer. Gosto de sentir as fibras, a textura do
papel, o cheiro. É uma coisa beirando o fetiche. E o livro vc. leva
pra onde quer, sem precisar de energia. A não ser a sua. Imagine o
José Mindlin sem os livros.
RODRIGO - O que a poesia lhe deu de mais caro?
ANÍBAL BEÇA - Bom, a vida inteira eu venho fazendo poesia.
Fiquei conhecido porque faço poesia, O mais caro mesmo foram as
musas.
RODRIGO - Falar de sua aldeia é a melhor forma de ser
universal?
ANÍBAL BEÇA - Claro. Veja o prêmio Nobel Derek Walcott, que
reeditou uma nova odisséia a partir de sua pequenina ilha, com o seu
"Omeros".
RODRIGO - O que há de amazonense na sua poesia?
ANÍBAL BEÇA - Muita coisa. Mas a presença mais evidente disso
é no meu livro "Filhos da Várzea".
RODRIGO - Como vai a poesia do Amazonas?
ANÍBAL BEÇA - Vai muito bem. O Amazonas sempre teve tradição
na poesia. E os novos vêm conseguindo manter essa hegemonia .
RODRIGO - Qual o papel do poeta na sociedade?
ANÍBAL BEÇA - Ajudar na sua humanização.
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