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Rachel Dias de Moraes
Um pequeno bloco de poemas |
Redemoinho
flamejante
Vinde a mim, oh
amado do deserto!
Todos te esperam para imortalizá-lo,
Depois que ressuscitastes do silêncio do
Egito.
Tuas canções foram escritas em hieróglifos
Para serem cantadas nas oferendas a Osíris.
Teus olhos de ônix
foram banhados em sândalo,
E descansam na constelação de escorpião.
Teu palácio foi preparado com puro linho,
E os tapetes bordados com mil fios de lã.
Terrinas de
manjares te esperam, servidas
Por virgens renascidas das águas do Nilo.
Em teu lugar de repouso, ao meu lado,
Florescem lírios do Vale,
E malvas foram regadas com o orvalho
Dos meus olhos.
Acerca-te de mim,
oh rei dos Faraós!
Meus joelhos se dobram a tua passagem,
E minhas minúsculas sandálias tangem o teu
chão.
É na esperança de
tua origem que me valo.
Voltaremos ao tempo dos meus sonhos,
Onde tu eras o meu provedor
E eu te abria as minhas pétalas perfumadas.
Vem para estarmos
num redemoinho flamejante,
Que desdobrará nossas almas num esplendor,
Que tombará aos nossos pés, assim que formos
um.
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Força cósmica
Nossa iniciação começou
Na clausura dos alvéolos,
E por qualquer força cósmica
De dança das constelações,
Estrelas não nos reconheceram,
E fomos remetidos a um ritmo
Frenético à solidão da noite.
Éramos estrangeiros,
Dávamos passos em volta
Sem nos reconhecermos.
Foi o vento gelado de ar
arredondado
Que fechou a caixa de carinhos.
Deixou-nos como duas crianças
A se debater numa infância mágica,
Ainda no encontro de nós mesmos.
Da noite ao dia, do nascimento à
morte,
Estávamos olhando-nos de longe.
Apesar do nosso eterno retorno,
O futuro prometido
Estava sempre no passado.
Nossas mãos agora se acendem
Chamando-nos desde a distância de tudo,
Iluminando o permanente movimento
Das nossas estações.
Aguardamos a melhor conjunção
planetária
Para entrarmos nas esferas celestiais do encontro.
Uma rede espessa de cristais nos prenderá
No princípio de suas contas brilhantes,
E será a ressurreição de todos
Os nossos instantes vividos
Antes de nossa morte.
Uma energia de radiações
nos envolverá,
Crivando-nos de sol, e sairemos
Da sombra dos poemas
Para bebermos da seiva do alvorecer.
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Caverna do Homem
Oh homem das cavernas,
Desbravador de sonhos
Paleontológicos irracionais, ilógicos.
Coração de pedra, esculpido
Na ponta de sua lança
Que avança, cega,
Tenebrosamente dentro da noite
Entre minhas coxas,
Que tremem em delírios.
Minha carne primitiva se ativa,
Nesta Era sem eira, ressuscitada,
Sagrada e idolatrada.
Entre as profundezas
Do meu elo perdido.
Homem primitivo,
Afoito na moita dos pêlos pubianos.
Enrolado em sua vara escaldante, pulsante.
Gritos corridos dos meus ossos sagrados,
Espasmos da garganta seca.
Ruge um mamífero
Ao sinal visceral
Do esperma jorrando
Na caverna abissal
Do homem neanderthal.
Cromossomos como somos
Carregados de fúria
E desejos inumanos
Arrastados do começo de tudo
Até o fim do que somos,
Eterno homem das cavernas,
Senhor arquétipo dos meus sonhos.
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Tecendo calafrios
Tudo se desfez no poente.
O que havia ali era ilusão.
Folhas soltas, boca seca, e ausência.
Meu rosto, emaranhado de doçura,
Foi rasgado na intempérie do desprezo.
Águas glaciais me conheceram
Pelas lágrimas que derramo
Em tuas mãos.
Tenho a terra fria me esperando,
Um sulfúrico aroma sem desejo.
Lágrimas que tecem calafrios,
No vazio interstício dos teus beijos.
Meu olhar de luz virou treva,
Apunhalado por sangue e aço.
Minha voz é um grito peregrino,
Buscando-te rouca pelo espaço.
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Cantarei em sua boca
Manso e invisível, dorme
O meu corpo, lembrando a morte.
Estou dentro das lágrimas,
E as trevas me acariciam,
Adensam-se me afogando,
Destruindo todas as cores.
Imperfeita, percebo a noite
Brotar em corredeiras de vigília.
Reencontro de imagens que se formam,
Por eu ter bebido sua boca.
A terra exulta meu corpo.
Canta através de substâncias
De meu sangue.
O silêncio transporta a morte
Que navega embriagada
Sob meu espírito.
Agora estou entre os seus dedos
E sinto seu instinto despudorado
Invadir-me com melodias
E uma alegria faminta.
Depois que eu renascer,
Encantarei a noite.
Trarei uma harpa e tangerei
Cordas em ondas.
A imagem de um dorso
Florindo lírios,
Impregnado e tenso,
Tocando a loucura do tempo
Nas cordas dessa pele alba,
Será eterna.
Incendiarei todos no caminho,
Para não me fazerem sombra.
As mãos estarão luminosas,
Inteiras para a beleza
Que descerá e principiará
No centro de meu corpo.
Um vinho colhido nas colinas
Será bebido na entrega dos sonhos.
Todas as coisas esperadas
Surgirão de minha fecundidade,
Mostrando o espanto da oferenda.
Os instantes de brandura e
inocência
Acolherão a intimidade
Que estará pedindo arrebatamento.
Toda minha carne tremerá
De violento desejo.
O ritual confundirá o vento
Que fará transporte de meu perfume,
Juntando o seu tremor ao meu.
Minha voz cantará em sua boca,
E sua intimidade será minha.
Seremos consagrados pela
Escuridão da noite
Resvalando até a insuportável loucura.
Nenhuma gota será perdida.
Rasgarei meu vestido,
E meus seios estarão nus,
Como montes de nuvens.
O verão entrará em nossos corpos,
Aspirando o consolo do sono
Depois do amor murmurado
Em êxtase.
E quando eu colar minha face a
sua,
Teremos o mesmo ar
Dentro da mesma ternura.
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Fiz-te invisível
Neste dia eu destino a mim o
repouso.
Vou deixar o teu olhar longe e sair.
Colunas serão erguidas,
Pois eu escolhi voltar à calma
De minha alameda antiga.
Tua árvore secou e os frutos
caíram.
Vi teus braços submersos no vazio
E tua energia, outrora esfuziante,
Resvalar no nada.
Estou regressando ao meu lugar de
paz.
Aquele mel que fazia a doçura
Dos meus dias se tornou amargo,
Por isso estou trocando as abelhas.
Deixo-te na curva do silêncio.
Parto para navegar em outro rio,
De águas mais consoladoras.
Fujo da maldição que há em ti,
Da agonia que levas contigo,
Das suas origens banhadas no medo.
Voltarei a ser pétala de luz
Estendida num campo de latitude certa.
Meu sangue estava negro,
Pois me igualara aos lobos de tua estepe.
Saio desses recifes de contornos
duplos,
Fugindo de tua voz cheia de versos.
Fui hipnotizada e submersa
Numa água de sonho,
Mas voltei à tona e respiro novamente.
Algumas pedras ainda suspiram,
E reclamam os dias de loucura,
Mas perdoa-me, fiz-te invisível!
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Fortaleza
O lugar que ele me deixou
Era feito de granizo petrificado.
Fortaleza que me escondia das feras.
Cauteloso, ele foi todos os dias
Que me guardou.
O bosque em volta era apressado
E adensava toda à volta dos muros.
Como um mercador de pedras preciosas,
Tinha em mim sua pérola rara.
Todas as noites, pendurava a lua
No firmamento e eu a sonhava.
Os muros eram manchados de sangue,
Para enganar salteadores,
Que imaginavam ser ali
O templo da sorte.
Fora das paredes ouvia-se sempre
Uma arenga guerreira,
Que desfolhavam árvores de cristais.
Dentro, uma lunação poética,
Que se espalhava pelos ladrilhos,
Enquanto eu andava
Tamborilando meus pés
Nas lajotas desenhadas
Pelos sacerdotes.
Ele recebia de meus lábios,
Em rituais de pompa,
Promessas seladas com
A água maleável de minha boca.
Um brilho refulgente
Nascia de seus olhos,
Quando era envolvido
Por meus braços de cristal de rocha.
Era a eleita de seus sonhos
E me coroava todas às noites
Com seu canto acasalador.
Fazia em mim furacões e recebia
Um retumbar ondulante de gemidos.
Eram noites adamantinas, atormentadas,
Como num chamado de guerra.
Estar ali era como viver num
Planeta jovem.
Sentia esse flecheiro de dardos fulminantes
Perfurar-me constantemente,
Até deixar o Monte de Vênus
Em tremor galáctico.
A colina de frutos sagrados,
De polpa adocicada,
Era açoitada pela língua sanguínea
De escorpião rei, dia e noite.
Noites divinas, onde a chuva se
empoçava
Naquele lago profundo.
Dali nasciam os nomes sagrados,
Recitados pelos deuses enlouquecidos.
Fazia brotar de mim o fogo
consumidor
De madeira nobre.
Enquanto dele saia o canto de guerra,
Que interpretava a dança das chamas,
Apagando-a com sua resina branca.
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Flecha da Noite
Fui retirada de meus
aposentos
Quando a lua estava em esplendor de fogo.
Lua imensa, pronta para os rituais sagrados.
Banharam-me com leite
E escreveram rezas sobre minha pele.
Solenes poemas de signos encantados
Para transformar as marés.
Queimaram minerais e
incensos
Para os deuses adormecidos,
E eles acordaram.
Vestiram-me de folhas
E amordaçaram minha boca.
Vi olhos de tenazes, fosforescentes,
Envoltos em trovões.
Uma visão atormentada de
braços abertos,
Para receber um corpo incandescente.
Fechei os olhos para ouvir
O canto ondulante e embriagador da cerimônia.
Cada nota saltava contagiosa
Sob o pentagrama dos meus dedos.
Todas as coisas
foram se distanciando,
Os clamores, o medo,
Até que me aquietei para receber
A flecha da noite.
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