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Ruy Espinheira Filho




Densa e alta poesia


11.1.2003
 


Todos os ventos
Antonio Carlos Secchin.
Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 156 p.
 

Livro de poemas é coisa comum. Comum de doer. São publicados milhares de livros de poemas todo ano no Brasil. Na imensa maioria, volumes de um versolibrismo tartamudo, chocho, paupérrimo. Agora, livro de poesia — livro de poeta — é acontecimento raro, raríssimo. E uma dessas raridades acaba de ser publicada pela Nova Fronteira, do Rio: Todos os ventos, de Antonio Carlos Secchin.

O autor é desses poucos que conhecem a arte poética a fundo. Não só é rico de sopro lírico como domina a técnica de maneira exemplar. É, assim, um poeta não só amado pelas musas quanto culto. Por isso, com soberba desenvoltura, vai do soneto ao verso livre, da cantiga romântica à sátira, da emoção confortadora ao sarcasmo — em tudo se revelando senhor de expressão tão vigorosa quanto elegante, pois sabe, como diz Alfredo Bosi nas orelhas, “alcançar o nível raro da expressão singular, forte e desempenada”.

Todos os ventos se apresenta de forma inversa, isto é: principia pelos poemas mais recentes e se fecha com os mais antigos. A diferença de datas, porém, não significa muita coisa, ou nada, pois a obra inteira é de um poeta que já apareceu maduro, com pleno domínio de seu ofício. Inclusive no caso dos sonetos, que se afirmam mais na última fase, pois que antes já encontramos composições do mais alto nível, como “Soneto das luzes”, “Linguagens” e “Sete anos de pastor”. Há também uma parte, intitulada “Aforismos”, com trechos percucientes retirados dos livros Poesia e desordem e Escritos sobre poesia & alguma ficção. Num deles, lemos: “A antiordem foi moderna no modernismo; repeti-la ainda hoje, sob a capa da vanguarda, é iludir o leitor, ao dar-lhe o passado de presente.” E noutro: “Cabral desbasta a superfície textual, por natureza impura, não para restituir-lhe a superfície sem mácula, mas, ao contrário, para limpá-la da limpeza excessiva com que muitos cultores da ‘poesia pura’ tentaram esterilizá-la.” E mais adiante: “Se eu já soubesse o que o poema diria, não precisaria escrevê-lo. Escrevo para desaprender o que eu achava que sabia sobre aquilo que me vai sendo ensinado enquanto escrevo.”

Antonio Carlos Secchin, que conhece toda a poesia, que lê todos os poetas, é poeta singularíssimo — mesmo quando está relendo, em seu texto, algum outro texto poético. Como em “É ele!”, que faz uma revisita original a Álvares de Azevedo, sobretudo aos poemas bem-humorados “É ela! É ela!” e “Namoro a cavalo”. Mas, voltando aos sonetos, creio que eles merecem um comentário à parte. Se o livro todo é de densa poesia, os sonetos se destacam por uma forte pessoalidade, inclusive quando também fazem releituras ou alusões à tradição. É especialmente gratificante ver os tradicionais catorze versos executados com arte tão característica. Não tenho dúvidas ao afirmar que os sonetos de Antonio Carlos Secchin são dos melhores publicados no Brasil nas últimas décadas. Sonetos que nos emocionam (como “De chumbo eram somente dez soldados”), que nos divertem docemente (“Com todo o amor...”), que nos recordam um triste equívoco (“Trio”), ou que nos assombram pela dureza — como “Cisne”, dedicado à memória de Cruz e Sousa e que se encerra (como não poderia deixar de ser, devido à história do poeta) com estes versos de implacabilidade de tragédia grega: Negro cisne sangrando em frente a um poço./ Do alto, um Deus cruel cospe em seu rosto.

Professor titular da UFRJ, crítico, ensaísta (autor de indispensável livro sobre João Cabral de Melo Neto — João Cabral: a poesia do menos, publicado pela Topbooks, já em segunda edição), Antonio Carlos Secchin se firma, com o lançamento de Todos os ventos, como um dos mais importantes poetas contemporâneos do Brasil.

 



Antônio Carlos Secchin
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