Regine Limaverde
Mutações
Mudar sempre,
sempre.
Tentar ser maior e melhor.
É destino em nossas vidas
Viver, desfazendo nós.
Era uma vez uma borboleta que morava
num vale e usava todo seu dia voando, voando , beijando as flores
coloridas. Às vezes, tocava uma rosa vermelha, doutras um crisântemo
amarelo. E voava e voava, mas não se sentia feliz. Queria mais.
Queria voar nas alturas. Buscar horizontes desconhecidos. Tocar
flores nunca tocadas, sentir emoções nunca sentidas. Um dia,
queixou-se a Deus. ELE, ouvindo-a, enterneceu-se e transformou-a num
pássaro.
Agora, borboleta-pássaro, podia voar
mais alto. Buscar alimentos em locais mais distantes, e a vida do
vale lhe pareceu mais feliz. E voava e voava pelo vale num passeio
sem fim. Um dia, a borboleta-pássaro se cansou da vida. Queria mais.
Queria ver o mundo, queria olhar a terra de mais longe, ainda. Não
lhe bastavam o aumento de seu campo de vôo nem a visão de flores do
alto. Não lhe bastavam a visão da água na correnteza do rio, nem a
amplitude azul do céu que ela contemplava. Queixou-se então a Deus
de sua infelicidade e ELE, ouvindo-a, enterneceu-se e transformou-a
numa águia.
O porte gigante e a agilidade no vôo
fizeram-na mais segura de si. E os limites do vale foram
extrapolados, e ela não via mais só o vale, nem só os campos, nem só
o rio. Conseguia ver muito mais. E voava e voava e estava feliz. Da
altura em que podia voar, ela avistava o mar. Cedo, o verde das
águas com seus movimentos ritmados passou a ser um mistério na vida
da borboleta-águia. Surgiram dúvidas, paixões, questionamentos para
os quais ela não obtinha respostas. Ela desejou mais. Queria luz,
domínio do mundo e novamente implorou a Deus. ESTE atendendo-a mais
uma vez transformou-a numa estrela: a estrela-sol.
E a estrela-sol dourava com seus raios
os campos de trigo maduro, as rosas entreabertas e despudoradas e
brilhava refletindo vida. Os vales foram vencidos, os campos
beijados, os mares dominados, os planetas banhados por sua luz, mas
resposta alguma ao vazio de sua mente, ela encontrava. Cedo se
levantava e, orgulhosa de seu poder via o mundo de cima. Com o
tempo, tudo perdeu o encanto. Sabia que teria fim e isso tornou-a
infeliz. E suplicou a Deus a eternidade. Queria viver para sempre.
Não suportava um dia desaparecer. Queria ser lembrança na vida ,
queria ser olhada, apreciada, querida. Sua fragilidade a incomodava.
E chorou e chorou.
Deus finalmente, comovendo-se
transformou-a em algo eterno, algo que permanecesse por todos os
tempos e lhe desse força para vencer obstáculos, e lhe desse
paciência para suportar injustiças, e lhe desse inteligência para
discernir o bem do mal ,e lhe desse compreensão para escolher o
certo - a alma humana.
* Um dia um amigo me contou uma estória de
transformações sucessivas até que surgiu a alma humana. Mudei o
corpo da narrativa, mas tomei emprestada a idéia dele para o final,
com sua devida aquiescência.
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