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Rodrigo Petronio




Jardins Simétricos



 

Antes que o leitor pergunte, ou caso já esteja se perguntando, corola é o anel que envolve o miolo das flores, sem necessariamente ser parte dele. com base nessa imagem delicada e circular que Claudia Roquette-Pinto forjou o conjunto de poemas que compõem esse livro, Prêmio Jabuti de 2001, que goza de uma grande unidade temática e de composição e onde cada peça funciona como quadro, como cena de uma ação imaginária.
Assim as flores e objetos desses pequenos jardins suspensos vão se desdobrando, em associações de imagens de grande beleza que captam o leitor muitas vezes pelo inusitado de sua natureza: chuva sobre um jardim, árvores de fogo, um pequeno louva-a-deus, o céu forrado de estrelas, a serra elétrica das cigarras, a garganta como um poço vazio, pássaros tecem nuvens, aranhas enredam sua teia e grandes tubérculos repousam sobre joelhos. Todos os elementos que compõem esse microcosmo encontram sua síntese na escrita e giram ao redor da grande metáfora mãe que é a Flor, matizada aqui sob a aparência de diversas flores. Ora ela é vista sob conotações sexuais, ora como presságio de tempos que virão; ora assume a tópica da efemeridade das coisas, ora encarna em si todos os atributos femininos e logo em seguida se eriça e se ergue sob formas fálicas e rebeldes.

A partir desse locus amoenus é que Claudia revê o lugar-comum Flor sob um prisma totalmente diferente, e esses jardins espelham e refratam o mundo circundante: moedas que são estrelas, a cerejeira incorpora características de acidentes geográficos, os espinhos do cardo brotam dentro da boca, as nuvens lembram o papel em que o poema corre impresso e a tarde se estica amarela como um grito sob a borboleta de Wordsworth, que paira incólume sobre essa torrente de seres. Permeando todos eles, o silêncio, essa sarça ardente que prescinde das palavras e tenta à mudez e à contemplação todos aqueles que percorrem esses terraços. No fundo, o pessimismo, a consciência de que tudo não passa de representação, e que a verdadeira beleza é intangível. Como se diz em um dos poemas finais: o resto são nuvens, e todo poema – um engano.

A grande virtude da poesia de Claudia é sua habilidade em lidar com as imagens, e pode-se dizer até que sua poesia segue a tradição do melhor Imagismo, que vem da poesia moderna de língua inglesa, passa por Mariane Moore, um de seus vértices, e deságua em outros poetas da mesma família. Nesse domínio, suas comparações são agudas, aproximam elementos distantes, enredando-os à trama delicada de sons e sentidos desse grande tapete repleto de arabescos e pulsações telúricas, cujo conjunto de fios perfaz um único nome: Corola. Com ele Claudia se firma como uma das vozes líricas mais singulares e fortes da poesia brasileira atual.
 



Leia a obra de Cláudia Roquette Pinto