Sânzio de Azevedo
Olavo Bilac reeditado
Ao estrear em livro
com as Poesias (1888), quando o Parnasianismo estava
completamente definido no Brasil, Olavo Bilac (l865-1918) logo
conheceu a glória literária. Com pouco tempo, não havia quem não
soubesse de cor os versos de "Ouvir Estrelas... título
primitivo do soneto que, no livro, é o nº XIII da "Via-Láctea":
"Ora
(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...
Interessante é que
ele seria paradoxalmente, em seu grupo, o que mais próximo chegou do
rigor da corrente, com sua forma impecável, sem as aféreses e
síncopes herdadas ao versejar romântico, e um dos que dela mais se
afastaram, pelo sensualismo escaldante e pelo tom crepuscular de
seus últimos versos.
Das Poesias,
que tiveram uma edição aumentada em 1902, e às quais seria
posteriormente incorporado o livro póstumo Tarde (19l9), já
houve inúmeras edições até hoje, o que atesta a perenidade do
prestígio do poeta junto ao público.
Sua bibliografia
conta ainda livros de crônicas, páginas de crítica, discursos e
conferências, sem se falar nas várias obras feitas em colaboração
com outros escritores.
Há muito se editam
volumes com a obra completa ou selecionada de poetas brasileiros,
mas somente neste ano de 1996 é que veio a lume, pela Editora Nova
Aguilar, do Rio de Janeiro, a Obra Reunida de Olavo Bilac,
com organização e introdução de Alexei Bueno. Compreende o volume,
além das Poesias (naturalmente incluindo Tarde), as
Poesias Infantis (1904) e os livros de prosa Crítica e
Fantasia (1904), Conferências Literárias (1906, com
edição aumentada em 1912), Ironia e Piedade (1916), de
crônicas, e Últimas Conferências e Discursos (1924), de
publicação póstuma.
Justificando a
seleção, explica o organizador que eliminou as obras escritas em
parceria, bem como as firmadas com pseudônimo. Mas, embora
desprezando as obras "de caráter menos literário, geralmente
comandadas por necessidades materiais", incluiu, como vimos, as
Poesias Infantis, que sabemos feitas por encomenda do editor
Francisco Alves, e livro que o poeta não incorporou às Poesias.
Quanto aos textos
refundidos pelo autor, pareceu-nos justo o procedimento do
organizador, no que toca ao livro Crônicas e Novelas (1894):
"o reaproveitamento de toda a primeira metade desse livro em
Crítica e Fantasia, de 1904, sob o título "Em Minas", bem
como a não reedição das novelas que formavam a sua segunda metade,
parece claramente indicar que só os textos republicados,
exclusivamente, teriam mantido o interesse para o seu autor, motivo
pelo qual nos sentimos desobrigados de reproduzir a totalidade da
obra, uma vez expurgada e condensada em livro posterior pelo próprio
poeta."
Para darmos uma
idéia do Bilac prosador, tomemos Ironia e Piedade e leiamos,
na crônica "Os Boers", de 1900, este trecho:
"Agredir um homem para lhe tomar o fruto
das suas economias é uma ação negra que leva ao calabouço e ao
patíbulo, mas agredir um povo para lhe arrebatar a fortuna, a
liberdade e a honra, é uma ação gloriosa e bela, que se pratica com
uma desfaçatez sem par."
Isto é de uma
contundente atualidade. O que não é para admirar, pois Bilac tinha
momentos até de antecipações, como uma página de 1904, não recolhida
em livro (mas citada por Brito Broca), em que dizia: "Talvez o
jornal futuro (...) seja um jornal falado e ilustrado com projeções
animatográficas", o que era prever o advento da televisão.
Por sinal, o poeta,
que foi talvez o único no Brasil a se solidarizar com o povo russo
na tentativa de revolução de 1905 (fato ressaltado por Mário da
Silva Brito), tinha, em 1904, uma idéia bem atual do que seja o
mito. Na crônica "Guilherme Tell", ainda de Ironia e
Piedade, após comentar a descoberta, por historiadores, de que o
herói da Suíça jamais existiu, passa a dizer, com base na viagem que
fizera àquele país, que tudo ali evoca a saga do afrontador de
Gessier. E conclui: "O fato é que, quando, na paisagem de uma
região e no coração de um povo, se aprofunda, enraíza, aferra e vive
uma lenda, transformada em religião, — essa lenda fica sendo uma
luminosa, uma radiante, uma inapagável verdade. Que dizem os
historiadores? — Que Guilherme Tell nunca existiu? Pois a Suíça e a
Terra inteira afirmam que Guilherme Tell existiu — e existe."
Dando-se ao vocábulo empregado pelo poeta, lenda, o sentido de mito,
e pondo de lado a complexidade que este último sugere, podemos
aproximar esta afirmação de Bilac desta outra, de Fernando Pessoa,
ao dizer, no poema "Ulisses":
"O mito é o nada que é tudo".
Assim na visão
(quase dizíamos antevisão) do poeta brasileiro, os suíços poderiam
dizer, falando de Guilherme Tell, o que, ao aludir ao mitológico
fundador de Lisboa (ou Ulissipona), disse Pessoa, no mesmo poema:
"Sem existir nos bastou."
Mas Bilac foi acima
de tudo poeta, e embora alguns livros didáticos insistam em
apresentá-lo apenas como autor da Profissão de Fé ("Não
quero o Zeus Capitolino, / Hercúleo e belo, / Talhar no mármore
divino / Com o camartelo"), talvez um de seus menos felizes
poemas, pela intenção e pela realização, os que convivem com sua
obra hão de sempre associar seu nome a alguns dos sonetos da "Via-Láctea",
onde se combinam o rigor clássico e a emoção romântica; ou "Inania
Verba" (Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava. /
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?"): ou ainda "In
Extremis", "A Alvorada do Amor", "Campo Santo", "Tédio",
"Maldição", "O Crepúsculo da Beleza" e tantos outros,
que desmentem a fama de impassíveis dos parnasianos, isto, sem
esquecer nem mesmo poemas de caráter descritivo, como "O Caçador
de Esmeraldas", que tem como seu ponto mais alto o delírio do
bandeirante, com tanta justiça encarecido por Ivan Junqueira. Em
Tarde., como já vários críticos apontaram, Bilac, no domínio pleno
da arte do verso, tinge alguns poemas de notas simbolistas, mas com
aliterações discretas; no soneto "As Estrelas", além das
repetições expressivas de fonemas, temos sinestesia:
E,
enquanto, lentas, sobre a paz terrena,
Vos tresmalhais tremulamente a flux,
— Uma divina música serena
Desce rolando pela vossa luz:
Cuida-se ouvir, ovelhas de ouro! a avena
Do invisível pastor que vos conduz ...
É curioso o modo
como o organizador da Obra Reunida timbra em considerar
poetas como Castro Alves e Cruz e Sousa superiores a Bilac, o que,
independente de concordarmos ou discordarmos, não está absolutamente
em causa. Aliás, para mostrar. o que chama de "ufanismo quase
delirantemente ingênuo" do poeta, em contraste com os "retratos
terríveis ou mesmo pré-expressionistas da mendicância, da miséria",
etc., presentes em poemas simbolistas, Bueno se serve de um dos
textos das Poesias Infantis, livro que — repetimos — não
figura nas Poesias, procedimento no mínimo estranho. Também
estranho é o fato de ele falar, a certa altura, "no intercalamento
de versos masculinos e femininos", quando os poucos tratadistas que
ainda usam essa terminologia falam de rimas masculinas (oxítonas) e
femininas (paroxítonas), e não de versos. Não entendemos tampouco em
que a metrificação de Bilac é "monótona" e a de Bocage, "monocórdia"
Louve-se, porém, a
idéia do organizador de pôr, antes dos textos de Bilac, o que chamou
de "Críticas e Depoimentos", com páginas de João do Rio, Nestor
Vítor, Mário de Andrade, Humberto de Campos, Agripino Grieco, Manuel
Bandeira e Ivan Junqueira.
Pena é que na
bibliografia selecionada figurem vários livros de cunho
exclusivamente biográfico, e não sejam citados os Estudos de
Literatura Brasileira, de José Veríssimo, a Pequena História
da Literatura Brasileira, de Ronald de Carvalho, e os mais
recentes De Anchieta a Euclides, de José Guilherme Merquior,
a História da Inteligência Brasileira, de Wilson Martins e a
História da Literatura Brasileira, de Massaud Moisés, livros
onde há apreciações críticas dignas de nota, por mais que delas
possamos discordar.
Ao longo dos tempos,
tem sido o poeta louvado e atacado, mas Otto Maria Carpeaux observou
que "são raras as críticas desfaroráveis nas quais não se
assinalassem qualidades ao lado dos defeitos". Assim, em nossos
dias, se Wilson Martins vê em Bilac "a espontaneidade da inspiração
e o extraordinário rigor técnico" para Massaud Moisés ele "gerou
poemas estruturalmente corretos, mas frios". Entretanto, ao falar
dos aplausos que o poeta recebeu em vida e dos ataques que seriam
desfechados pelos modernistas, o mesmo Massaud Moisés conclui: "um
poeta menos denso ou brilhante não suscitaria tais aplausos ou iras
apaixonadas".
Leia obra poética de Olavo Bilac
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