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Silas Corrêa Leite




Se Um Viajante Numa Espanha de Lorca


 



De certa forma fugidio de si mesmo, Antonio Naud Junior, no seu último livro “Se um Viajante Numa Espanha de Lorca”, feito um intrépido cigano viajoso – também nos relatos de inúmeras pensagens – compilou crônicas, fábulas, relatos, narrativas, delírios, costumes e inquietudes, tudo acontecências dessa bela espécie de gracioso e oportuno “caderno de viagens” .

 

Escrevendo muito bem, o autor nômade traça paralelos de contemplações, procurando em tantos lugares, até mesmo exóticos e históricos que sejam, o seu próprio lugar de se Ser; alma nau registrando itinerários, descaminhos, vigílias, buscas e labirintos (íntimos), ainda assim revelando territórios e o demarcando de algum forma, ensejando o mapa de sua existência frutífera no mundo errante, com seus recolhes de imagens, ponderações e palavras caprichadas.

O livro todo é nesse contextual. Já autor de tantas outras obras – (Livro de Imagens, Um Sentido Para a Vida, Arte-Palavra, Caprichos, Ficar Por Aqui Sem Ser Ouvido Por Ninguém, Retratos em Preto e Branco e o Aprendiz do Amor) – Antonio Naud Júnior mostra seu diletantismo de viver intensamente doa a quem doer (e se movendo com certa ressaca de uma paixão que deixou marcas ainda vivíveis), sempre projetando arredondar estigmas e acertar parafusos soltos muito além do reino do sonho, e, para sorte de seu leitor, registra tudo sem se esconder, vai fundo sem sextante de si mesmo, expondo lamentos e algumas vezes os estados numinosos de múltiplas contemplações.

Anseios, perdas, amores que podem dizer o nome, expectativas, fronteiras, frustrações, dezelos íntimos, e, claro, a arquitetura de paisagens nas suas contações em gracezas de detalhes e óticas puristas que fisgam o leitor pelo enfoque de peregrino em caminho de si mesmo, pergaminho e cinzel, busca e buscador, estrada e caminhação.

Amante de Frederico Garcia Lorca – ele mesmo certamente um pouco Lorca também – e fã de Jean Genet, Henry Miller Virginia Woolf, Lucio Cardoso e tantos outros, Antonio Arnaud Junior vai descrevendo – revelações em sépia como um excelente fotógrafo que o é – o que o seu mavioso latino olhar nostálgico capta no estreito de Gilbratar e seu entorno, desnudando-se também ao invadir espaços e paredes, memórias e registros delas, momentos e contemplações, sob a ótica de seu filtro espiritualizador, pondo a alma para respirar nessas caminhações mundo a fora, Ser a dentro, entradas e bandeiras.

Às vezes domina tão bem o seu transbordante cálice de vinho-verbo (denota isso de maneira tácita), que você caminha lado a lado com ele pelas paisagens invocadas, e capta as refrexões-vazantes de suas ponderações contra moinhos e ventos de erranças e iluminuras. A mão do parágrafo, a página de rosto, a edição-Ser contando prumos e fungos. Bonitezas.

Ele filosofa com sentido energético, opina com acidez, vergando a alma, lavra-se (lava-se assim?) pensando estágios do devir e assim vai se dando, livro aberto ao leitor que cativa pelas narrações bem costuradas, pondo mesmo imagens na cabeça da gente a viajar com ele, fixando sua vivência andarilha assim no seio de nosotros.

Incorrigível? Sedentário também. Em cada porto uma saudade, resgata um oxinegação de seixos íntimos, perde lastros, na insustentável leveza de se ser. Registros. Querelas interiores. É quase uma viagem em torno de si mesmo, pois, pra onde fugir(...) sempre estará ali, seu lugar de si, self: se levará consigo. O amor tem loucuras que a própria lucidez desconhece? É por aí esse mergulho mochileiro numa estrada que vai dar no Ser. Quase um resgate.

Fala de Kant, de Marrocos, da Espanha que adora. Diz de pecados, desmistifica rumos, aponta paraísos e paradoxos, sagracial e interrogativo leva uma cisma ainda não identificada, aqui e ali diz de músicas, sombras, barbáries, abismos, e, claro, prova que realmente a grande aventura (cósmica, inclusive) começa dentro de nós mesmos.

Busca um porto seguro ultramarino, depois de deixar sua Bahia de Todos os Santos. Ou prefere o atol das doces memórias como cantou Ray Charles? Interrogações. Ilumina o diafragma do olhar, dá um clic na alma, feito um noiteadeiro em terra estranha, procurando seu lagar de afetos escondidos, ou, talvez, o medo de amar número dois. Nesse bolero-blues salpica de estrelas o chão-lugar de seu estar. Um Lorca pós-moderno esse Antonio Naud Júnior?.

Delicioso o livro. Vale a pena ler. Há um estado onírico (realidade substituta?) inventariando a vida, certamente o inverso do caminho de Santiago nele. Honra e fé revisitadas. Autenticidade visceral, Carpiem diem. É isso. Todos nós temos nossos outonos entrevados. Anjos presos em fio de alta tensão. Cárceres de tentativas?. Escrevendo, aliviando-se, o autor dá nos seu testemunho de resistência de alguma maneira, por alguma loucura-razão. Arte e libertação no enfavamento tresloucadas de idéias mirabolantes?.

Leia o livro. Leia essa alma narrando as lágrimas de San Lorenzo, os seus parágrafos sendo as suas lágrimas também, respirando choro. Longe de casa, toureiro de situações, dá-nos suas livrações enlivradas assim. Puro deleite. Seja você também esse viajante com ele, na Espanha de Lorca e Naud.

Você lê música e fotos nas palavras dele. Filmes com narcisos, mais a policromia imagética de jacintos azuis.

Não é qualquer um que escreve gardênias quando chora.


Livro em prosa poético: “Se Um Viajante Numa Espanha de Lorca
Pé de Página Editores, Maio 2005, Coimbra, Portugal
E-mail: rgracio@pedepagina.pt
Autor: Antonio Naud Júnior
E-mail: antonio_junior@yahoo.com.br

 



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12/07/2005