Sebastião Uchoa Leite
A poesia de Soares Feitosa
A sua poesia, poeticamente falando, pareceu-me, de imediato
(disse-lhe ao telefone) o oposto da minha. Há certa ênfase geral
nordestina. Mesmo João Cabral - ele é tudo, menos reticente. Diz
tudo com clareza, ainda que de modo não simples.
Sua dicção é programaticamente enfática, como por exemplo em PSI, a
Penúltima. Parece uma espécie de Pound bárbaro misturado com a
antropofagia cultural, não a de Osvald, corrosiva, e sim a de Raul
Bopp, mais humorística. Um curioso humor “bárbaro” (no sentido da
busca das raízes da fala nordestina, exibindo-se enfaticamente -
“mostro o pau e mostro a cobra” - e criando um back-ground
lingüístico) misturado a referências cultas. E as notas ?
Literariamente, inserem-se numa tradição, a de Eliot, do The Waste
Land, mas sem as pretensões “filosóficas” dele.
Sua poesia, uma coisa não é: nem é acadêmica - com o preciosismo que
ainda hoje subsiste em alguns tolos que se julgam “neo-clássicos” -
nem anêmica, nem conformista. Apesar de você ter-me dito (ao
telefone) que não gosta de Cabral, algo em comum tem com ele: gosta
de “falar de coisas”, e isso é mais do que interessante.
Como não posso falar de tudo, mais de 600 páginas de sua obra,
saltei para a “Ultima Margem”. Achei notável você escrever sobre
esse estranho acontecimento de São Paulo. Jurandyr Freire Costa que
o teria inspirado, escreveu no “Mais !”, caderno cultural do jornal
Folha de São Paulo, sob a mesma perspectiva sua, a tentar
compreender não o ato, mas o actante.
Gosto desse Canto XI, de Siarah, Tempo Perdido:
"Revolta.
"Não estava lá o rio !?
"Por que não fizeram antes ?
"Não se volta duas vezes ao mesmo rio.
"Cobardes !" |
Sei que é Heráclito, mas é você, também (como Pound, Eliot, etc.,
que roubavam sem dó, como Händel que dizia que a música está no ar e
é de todo mundo - foi acusado de plágio).
Acho um poema a parte o final esplendidamente gostoso do “Ajunt
Hotel” (você é assim, o que eu gosto, pois evita a falsa “seriedade
acadêmica), final que poderia ser publicado isolado e faria sentido.
Gosto muito do Penúltimo Canto e do Passagem Escondida. O primeiro é
perfeito na sua concisão. O segundo é pela estranheza.
No meio do livro, FORMAT CÊ DOIS PONTOS, uma espécie de divisor de
águas que vai num suspense em crescendo até os bad, bad, bad. Aí
você preferiu entrar num anticlímax, em Undelet C, Unformat C. O
poema se reergue no final: é um texto que tem um singular impacto,
uma surpresa no meio do livro.
No Céu Tem Prozac tem uma violência agressiva nas duas primeiras
estrofes, que ma parece positiva em vários momentos seus (outros
poemas). Na mesma linha, o ótimo final a partir da página 453.
O Domador é outro momento de pique do livro. Aqui você prefere um
desenvolvimento mais concentrado do que o expandido em Format Cê
Dois Pontos, pois, apesar das interpolações, o poema tem um clima
mais indagativo do que afirmativo (enfático). Senti que as notas
parecem integradas ao clima do poema. Li tudo com muito interesse,
pois poema & notas fazem parte de um universo crítico ficcional que
muito interessa (independentemente de ser, ou não, Francisco
Brennand).
Poeticamente, no seu livro, me parecem trabalhar contra a
prolixidade, a ênfase e a indulgência sentimental, três inimigas,
acho, da poesia. Mas talvez se deva a uma excessiva severidade de
minha parte. A favor me parecem trabalhar a inteligência, a
curiosidade, indagadora, o humor, a ironia crítica.
Uma coisa que me pareceu positiva é a generosidade que emana de
tantos poemas do livro. Algumas das suas posições parecem com as
minhas. Gostei também do humor que passa por todo ele, a leitura
muitas vezes me foi prazerosa.
Leia a obra de Soares Feitosa
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