Valdir Rocha
Peles de tantas Mulheres
Floriano Martins acaba de lançar Estudos de Pele
(Editora Lamparina, Rio de Janeiro, fone 21-2232-1768 –
lamparina@lamparina.com.br ).
O título do livro, dizendo Estudos, engana quem
lê-lhe só a capa. Não se trata de livro de ensaios; embora contenha
incursões dissertativas que poderiam ser tomadas como tais, esta
faceta não lhe dá a tônica.
Não é também um volume de prosa tipicamente
ficcional, ainda que aqui e ali se encontrem elementos do gênero.
Não é só e propriamente um livro de poesia, mesmo que
pleno dela. "O poema, Floriano, terás que escrever um."
Também não é uma peça de teatro, mesmo que carregado
de dramas, tragédias e espetáculo.
Nem é livro religioso, ainda que presente a piedade
(ao lado do terror) e mesmo tendo um sentido nessa direção. Tem
oração? Tem. Por exemplo: "A morte esteja comigo, senhora dos
versos."
Se não é isto ou aquilo, como classificar Estudos de
Pele, então? Pois que alguma coisa há de ser e é.
Melhor dizendo, Estudos de Pele não é tão-só uma ou
outra coisa. Seu texto contém versos que carregam poesia, versos
típicos de prosa e até despidos da poesia corrente, prosa que leva
poesia, prosa que é prosa mesmo, e por aí vai. Diz-se a certa
altura, com razão, que "Não estou bem certo se o domínio de uma
linguagem afiança uma poética." Reúne poemas e alguns não-poemas;
jamais antipoemas. Ilude sempre. Sinceramente, é muito difícil
indicar-lhe o gênero. E isso está longe de ser defeito porque é
virtude. Diria – só para não omitir uma classificação – que está
embebido de poesia. Cabe a quem recebe as confissões do texto
"aprender a lidar com o imprevisto".
Não é um livro linear, com certeza absoluta. Instiga
o tempo todo e vai provocando o leitor. Não a qualquer leitor, posto
que não há escritura que alcance a façanha de envolver toda e
qualquer pessoa alfabetizada. A leitura de Estudos de Pele envolverá
tipo especial de leitor, qual seja, aquele que quer chegar ao fim do
livro para recomeçar a lê-lo, para chegar ao final com novas descobertas e constatar que outras leituras se fazem necessárias,
para, depois, perceber que entendeu menos com mais. Não está
fechado; cada página é uma porta abertíssima.
Sua estrutura é fugidia, porém encontra a forma
adequada a cada passagem. Com certeza, Floriano abusou e com isso
fez grande bem à sua criatura. "Toda a criação está feita de
equívocos, exageros, precárias aproximações da realidade, falsas
suspeitas" diz uma das personagens, logo no início do livro, cujo
texto não esconde nada. Pelo contrário: tudo é revelado, nenhuma
senha é negada.
O livro volta-se a muitos assuntos: a criação, o nome
(Como não tens um nome? Pois te arrumo um já."), as metáforas, os
sonhos, os enigmas, os significados, as confissões, o corpo ("Um
corpo será sempre inacabado."), as máscaras, a memória do sempre ("A
memória não faz outra coisa senão repetir-se."), a loucura ("Haverá
mesmo uma?") – tudo pelas vozes de personagens femininas, plenamente
femininas ("temos que aprender a ter mil vidas a um só tempo"), que
divagam, refletem, dissertam até, oram e perguntam.
A atmosfera – o palco – é de sombras, de fuga,
rastros, ruínas e abismos. O espaço é fugidio: "Onde estás nunca
serás. (...) Não estás senão no que negas."
Estudos de Pele resulta de "encomenda" ("Ainda não
estimo de todo o que me encomendaram, mas o fato é que não houve
caridade alguma na escritura deste livro."). Saiu melhor do que o
pedido. Preciso reler para saber menos.
Estudos de Pele
(Editora Lamparina, Rio de Janeiro, fone 21-2232-1768 –
lamparina@lamparina.com.br)
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