Wilson Martins
Prosa & Verso,
20.03.1999
Novas Antologias
Em sua concepção original, as
antologias respondem a dois propósitos complementares entre si:
selecionar e reunir as "flores" poéticas segundo o cânone
predominante em cada momento, e servir de instrumento educativo do
gosto. Sua natureza é deliberadamente educativa, visando estabelecer
os padrões do "clássico", isto é, segundo a etimologia consagrada,
os autores que devem ser lidos em classe.
A seleção é o seu princípio orgânico,
fundada, como seria inevitável, na relatividade do gosto e na
sucessiva substituição de códigos literários.
Enquanto escolha e seleção, com as
correspondentes eliminações, todas elas são necessariamente
pedagógicas, feitas por mestres institucionais ou independentes,
destinando-se a discípulos no conceito amplo da palavra, tal como a
antologia escolar de literatura brasileira, das professoras Magaly
Trindade Gonçalves, Zélia Thomaz de Aquino e Zina Bellodi Silva (São
Paulo: Musa, 1998).
O adjetivo "escolar" não deixa
dúvidas, escreve Antônio Carlos Secchin no prefácio: "trata-se de
coletânea que pretende despertar ou cultivar no alunado a
sensibilidade para as Letras, e que fornece aos mestres um guia
estimulante para o trabalho em sala de aula, seja pela qualidade
intrínseca dos textos, seja pelo rigor e apuro com que textos e
autores foram apresentados: transcrições fidedignas da vontade
autoral, equilíbrio entre presença de versos e prosa (...) corretas
indicações biobibliográficas".
Contando-se entre os nossos mais
qualificados organizadores desses manuais, as autoras levaram o
requinte ao ponto de propor uma "Antologia de antologias" (São
Paulo: Musa, 1995), incluindo 101 poetas brasileiros "revisitados".
Nas palavras do prefácio, Alfredo Bosi
lembra que, desde o princípio do último século, florilégios e
parnasos "serviram principalmente enquanto marcos para a
constituição de um cânon nacional", com o intuito de "fundar uma
tradição brasileira que recebesse já nos tempos coloniais o seu
atestado de nascimento."
A introdução nas salas de aula do
texto moderno e contemporâneo, acrescenta ele, "foi uma conquista da
liberdade pedagógica e, a rigor, uma exigência dos tempos e da
práxis cultural a quem nem mesmo a inércia da escola média poderia
ter-se subtraído". Mas, ai de nós! Havia um verme no interior do
fruto, para usar a imagem machadiana: "O livro didático de iniciação
à nossa literatura tem sido marcado pela improvisação. O antigo é
esquecido ou maltratado. O moderno é lido de forma pedante ou, no
outro extremo, pueril. Na seleção das leituras, banco de prova do
antologista, prevalece o escrito fútil, chulo ou demagógico quase
sempre assinado por escrevinhadores cujo único e involuntário mérito
consiste em serem contemporâneos do compilador".
Assim, as boas antologias, como as
citadas e outras das mesmas autoras, podem e devem ter, além de sua
função didática, a missão profilática e eliminadora, aliás implícita
na sua natureza.
É curioso notar que, em nossos dias,
as antologias "literárias", por oposição às simplesmente escolares,
passaram por uma contraditória metamorfose interior - contraditória
por contestarem implicitamente a sua definição original. É nesse
sentido que são "novas", não apenas por serem recentes: deixaram de
ser seletivas para tornarem-se inventariantes ou exaustivas (nos
dois sentidos da palavras). Não são mais canteiros de flores
poéticas, são jardins inteiros, sem sacrificar as ervas daninhas.
Nelas se incluem os que escrevem versos por serem poetas e os que
são poetas por escreverem versos, segundo a maliciosa distinção de
Thibaudet.
É o caso, por exemplo, do volume em
que Joanyr de Oliveira compilou a "Poesia de Brasília" (Rio: Sette
Letras, 1998), num total de 75 poetas. Tanto quanto as professoras
de Jabuticabal, ele próprio excelente poeta ("Pluricanto. Trinta
anos de poesia". Brasília: Da Anta Casa Editora, 1996), Joanyr de
Oliveira é também antologista incansável, dedicado aos autores de
uma cidade que vem lutando para adquirir respeitabilidade cultural.
Este volume, que aparece na seriação
das antologias que organiza, desde 1962, com intervalos decenais, é
também totalizante no que se refere a escolas ou técnicas poéticas,
acolhendo, "ao lado de poemas inquestionavelmente modernos, alguns
versos bem ‘tradicionais’, considerando sobretudo o aspecto da
representatividade".
Quem são, entretanto, os poetas de
Brasília? - perguntava Domingos Carvalho da Silva em 1983: "Já que
os que aqui nasceram ainda não existem como poetas, restam os que,
vindos muito jovens para esta cidade, aqui escreveram e publicaram
os primeiros poemas." É certo que, cedendo ao imperialismo das
antologias, Joanyr de Oliveira relacionou entre eles Moacyr Félix,
João Cabral de Melo Neto, Homero Homem e outros, cuja naturalidade
brasiliense parece discutível.
Com "A poesia mineira no século XX"
(Rio: Imago, 1998), Assis Brasil continua a sua valiosa coleção de
antologias estaduais, de que já saíram as do Maranhão, Piauí, Ceará,
Goiás, Amazonas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e
Espírito Santo, monumental panorama e imprescindível obra de
referência.
É também um repertório globalizante,
que vai de Augusto de Lima a Eric Ponty, num elenco em que se
destacam os nomes de Alphonsus de Guimaraens, Murilo Araújo, Murilo
Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Dantas Mota, Affonso Romano de
Sant´Anna e Donizete Galvão, para citar ao acaso.
Muitas dessas "flores" estão ainda em
botão, outras feneceram e são folhas secas entre as páginas dos
livros. Não importa: o que importa é a sua representatividade
histórica e riqueza de documentação.
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