Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Wilson Martins


 



Prosa & Verso, 18.9.1999



Nacionalismos em choque




 

A formação histórica do Brasil meridional sempre causou estranheza e suspeitosa incompreensão em face dos sólidos lugares-comuns simplificadores segundo os quais o país estaria enquadrado no famoso "triângulo racial" (portugueses + negros + índios), fora do qual tudo seria espúrio. Trata-se, de acordo com a formulação conhecida, do "mundo que o português criou" (Gilberto Freyre), tese que já se transformou em verdade dogmática. Há, entretanto, fortes razões para pensar que o Brasil é o mundo que os brasileiros criaram - inclusive os das províncias sulinas.

Em 1906, Sílvio Romero, à beira da apoplexia, denunciava com veemência o "alemanismo no sul do Brasil", veemência qualificada de "teutofobia", em 1910, pelo escritor paranaense Alcides Munhoz. No caso, o germanismo intelectual encontrava limites intransponíveis no nacionalismo romeriano. Em nossos dias, Moysés Vellinho gastou tinta e sabedoria para demonstrar que Getúlio Vargas, por ser caudilho, não representava genuinamente o Rio Grande do Sul, porque o caudilhismo era coisa de castelhanos.

Lendo com alarme patriótico o ensaio do geógrafo brasileiro Reinhardt Maack numa revista científica internacional, Gilberto Freyre denunciou-o publicamente como nazista, o que, na época, devia desencadear, como de fato desencadeou, o inevitável processo no Tribunal de Segurança Nacional (v. Reinardt Maack. "The German of South Brazil: a German view". The Quarterly Journal of Inter-American Relations, vol. I, n.º 3, julho de 1939). Sim, em 1939, o Estado Novo prendia e processava os suspeitos de nazismo, proibia a circulação de publicações em língua alemã e fechava as respectivas associações - tudo isso no quadro das alegadas "simpatias" do regime pelas ideologias totalitárias da época.

É nesse contexto que se deve ler a modelar pesquisa histográfica de Marionilde Brepohl de Magalhães sobre a "a trajetória alemã rumo ao Brasil" (Pangermanismo e nazismo. Campinas. Unicamp/FAPESP, 1998). O estudo se distingue, antes de mais nada, pela objetividade, competência e levantamento de fontes originais, tanto no Brasil quanto na Alemanha, resultando não só na revelação de documentos pouco ou nada conhecidos e no levantamento do contexto em que essa ideologia se configurou, sem esquecer o desmentido implícito às simplificações que se foram acumulando e cristalizando na historiografia correspondente.

Nas suas palavras, o germanismo inspirou-se no modelo de nacionalismo em que estiveram presentes tanto sonhos separatistas quanto de unificação. Um movimento profundamente comprometido com o romantismo alemão, mas também com o pragmatismo inerente aos projetos imperialistas de expansão de mercados e de territórios; um movimento que se valeu de princípios jurídicos e culturais, mas que não dispensou o ódio e a violência contra seus adversários, e que, à semelhança de seu inspirador na Europa, cooperou para o surgimento de um dos capítulos mais singulares da história alemã: o nazismo.

Contudo, a dialética brasileira introduziu no processo um fator não só o descaracterizante, mas irresistível: uma das questões que passam a ocupar as atenções dos jornais e almanaques (de língua alemã) refere-se ao processo de assimilação, vivenciado principalmente por membros das camadas jovens (...). ... geralmente a tendência natural entre netos ou bisnetos de imigrantes era a de procurarem integrar-se às escolas brasileiras e de se inserirem no mercado de trabalho da sociedade receptora, uma vez que as chances de se manterem ligados às atividades econômicas oferecidas por sua própria comunidade de origem eram cada vez mais restritas. A própria necessidade de aquisição de status (...) exigia novas formas de sociabilidade que não as originais, e levava naturalmente a uma mudança de hábitos, dentre os quais a utilização do idioma português.

Na verdade, o programa de nacionalização dos imigrantes e seus descendentes começou com leis de 1919, 1921 e 1929, dinamizado, como se sabe, durante o Estado Novo, com violências policiais, diga-se de passagem, absolutamente desnecessárias e até contraproducentes. De qualquer maneira, era a reação nacionalista contra o perigo da desnacionalização. No que se refere à existência de escolas alemãs, a autora transcreve um pronunciamento do presidente Getúlio Vargas em Blumenau (1941), apontando para a realidade pura e simples: " (...) um município no qual se diz ser a língua portuguesa desconhecida e onde o sentimento de brasilidade está morto. (...) ... culpo o governo pelo fato de não saberdes falar a nossa língua, pois foi ele que nos isolou nestas floresta... e vós exigistes apenas duas coisas: escolas e estradas".

O integralismo, geralmente apontado como nazista ou fascista, era visto com hostilidade nos meios germânicos do Brasil, por causa de sua ideologia nacionalista. Não é difícil perceber que o núcleo da questão, nos anos 20 e 30, e não só no Brasil, era o nacionalismo, de que todas as ideologias derivavam. Tudo bem considerado, o nosso foi o século dos nacionalismos, não o "século do corporativismo" como previa M. Manoilesco em livro que teve o seu momento de celebridade.
 

 

 

 

 

 

22/09/2005