Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

 

 

 

 

 

 

Wilson Martins

História Literária

Jornal do Brasil
29.12.2007

 

A literatura é a idéia platônica de literatura, da qual as obras são imitações necessariamente imperfeitas. Daí porque a luta pela expressão define, antes de mais nada, a condição de escritor (Fidelino de Figueiredo). A história literária é e só deve ser a história das obras, tanto em cada uma delas quanto nas suas relações recíprocas, constituindo os diversos sistemas (genérico, nacional, cronológico etc..). À luz desses princípios, percebe-se que Carlos Nejar não escreveu uma História da literatura brasileira. (Rio: Relume Dumará, 2007), mas uma sucessão de capítulos sobre os autores, todos independentes entre si e sucedendo-se por contigüidade, sem que o conjunto proponha a idéia orgânica do que deve ser o sistema que a configurasse como brasileira e como história.

O livro inicia-se com uma apresentação e uma introdução nas quais se percebe o propósito de oferecer uma teoria geral da literatura - não da literatura brasileira - tudo fundado em sucessivas citações encadeadas cuja necessidade não se percebe. Na terminologia e nas noções estéticas não são poucas as passagens discutíveis, inclusive no que se refere à correção factual. Assim, por exemplo, já nas primeiras linhas, o autor evoca o princípio da contemporaneidade, sem esclarecer se alude a cada momento histórico ou ao seu conjunto: "A contemporaneidade na poesia ou na prosa, não só é marcada pelos modernistas, como segue algumas de suas premissas que se aprofundam em implicações estéticas. E chego a dizer - o que pode ser um exagero - que o classicismo e o romantismo se sucederam por intermédio de poetas do modernismo".

Sabendo-se que classicismo, romantismo e modernismo são denominações aceitas para designar específicas escolas ou movimentos literários, é difícil perceber de que maneira são ou podem ser considerados como contemporâneos. Quererá Carlos Nejar dizer que todas foram modernas no seu tempo, ou que houve ressurgências clássicas e românticas no modernismo? Acresce que ele se insurge contra, digamos, a contemporaneidade excessiva do modernismo: "É verdade que o excesso de permanência do modernismo - entre nós - gerou descaminhos. Desembocando em alguns casos, na repetição, ou sobrevivência de si mesmo".

O primeiro cuidado do historiador deve ser a rigorosa fixação dos marcos cronológicos: assim, no que se refere ao modernismo, podemos situá-lo entre 1916 e 1945, como já foi proposto, mas é imprescindível se quisermos raciocinar por meio das cartesianas "idéias claras e distintas", sem as quais não há pensamento digno desse nome. Seja como for, é a partir daí que o autor se entrega a inoportunas divagações teóricas, sem qualquer relação direta ou indireta com os autores estudados em seguida.

Mesmo que valesse a pena, não é este o momento nem o lugar de discutir em pormenor os pontos em que Carlos Nejar revela alguma carência de informação, como ao apontar o licenciado Manuel Pereira Rabelo como uma "persona gregoriana", tratando-se, como se trata, de pessoa realmente existente e a quem, aliás, devemos praticamente tudo o que se sabe do poeta. Encontra-se aqui repetida a fantasia: de algum erudito amador segundo a qual Gregório de Matos teria escrito sob o nome do vigário Lourenço Ribeiro, seu inimigo pessoal e com quem trocou algumas farpas.

Todos os capítulos começam com breves informações biográficas pelo modelo dos antigos manuais escolares - "Júlio Ribeiro, cujo nome completo é (...)" - mecanicamente repetidas nos livros didáticos ou assemelhados. Passando para a crítica, Nejar afirma que "a sombra de Zola é por demais imperiosa" em Júlio Ribeiro, romancista expulso há muitos anos da literatura por Álvaro Lins. De qualquer maneira, diz Carlos Nejar, "por digno e nobre que tenha sido o afã ao naturalismo, o homem não consegue ser dissecado, ou posto a nu jamais", palavras que transcrevo para dar uma idéia de seu estilo.

Nos últimos capítulos ele se aventura pelo terreno minado da ... contemporaneidade, dedicando duas páginas a Monteiro Lobato, duas e meia a Raul Pompéia, cinco a Autran Dourado, outras cinco a José J. Veiga, sem esquecer, naturalmente, o poeta Manoel de Barros, cuja poesia "tem a característica fluvial de Corumbá e o Pantanal fluvial nas imagens que resvalam e correm pelos seixos (...) fluvial nas metáforas, o que lhe faz fugir da estrutura do poema" seja lá o que for que isso signifique.

Pagando tributo à atualidade, Nejar termina com algumas considerações sobre "como os povos de língua portuguesa olham a identidade do idioma no presente e no porvir".

Link para Carlos Nejar

Nejar, mais brabo que um siri dentro de uma lata,

rebate Wilson Martins

 

Carlos Nejar

Sobre a "História da Literatura"
 

Jornal do Brasil

29.12.2007

 

No primeiro instante, julguei não ter sido o Sr. Wilson Martins o autor das notas sobre a minha História da literatura brasileira, recém-publicada pela Ediouro, após um trabalho de dez anos, neste Suplemento Idéias, no dia 29 de dezembro de 2007, ao apagar do ano. Foi o fantasma dos fantasmas do Sr. Wilson Martins, cujas sombras maledicentes? Algumas são perceptíveis? Tentaram agravar-me por motivos alheios à criação. Sobretudo porque um poeta e ficcionista intentou tamanha proeza e ele nunca conseguiu escrever uma História da literatura brasileira. Pelo contrário, o Sr. Wilson Martins tem se notabilizado nacionalmente como um crítico esdrúxulo, capaz de afirmar grandes asneiras com total desassombro e ressentimento.

E foi, sim, uma crítica fantasmagórica, nevoenta, num texto mal alinhavado, desconexo, impreciso, colegial, tanta falta de verdade ao dizer que não examino obras ? Quando é isso que faço o tempo todo ao longo de quase 600 páginas? Quanto cochilo funâmbulo em frases vazias e dúbias. É a incompreensão previsível de um resenhista irritado e míope diante das mudanças. E nesta época de "balas perdidas", as que disparou voltaram, lânguidas, para ele mesmo, sem me atingir.

No segundo instante, dei-me conta de que o Sr. Wilson Martins falseia tudo, chega a um feio erro de objeto e de pessoa, não se afigurando real, leitores, nem a tal foto ali plantada, talvez de um sósia, pelo ódio que mancha o artigo e que Machado considera "a chaga da crítica". Na Introdução - que ele não quis ver - travo uma discussão de teoria e filosofia da literatura,com caráter abrangente, declarando - o que é novo - não serem os gêneros que determinam a linguagem, mas a linguagem que determina os gêneros.E talvez daí advenha seu único elogio de ser meu livro universal . Porém, logo a seguir penetro nos meandros mais singulares da literatura brasileira, desde a Carta de Pero Vaz de Caminha, seguindo por Basílio da Gama, Gregório de Matos e Guerra, Castro Alves, Euclides da Cunha, Erico Veríssimo,Drummond, Jorge de Lima, Cabral, Murilo Rubião, Campos de Carvalho, Lígia Fagundes Teles, Clarice, J. Veiga, o concretismo até César Leal, entre outros ,traçando com limpidez e profundeza a crítica da literatura nacional . São centenas de nomes e de obras de brasileiros, muitos retirados do injusto esquecimento."Particularmente notável é o largo espaço concedido à literatura contemporânea, que distingue sua História, das congêneres"-manifestou-se um ilustre paulista, Mestre da crítica, como muitas outras das importantes cabeças pensantes do Brasil. E curiosamente , o colunista, leitores,que motivou esta resposta, em(Idéias, 5 de janeiro de 2008), repete( não posso crer que esteja plagiando exatamente o livro que renegou ?) as mesmas idéias e observações que fiz a respeito das influências de Simões Lopes Neto (págs. 126 e 419 , HLB) ,Coelho Neto ( pág. 422,ibidem) e o barroquismo ( pág. 421, ibidem ) na ficção roseana, além de reconhecer , o que também fiz , a injustiça contra o autor de O rei Negro, num estudo que vai da pág. 173-175, da minha História .E se me distraio novas "(des)apropriações " sairão de sua pena, tão impressionado se mostrou com minha laboriosa escrita.É curioso: pega trechos de meu livro sem citar-me . E ainda me ataca.

A hipocrisia não é a homenagem do vício à virtude , na expressão de um pensador francês? Mas não adianta. O resenhista, preso ao abandonado museu das letras , não se conforma com matéria que respira e pensa, ávida daquela "claridade" que pede ao estilo o genial Aristóteles, esse tão nosso contemporâneo. Aliás, essa palavra pelo visto causou-lhe certa e estranha suscetibilidade. Não importa. Acompanho Mário Quintana: escrevemos para os leitores, que são os nossos "contemporâneos". Onde , obviamente tal crítico não está. Por isso destilou contra este escriba o rancor de alguém de mal com o mundo, querendo sempre diminuir os autores. Pois ficou apenas em "seu tempo" ,(tempo morto) e como afirmou Eugène Ionescu , já está ultrapassado.

Em definitivo, o Sr. Wilson Martins parece o dono de uma tenda de quitandas que busca impedir que "um armazém de forças vivas" se estabeleça na vizinhança, como se fosse o proprietário da crítica nacional. E não é nada disso, falta-lhe fôlego e fogo. Pois " cabeça sem fósforo, é como fósforo sem cabeça"(quem diz é o Barão de Itararé). Por isso "desleu" de antemão o meu livro. Deixando vingar a lição do grande e generoso Mário de Andrade : "Para quem me rejeita, trabalho perdido explicar o que antes de ler, já não aceitou ".