Os
poemas da Besta
"Nisto, o Anjo que eu vira
de pé sobre o mar e a terra levantou a mão direita
para o céu e jurou por aquele que
vive pelos séculos dos séculos — que criou o céu
e tudo que nele existe, a terra e tudo o que nela existe, o
mar e tudo que nele existe —: já não haverá mais
tempo!"
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Poesia:
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Já
não haverá mais tempo!
Esta
passagem tremendamente épica, o máximo do majestoso em todo o
Livro dos Livros, assombra-me! Menor não tem sido a sensação nas
leituras de alguns poemas que me provocam exatamente o mesmo
assombro: já não haverá mais tempo, sorvido que fui pelo
redemoinho, tragado pela força de uma poética inesperada, esmagado
por uma emoção decididamente indescritível.
Quais
poemas? Dentre eles, O Navio Negreiro, de Castro Alves, para
mim o maior de todos ?Não, de maneira nenhuma. O Navio é um
poema “racional”, onde o leitor tem todo o tempo para perceber o
percurso, da navegação inicial — ‘Stamos em pleno mar!
— até o final retumbante: Colombo, fecha a porta dos teus
mares!Precisamente neste tema — o tempo —, esta coisa assombrosa
que dizem existir numa quarta dimensão, essa angústia máxima, a
falta do tempo de que fala o Anjo do livro da revelação, só uns
poucos poemas no-la dão.Vejamos um, para iniciar:
Os
Castellos
A
Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe romanticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em angulo disposto.
Aquelle diz Italia onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
O
leitor já tem todo o direito de ir dizendo: "Também, com
Pessoa, é moleza...". Nada disso. Só neste poema, de tudo o
que li de Pessoa, há o abismo-absoluto-e-inesperado — hifenizei:
abismo-absoluto-e-inesperado. A mesma angústia da falta de tempo do
Anjo sobre as águas...
Em
análise:
Trata-se
de um poema “geográfico”, mero comparatório do mapa físico da
Europa com a efígie de uma pessoa.
A
Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe romanticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.
Nada de
extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem
uma cabeleira vasta.
O
cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em angulo disposto.
Aquelle diz Italia onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.
Ainda sem
maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo —
um poema bobo. Confira no mapa da Europa — é assim mesmo: os
acidentes Itália e Inglaterra seriam os cotovelos de uma jovem.
-
Fita, com olhar sphyngico e
fatal,
Occidente, futuro do passado.
Aqui a
coisa já começa a “complicar”. Anunciam-se borrascas e
temporais: Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro
do passado. Mas, finalmente,
mas:
O rosto com que fita é
Portugal.
Feche
o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando
as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico
no mapa d’Espanha... — quanta glória!!!
Ah,
meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que
Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!),
sete palavras apenas para tamanha grandiosidade.
Os
lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do
mesmo Pessoa, contidos nesta frase perfeita: O rosto com que fita
é Portugal.!
Disse
Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la
perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente
descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização
ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal,
fita o mundo?!
Agora
percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico —
era terreno preparatório (Batista, às margens do Jordão,
batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde
fitar não é simplesmente sinônimo de olhar.
Portugal,
no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o
mundo e o domina!
E
na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades
enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do
Cristo!
Quem
olha, afinal?
A
Cruz-de-Malta?!
Já
não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!
Vejamos,
agora, outro poema:
O
Homem da Cadeira de Balanço
precisamos
criar juízo
cumprir as determinações
e tomar enérgicas providências
precisamos coibir os abusos
respeitar os sinais do tempo
e outras normas regulamentares
precisamos ficar calados
diante de certas coisas
porque assim é melhor
precisamos
evitar as mãos magras das visitas
os olhos noturnos dos gatos
e o apelo da verdade.
Em
análise:
Você
vai lendo, é um poema tolo, sem maior conseqüência, chato até,
bastante reacionário no dizer esquerdizante: precisamos ficar
calados — que coisa mais idiota!
Pois
bem: fantasticamente fantástico, caia no mais amplo despenhadeiro: precisamos
evitar o apelo da verdade — o que renega toda aquela brabeza
inicial do tomador de providências, daquele “corrigidor” do
mundo.
Eis
a verdadeira cadeira-de-balanço, o leitor dentro dela, bem
amarradinho, bem solto, porém sem tempo algum, de abismo e de
despenhadeiro abaixo. Ou de abismo e de despenhadeiro acima, se o
preferem no positivo, compelido pela força mágica da Poesia maior!
É
poema! Tão grande que até desconfio que o seu autor, o cearense
Horácio Dídimo, como o boi do arado, não sabe a força que tem.
Tanto é verdade que uma das antologias de que participa, a de
organização de Pedro Lyra, não contempla esse super-poema, em
benefício de uns outros que não lhe amarram sequer as correias da
sandália.
Vamos
ao terceiro poema da série “da Besta”:
Casa mal-assombrada Eu vi
monstros, morcegos e vampiros!
Lá tem um
velho vampiro
e sua mulher.
Bem de noite
ouvi um choro
e me levantei.
Percebi que era um
nenê: a vampira teve bebê. Inicialmente, a perfeição (e
banalidade) do tema: uma casa mal-assombrada, onde tem um velho
vampiro. Tem também a “sua mulher”, não implicitamente vampira
(pelo menos o poema não obriga a concluir, de início, que ela seja
uma súdita do conde Vlad).
Bem de noite: assombra! Por que não
apenas “de noite”? — porque assim o poema nos transmite aquela
sensação de uma noite absoluta como a eternidade, naquelas tribulações
da escuridão em que você é surpreendido pelos galos e pela
aurora. Mas é “de-noite”; e “de-noite” continua, não
obstante o sol de meio-dia.
A noite ampla de Pessoa, Dois
Excertos de Ode — Vem noite antiquíssima... Deve ser ela,
esse “bem-de-noite” do poema.
Ouvi um choro e me
levantei: claro, quem escuta um choro tem
mesmo é que se levantar, especialmente em casa de vampiros...
Estaria o velho vampiro a estrangular uma criancinha?
(Aquele outro choro, num estábulo
remoto, seriam os cães despedaçando uma mendiga e o seu bastardo
recém-nascido?)
Percebi que era um
nenê:
a vampira teve bebê.
E imediamente, pelo choro do infante e
pelas graças da maternidade, aquela casa imunda e vampiresca
sacralizou-se para o todo e sempre! Não há mais tempo!
Abismo número 2: a autora do poema
acima tem apenas 8 — disse 8, oito, ô-í-tê-ó-tó,
soletrando como na velha Carta de ABC de antigamente. Dizem que na
escola moderna os meninos não soletram mais... Eu soletrei e ainda
sei soletrar, letra a letra, número a número: cinco dedos mais três
dedos da outra mão, igual a oito, oito anos de idade.
Como explicar?
Todas as explicações e nenhuma.
Não sei quem o fez primeiro: se
Isaac Gamow, Um, Dois, Três... Infinito!, ou se Borges,
Jorge Luís Borges, A Biblioteca da Babel e correlatos, onde
falam dos números grandes, aquelas monstruosidades dos grãos de
trigo do tabuleiro de xadrez, o número 2 elevado à potência de
64.
Dentre tais números-monstros, o
maior deles seria o que resultasse do alfabeto ocidental, em mistura
de análise combinatória: as 26 letras “A” emparelhadas; depois
25 letras “A”, mais um “B”; e assim sucessivamente, até
percorrer todo o alfabeto, alternativamente, em todas as suas
combinações possíveis, não infinitas, mas estupidamente
grandiosas.
Num lance de dados (Deus joga
dados, com certeza que joga!), essa menina de 8 anos abriu o livro
certo, na folha certa, da biblioteca certa e jamais formada, de
todos os livros escritos e dos jamais escritos em todos os tempos: e
transcreveu, a menina de 8 anos, direto dos abismos da eternidade, o
perfeitíssimo poema do nenê da vampira!
Você, caro leitor, tem outra
explicação? Passe-ma!
Mais outro “da Besta”: excerto
de:
Táxi
De repente,
na altura da Volta da Jurema,
avisto, quase sem querer, um pivete
(pastor de carros e de meus pensamentos)
correndo sobre a areia.
E a idéia do tempo feito criança,
brincando com seus piões na praia, me sacode.
E o motorista, atento a um explícito e interior sinal,
começa a acelerar o motor das lembranças.
E o Táxi logo dispara na pista imaginária,
até me sentir balouçante, sim, num velho Prefect,
descendo a Rua Costa Barros,
lá longe,
a caminho do Centro.
Vejo tudo outra vez, ó coração enfermo,
máquina veloz da recordação!...
...Papai ao lado do motorista, traçando o roteiro de nossa viagem provincianamente urbana. Atrás, a mãe, eu e mais
três irmãos apertados/apartados, por entre
pernascotoveladasvisões: a meninice trepidando a 50km/h.
Ao passar por ali um amigo vi girando na escola da calçada um pião. Dei um salto,queria a outra janela, acenar-lhe para que também me visse
(havia uma sensação qualquer de vitória) naquele Prefect.
(Tento hoje recordar seu nome.
Qual seria?
Eco longínquo ressoando no abismo verbal da infância. Começava com
K. Kleiton? Não. Kelvin? Não.
Kélson? Isso! Kélson!)
Não sei se me ouviu. Sei que rasguei, no atropelo, as meias
da mãe, que ficou furiosa. Desolado, soquei-me debaixo do trinco da porta e da culpa, enquanto o carro de aluguel
prosseguia, sacolejante, para seu destino destino destino...
Tenho agora ímpetos de chamar o tempo
pela janela do Táxi. Gritar seu nome.
(Qual seria?
Deus?
Respiração-da-matéria?
Substância-de-todas-as-coisas?
Com que letra começaria?...
O fragmento — meio crescido para
chamar-se fragmento — é do longo poema Táxi, de Adriano
Espínola. O poeta, com toda a certeza, boi velho de arado e
bolandeiras, também não sabe a força que tem. Digo-o porque, na
mesma antologia de Pedro Lyra, coloca-se o que de pior Adriano já
escreveu..., ou melhor, o que de “menos bom” produziu.
Em análise:
Nada de muito extraordinário no
fragmento em que Adriano conta as peripécias de uma viagem num
velho Prefect (para os mais novos: era um carrinho menor do que o
menor dos carrinhos, coisa de pobre mesmo, idos de 1950, coisa
assim).
Vir pela rua, com o pai
direcionando a viagem, a mãe no banco de trás, como boa
nordestina, com uma récua de meninos, até aí está tudo muito
dentro do trivial. Ainda no trivial, é de se aceitar surja, a certa
altura do trecho, um pião e seu respectivo moleque na ponta do
barbante. As ruas estão mesmo cheias de moleques e seus piões —
alguns fumam craque, outros roubam para sustentar a mãe,
aqueloutros sobem num balde para alcançar um pára-brisa — e uma
nova safra deles está sempre a se formar (poemas meus Compadre-primo
e Menino do balde).
Mas, o nome?
Quem o moleque? Quem o Tempo? O
nome esvaído nos desvãos da memória sofrida. E o abismo:
Tenho agora ímpetos de
chamar o tempo
pela janela do Táxi. Gritar seu nome.
(Qual seria?
Deus?
Respiração-da-matéria?
Substância-de-todas-as-coisas?
Com que letra começaria?...)
O estimado leitor sabe?
Por favor, abra a Biblioteca da
Babel, dentre todos aqueles volumes abra um qualquer, basta um
nome — ou nenhum —, ligue urgente, ligue para o poeta. Depois
para mim. A cobrar!
Quando li Táxi a primeira
vez, e no correr da leitura me deparei com este episódio, me
esbarrei de cara no abismo infinito da beleza cósmica, e parei
por uns minutos de ler. Fui à geladeira, retemperei a garganta e
o espírito e tentei-me restabelecer de volta à planície,
porque, momentos antes: não havia mais tempo!
E finalmente, desta série que
espero continuar (e convoco os exemplos dos caros leitores), este
aqui:
Pantomima
Os melhores cordeiros da
fazenda
seguirão para o abate na cidade. O
s carneiros mais fracos do rebanho
serão sumariamente degolados.
O bode velho vai pro sacrifício,
por mais que seu olhar peça clemência.
Nem mesmo as cabritinhas inocentes
terão misericórdia ou esperança.
As carnes assarão ao sol: fogueira.
As peles secarão ao sol: curtume.
As vísceras suarão ao sol: carniça.
Os ossos sumirão ao sol: poeira.
Somente a ovelha negra fica impune
... enquanto o bom pastor toca sua flauta.
O autor, outro boi, mas não tão
velho, pois poeta estreante, Fiat Breu, Edições Papel em
Branco, 1996, o baiano Luís Antonio (sem acento no "o",
mas se pronuncia Antônio mesmo) Cajazeira Ramos, mas boi,
extraordinário boi-poeta, daqueles bois etruscos capazes de aluir
os arados de Hércules..., também não sabe a força que tem!
(... ou sabe?).
Lembro-me de quando li A Colônia
Penal. Releio-a sempre. Espanto-me ali com a naturalidade do
mal, a apologia do mal, os tons proféticos ali contidos, com uma
antecipação de várias décadas de tudo aquilo por que tem
passado o Homem deste século.
Li também o Diário de
outra jovenzinha, Anne Frank, e vi a Lista dos escolhidos
(Spielberg), Schindler.
E meu assombro em nenhum desses
lances foi maior do que ler o poema de Luís Antonio, porque o
poema “epigrafa”, na terceira estrofe, todas as imprecações
bíblicas dos profetas ditos maiores (Ai de ti, Babilônia, a
grande prostituta!): Jeremias, Ezequiel e outros loucos de
menor porte.
Ainda na terceira estrofe, como se
fosse um Vale dos Ossos, a visão aterradora do mesmo Ezequiel, em
37, 1-14, sob a imprecação de 21,13:
A espada! A espada está
afiada e polida;
afiada para executar uma matança;
polida para que lampeje como um relâmpago!
Mas o poema, como os demais da série
“da Besta”, se inicia “enganador”, para surpreender, para
abismar no final. Vejamos:
Os melhores cordeiros da
fazenda
seguirão para o abate na cidade.
Aparentemente, um poema de
“abastecimento”, um poema “sunabeano”, para usar uma sigla
dessas muitas repartições brasileiras que nada fazem e
constantemente a cada novo escândalo mudam de nome: COAP, SUNAB,
CONAB, etc., e que dizem cuidar de mercadorias e mercados.
Os carneiros mais fracos do
rebanho
serão sumariamente degolados.
Ainda está no tom de
abastecimento, pecuárias, agrícolas, essas coisas de mercados e
afins. Afinal, os pintainhos, na grande criação de frangos de
corte, os mais fracos, são mesmo eliminados assim que eclodem.
O bode velho vai pro sacrifício,
por mais que seu olhar peça clemência.
Continua no ramo dos negócios
agropecuários. Por que conservar comendo capim e gastando vacinas
um velho bode que não mais dá conta das cabras?
Nem mesmo as cabritinhas
inocentes
terão misericórdia ou esperança.
Muito razoável, mais uma vez. Nas
granjas de leite, os “bezerrinhos-machos” são sumariamente
eliminados, pois a fecundação é pela via artificial, e só uns
entre milhares serão touro. Ingloriamente touros que jamais
cobrirão uma "fêmea-vaca": cobrirão um engodo de
feltro, com aparência de vaca e cheiro de vaca, quando o veterinário
sorrateiramente lhes extrairá o sêmen para a propagação da raça.
Só as “bezerrinhas-fêmeas” permanecem nessa sociedade
estranhamente matriarcal que é uma granja de leite!
Finalmente, não sem antes nos
fazer passar pelo Vale dos Ossos, de Ezequiel, diz-nos o poeta
Cajazeira Ramos:
Somente a ovelha negra fica
impune ...
enquanto o bom pastor toca sua flauta.
E o poema, de agropastoril, se
transmuda, mercê o abismo em que jaz e de que nos chama para
dentro, numa Ode do Século XX, este Século-das-Trevas, e de
trevas mais outras.
As cabritinhas, negras como a
noite, horrendas a dançar, nesta Guernica ressurrecta que são
as terras d’Angola pulverizada de minas-bombas, braços, pernas,
olho, dente, cabeça arrancados... E mais uma vez O Navio
se reescreve no solo pátrio daqueles irmãos de sangue e língua.
Porque os melhores cordeiros são
os jovens que amavam os Beatles e os Rolling Stones
e foram ao suadouro dos eternos Vietnãs e Afeganistãos,
americanos e russos deste século.
Os cordeirinhos são os
infantes mortos de fome em minha terra — Francisco, quatro anos,
que morreu perguntando à mãe se no Céu tem pão (poema meu No
céu tem prozac!).
Aldo Moro é um dos milhares de bodes
velhos (Federico Garcia Lorca também, não tão velho, na
guerra civil espanhola), na unha implacável das Brigadas
Vermelhas, na terra de Júlio César e Cícero, ambos também
assassinados.
E os ossos sumidos ao sol: a
poeira, nesta terça-feira-de-cinzas, aliás de Carnaval, pois
amanhã bem cedo, caro leitor, quando o sacerdote de Cristo nos
fizer a cruz no alto da testa, suas palavras serão:
-
Ao pó de nossas peles secas ao sol.
Tenho
mesmo é que me assombrar com o poema de Cajazeira. Nenhum
outro, em simples quatorze versos de um soneto metricamente
perfeito, retratou com tamanha ansiedade, abismo e espanto o
terror deste século pleno de “bons pastores”, que foram um
tal Pol-Pot que dizem assassinou 4 milhões de cambojanos; ninguém
se iguala ao outro “bom pastor”, Adolf Hitler, nem a Stalin,
nem a Fidel Castro, nem a Franco, nem aos Pinochets de direita ou
de esquerda que estão, em nome do BEM — eles sempre dizem que
estão do lado do Bem, eles sempre dizem isso —, a tocar a flauta doce
de destruir e horrorizar. Pantomima??
(Ah,
bodes velhos! O flautista seguinte jamais é clemente... E a
flauta da exigüidade: nunca há-de haver mais tempo!)
Finalmente
— não consigo encerrar estas linhas sem retornar ao poema da
vampira que teve nenê.
Por
que o Cristo foi escolher um estábulo para nascer, quando, por
certo, dispunha de camas mais confortáveis na Galiléia?
Estaria
Ele renascendo agora numa Maternidade do Amapá, onde as crianças
morrem à míngua, ou na Maternidade-Escola (?) Assis
Chateaubriand, em Fortaleza, CE, Brasil, onde em poucos dias
morreram 54 crianças de infecção-sujeira hospitalar e os mais
fracos são escolhidos para morrer mais rápido?
O
Anti-Cristo, onde Ele nasce(u)(rá)?
Não há mais tempo!
Salvador, 11 de
fevereiro de 1997
Notas sobre os
poemas:
1. O primeiro, Os
Castellos, de Fernando Pessoa, é o
poema inicial de Mensagem.
2. O segundo, O Homem
da Cadeira de Balanço, de Horácio Dídimo,
Fortaleza/CE, 23.3.35 (in Assis Brasil, A Poesia Cearense no Século
XX — Antologia, Imago, pág. 162).
3. O terceiro, Casa
mal-assombrada, de Maria Fernanda Mendonça
Costa, Dois Córregos/SP, oito anos de idade (in Folha de São
Paulo, 1.1.1997, Caderno Folha Ilustrada).
4. O quarto, Táxi
(fragmento), de Adriano Espínola,
Fortaleza/CE, 1.3.52 (in EM TRÂNSITO, Topbooks, págs.48/49).
5. O quinto poema,
Pantomima, de Luís Antonio Cajazeira Ramos,
Salvador/BA, 12.8.56 (in COMO SE, Edições Papel em Branco, no
prelo).
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