Álvaro Alves de Faria
Pequenos retratos de palavras comoventes
Assim é a poesia do português Albano
Martins: coisa sem mistérios e sem segredos para quem detém no olhar
a paisagem nítida nem sempre observada pelos comuns
Albano Martins é um poeta português de fina textura. Implica dizer,
um poeta que elabora poemas com cuidado, sem exageros. O poeta é
contido, mas consegue descrever por poucas e exatas palavras a
circunstância do poema. Alie-se isso a uma observação poética
apuradíssima e o resultado será – como é – uma obra verdadeira.
Parte dessa obra de Albano Martins
está sendo lançada no Brasil pela Unimarco, em Antologia Poética
organizada por Álvaro Cardoso Gomes. Albano Martins nasceu na aldeia
do Telhado, Fundão, distrito de Castelo Branco, província da Beira
Baixa, Portugal. Licenciado em Filosofia Clássica, atualmente
leciona na Universidade Fernando Pessoa, na cidade do Porto. É autor
de 21 livros de poesia, alguns incluindo também prosa poética, na
qual é visível, muitas vezes, o ritmo do poema. É também tradutor de
poetas gregos do período clássico, além de italianos, espanhóis e
latino-americanos, entre os quais destaca seu trabalho mais recente,
Canto Geral, de Pablo Neruda.
No livro Escrito a Vermelho, de 1999,
ele observa no poema “Cedo ou tarde”: “Devias saber/ que é sempre
tarde/ que se nasce, que é/ sempre cedo que se morre. E devias/
saber também/ que a nenhuma árvore/ é lícito escolher/ o ramo onde
as aves/ fazem ninho e as flores/ procriam. No poema “A poetisa”, do
livro A Voz do Olhar, de 1998, o poeta observa que a poesia é
feminina, na qual cabem todas as cores e disfarces, todos os timbres
e solfejos. Tudo na poesia é feminino. Masculino só o pólen: o
esperma derramado na vulva do poema.
Na apresentação da Antologia Poética de Albano Martins, Álvaro
Cardoso Gomes lembra que o poeta é ligado a uma tradição lírica que
remonta ao movimento da Presença, devido ao seu extremado humanismo
e ao privilégio que dá ao culto da imagem: “Distingue-se dos
presencistas pela linguagem contida, avessa à grandiloqüência e pela
maneira como trata a metáfora, ao promover surpreendentes desvios de
significado que desorientam o leitor, provocando aquilo que é
essencial em poesia, o espanto do novo.”
O que chama a atenção na poesia de
Albano Martins é o que ela tem de íntimo em relação à vida e à
própria poesia, coisa sem mistérios e sem segredos para quem detém
no olhar a paisagem nítida nem sempre observada pelos comuns. Uma
observação capaz de construir pequenos retratos de palavras
comoventes. Isso fica claro em poemas como “Circuito”, do livro
Coração de Bússola, de 1967: “Eis a nossa vida de enterro/ a nossa
vida de operários fúnebres/ conduzindo a morte como um veículo/
através de labirintos de gestos/ precipícios de palavras”. A obra de
Albano Martins é também feita de constatações poéticas que soam como
pensamentos ou palavras ditas a um amigo, caso, por exemplo, deste
pequeno poema de Com as Flores do Salgueiro, de 1995: “Quando o
verão/ morre, as amoras/ se vestem de luto.”
Num belo prefácio, Carlos Alberto
Vechi observa, com razão, que, “sem abdicar da sua modernidade, o
escritor português tece em seus poemas a aventura humana que, desde
illo tempore, tem marcado as suas inquietações diante do eterno
espetáculo da vida”. Tem sido assim passo a passo na realização de
uma obra que teve início em 1950, com o livro Secura Verde, vivendo
sempre esse estado poético que abrange todas as coisas. Essas
indicações estão em toda sua poesia, como no livro Em Tempo e
Memória”, de 1974, e de lá até agora são passados 26 anos: “Há um
instante em que a memória é estreita/ para conter o mar, o sal, os
navios/ a penumbra branca das gaivotas/ Um instante de nudez
perfeita.”
Albano Martins tem horror a soluções
fáceis dentro do poema e da poesia. O poema implica trabalho que
muitas vezes angustia. Mais uma vez com razão Carlos Alberto Vechi
intervém: “Albano Martins pode ser visto como um poeta engenheiro
que pensa geometricamente o espaço a ser preenchido pela palavra
poética.” Mas que não se pense que o poeta é calculista em relação à
emoção da poesia, matéria que parece estar proibida entre alguns
insanos. Não. Estamos diante de um poeta que tem as medidas de seus
versos e seus poemas, mas sem deles se distanciar. Sua relação com a
poesia é amorosa e também emotiva.
ANTOLOGIA POÉTICA, de Albano Martins.
Unimarco, 152 págs. R$ 12,00. [O Estado de São Paulo, Caderno 2,
8.7.2000]
Leia a
obra de Albano Martins |