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Anderson Braga Horta


 

Sobre o novo livro
de um mestre do soneto


 

Waldemar Lopes – Sonetos de Portugal
Clube de Poesia e Crítica, Brasília, 1984
 

Manuel Bandeira, em sua Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos (Rio de Janeiro, 2.ª ed., 1965), apresentando alguns dos Sonetos do Tempo Perdido, de Waldemar Lopes, pedia fossem "publicados na íntegra, pois representam poesia da melhor escrita no Brasil". Felizmente para as letras brsileiras, o apelo foi atendido, e o Poeta, que "até os vinte e dois anos" fora "contumaz na poesia", desvencilhou-se da provisória condição de bissexto publicando ditos sonetos (Rio, 1970), quarenta e um anos após a estréia (Legenda, Recife, 1929). Daí por diante —recuperada a contumácia— foram-se sucedendo os livros: Inventário do Tempo e Os Pássaros da Noite, em 1974; Sonetos da Despedida, dois anos depois; Sonetos do Natal, em 1977; Elegia para Joaquim Cardoso, no ano seguinte; O Jogo Inocente, em 1979; Memória do Tempo, em 1981.

A poesia de Waldemar Lopes impõe-se e encanta-nos pela sóbria, rigorosa linguagem, não infensa contudo à invenção vocabular —"carne de lua / transluminosamente azuluzindo"— e perpassada de um frêmito constante —"aura da aurora"— que vem do abismo-infância e se projeta no "imprevisto itinerário" do abismo-amanhã. São seus temas (colhidos à vol d'oiseau sobre as superiores realizações de Sonetos do Tempo Perdido e Os Pássaros da Noite, que o situam entre os grandes sonetos da língua): o tempo, onipresente ("tudo é memória: o só vivido / ou o apenas sonhado"), "a flor da infância", a "noite metafísica" projetando "uma sombra na sombra de outra sombra", a vida, "o rude esforço sem sentido" ("viver não acrescenta: diminui"), o amor, cujo "êxtase pungente .... antes nos lembra a morte do que a vida", mas sobretudo o efêmero-eterno da beleza —"a poesia da tarde, fugitiva, / mas eterna no instante em que foi bela"— e o sonho, "as coisas mais sonhadas que vividas",
 

pois se foi dito o quanto a carne é triste,
arde em perfume o espírito da rosa
e é mais belo o que só no sonho existe.

 

Clássica na forma, com sugestões simbolistas e uma força de pensamento que a aproxima de um Antero e de um Leoni, mostra-nos essa poesia um suave pessimismo e convida-nos a descobrir "a transitória / dádiva do mistério: ínfimo instante = / sopro de eternidade no ar perplexo".

Com os Sonetos de Portugal, que ora nos oferece, não pretende o Poeta mais altos vôos. Diz ele mesmo, em nota prévia, que, "do ponto de vista formal, sua linguagem é demasiado espontânea, sem maiores preocupações de ordem técnica". Não aceitemos, todavia, essas e outras restrições que faz ao novo livro o próprio autor. A circunstancialidade que presidiu à elaboração dos seus trinta e oito sonetos, "registros de uma romaria sentimental à altura dos setenta anos", é amplamente transcendida pela pureza do sentimento e da linguagem, pela técnica que se resolve em simplicidade, pela autenticidade, enfim. Retratam eles paisagens de Portugal (e não se apaga de nossos olhos a imagem do "Minho, cão azul deitado", nem se esquecem essas "asas de um moinho ao pé da encosta, / as doiradas pirâmides de feno, / os mansos bois com flores nas cabeças"); cantam a gloriosa epopéia nascida da "essência de ideal na alma do Infante", o "homem que fez maior o sonho do Homem"; homenageiam os autores queridos —"Eça, Nobre, Camões, Régio, Pessoa, / e o doce Antero, que era poeta e santo", e Cesário Verde, e Guerra Junqueiro, e Camilo, e Ferreira de Castro—; exaltam a língua portuguesa, a "fala heróica de Camões"; e, além e acima de tudo isso, sublinham o mais profundo, o mais belo destino da gente portuguesa, que
 

é doar a semente do humanismo
aos desafios do devir do mundo.

 

Anderson Braga Horta
Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília
Thesaurus, Brasília, 2003

 


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01.12.2006