Anderson Braga Horta
Os “Erros” de
Castro Alves
Acostumamo-nos a atribuir aos
românticos um relaxamento formal que não corresponde inteiramente à
realidade. Certo não tinham eles, em geral, o mesmo rigor de
linguagem dos parnasianos, mas atirar-lhes o labéu de ignorância
lingüística é pelo menos exagero.
Da releitura que fiz de Castro Alves
destaquei os pontos mais provavelmente inquináveis da pecha de
incorreção, e quase invariavelmente concluí favoravelmente ao Poeta.
Há problemas que saltei, ou por me parecerem menos relevantes, ou
por estarem devidamente solucionados em notas à edição em que me
baseei, outros que não pude solucionar, como a crase em “à meia
voz”, na 2.ª estrofe de “A Canção do Africano”, a concordância em
“Família, leis e Deus lhes coube em sorte” (“Desespero”,
2.ª), terceiros que devo atribuir a contaminação do coloquial (“Fazem
hoje muitos anos”, 1.º verso de “História de um Crime”). É pouco
para a condenação, até porque não terá tido o Poeta condições de
proceder a cabal revisão de todos os poemas.
Não me preocupei com as falhas de
pontuação, usualmente em fim de verso, primeiro porque são lapsos de
escrita ou de cópia evidentes, visto que o Poeta, em situações
semelhantes, exibe uma constância que o demonstra, segundo porque
nesse ponto é mais provável a distração do autor ou do copista.
Castro Alves abusa dos travessões e
das reticências, às vezes das exclamações. Mas não são erros, e sim
traços de estilo, justificáveis pelo fato de ser o Poeta um
talentoso diseur (e sua poesia se conformar naturalmente a
esse dom), servindo os referidos sinais de notação “musical” para a
declamação.
Limito minha pesquisa, pelo menos por
ora, à poesia, e na poesia aos versos enfeixados em Espumas
Flutuantes, Os Escravos e A Cachoeira de Paulo Afonso,
na organização da edição Nova Aguilar de 1976.
1.
Supostos Erros de Linguagem
Entre os erros atribuídos ao Poeta
apontam-se deslizes de linguagem e tropeços métricos. Falemos
inicialmente daqueles.
Ortoepia. Hiperbibasmo –
Muitas palavras apresentam variações
prosódicas ao longo da história da língua. Hoje dizemos ônix,
mas Bilac, para quem o rigorismo lingüístico era profissão de fé,
dizia onix, paroxitonamente – e disso não há dúvida, porque a
palavra faz a cesura num de seus alexandrinos. Não se trata de
licença poética; a palavra era assim pronunciada em seu tempo, mesmo
nos meios cultos. Licença poética é a deslocação do acento vocabular
(hiperbibasmo), seja na forma sistólica (recuo), seja na diastólica
(avanço), por exigência rítmica. Exemplo do primeiro caso:
blásfemo por blasfemo; do segundo: Niagara por
Niágara. É mais encontradiça a diástole.
Vemo-la profusamente em Castro Alves.
Não há falar em erro, aos poetas assina-se o direito de moldar
transgressoramente a língua ao sabor das necessidades ou
conveniências da expressão artística. Tratando-se de recurso
poético, devíamos estudá-lo na segunda parte destas notas. Mas cabem
aqui também, pois as formas resultantes são muitas vezes tomadas por
erro.
Castro Alves emprega mais de uma vez a
forma Niagara. Baste lembrar os poemas “Jesuítas” (última
estrofe, verso 4: “E o Niagara ia contar aos mares”) e “O Século”
(penúltima: “Que aos gritos do Niagara / – Sem escravos, – Guanabara
/ Se eleve ao fulgor dos sóis!”).
Nenufar
ocorre em “A Tarde”: “segredos / De amor do nenufar que enamoravas”;
nenufares em “Os Anjos da Meia-Noite – 5.ª e 6.ª Sombras”:
“Dois nenufares sobre o azul do lago”; “Ao Romper d’Alva”, 2.ª
estrofe: “As estrelas fugindo aos nenufares”; “Na Fonte”, estrofe
final: “Em torno dos nenufares”. Chega-se a pensar seja a forma
normal para o Poeta. De fato, não encontramos nenúfar/es uma
vez sequer nas páginas revistas.
Órgia
se encontra em “Pedro Ivo” (II, 2.ª estrofe), seguida
de perto pela forma corrente (3.ª estrofe, no meio de verso).
Blásfemo
está em “As Trevas”: “Rangendo os dentes, blásfemos,
uivavam”.
Pégada,
em “A Maciel Pinheiro”: “Da caravana guarda a areia a pégada”.
Reverbero,
em “Poesia e Mendicidade” (V, 8.ª, 1: “Um reverbero do clarão
celeste”).
Porfido,
em vez de pórfido (= pórfiro), em “O Sibarita Romano”
(4.ª, 4).
Murmurio,
em “Canto de Bug Jargal”, verso 12.
Embora sem a pretensão de esgotar as
ocorrências, menciono ainda Cedron, na penúltima estrofe de
“Hebréia”, porque a edição citada (que tem organização, fixação do
texto e notas de Eugênio Gomes) registra Cédron, a meu ver
equivocadamente. Também acho que na última estrofe de “A Cachoeira”
a palavra áugure deve ser lida como paroxítona.
Lexeologia –
Em “As Trevas”, verso 8, topa-se com “homens
pasmos”. Em “Ahasverus”, última estrofe, “Fogem pasmas”.
Parece-me inútil condenar o adjetivo/particípio irregular de
pasmar, largamente empregado e abonado por bons autores.
Cataclisma
(“Tragédia no Lar”, 18.ª), que também encontramos em Álvares de
Azevedo, nem é registrado pelos dois dicionários mais populares de
hoje. Mas está no Morais, e na boca do povo sói ser preferido ao
canônico cataclismo... que CA emprega também – em “Uma Página
de Escola Realista”, logo após um hiperbibasmo: “aljofares / Que
rebentais no interno cataclismo”, rimando com “abismo”.
Este, esse –
Nem sempre foi de rigor a distinção entre esse
e este, mesmo em bons autores. Augusto dos Anjos, por
exemplo, em soneto famoso, diz: “Somente a ingratidão, esta
pantera”...
Às vezes a distinção se revela terreno
escorregadio: quando há ou pode haver hesitação entre o uso
anafórico e o uso dêictico do pronome (e nem sempre os
aplicadores de gramática se revelam preparados para o
problema...). Outras vezes, o escritor pode preferir este a
esse, esta a essa por mera questão de eufonia,
e não serei eu quem vá brigar com ele por isso... Reconheçamos que a
língua viva, mesmo entre clássicos, não raro deixa de fazer
reverência à senhora Gramática. Machado de Assis, por exemplo, se
não chegava ao extremo de flexionar menos, não se furtava ao
emprego popular da flexão feminina do advérbio meio, como na
frase “Fulana está meia cansada”... E ninguém dirá que o
grande Machado fosse jejuno em questões de linguagem.
O poeta de “Uma Página de Escola
Realista” prefere decididamente a forma da primeira pessoa
(“É tarde! É tarde! Abri-me estas cortinas”), sendo rara a
forma da segunda, aliás encontrável no mesmo poema dramático,
páginas adiante: “Sílvia! dá-me a beber a gota d’água / Nessa
pálpebra roxa como o lírio...”
Onde, aonde –
Não sei até que ponto se pode considerar geral, na
época, a indistinção entre onde e aonde. Em “O Navio
Negreiro”, 1.ª parte, 8.ª estrofe, diz o Poeta: “Donde vem?... Onde
vai?...” Mas em “A Maciel Pinheiro”, 1.ª estrofe, versos 5-6: “Na
fronte vasta, como um céu de idéias, / Aonde os astros surgem
mais e mais...”
Exemplos dessa indistinção abundam no
período anterior. Fiquemos com um, bastante, porque ilustre – o
fecho do belo e conhecido soneto XIII de Cláudio Manuel da Costa:
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
Apócopes verbais –
São hoje correntes as formas verbo-pronominais
diz, faz, traz por dize, faze,
traze. O Poeta as empregava soberanamente. A “Dedicatória” assim
se conclui: “Vai, pois, meu livro! e como louro agreste / Traz-me
no bico um ramo de... cipreste!” Corrigi-lo estropiaria o
verso. Em “O Sibarita Romano” o metro não o exige (aliás, exige o
dissílabo), e então o Poeta escreve: “Traze o louro falerno
transparente”.
Topologia pronominal –
É famosa a topologia pronominal dos românticos.
Eles fizeram tabula rasa da norma lusitana, que perde sentido
entre nós. Varela, Laurindo, até mesmo Gonçalves Dias numa passagem,
oferecem colocações pronominais heterodoxas; Álvares de Azevedo,
contudo, foi o campeão na matéria, pela diversidade e abundância dos
casos. Mas Castro Alves pouco lhe fica a dever. Ênclises
heteróclitas encontram-se no “Prólogo” (“Foi então que...
recordei-me de vós”), “O Vôo do Gênio” (6.ª, 7: “Anjo, que
transformaste-te em Dalila”), “Perseverando” (“Por que espantas-te,
amigo” “Os Anjos da Meia-Noite – 4.ª Sombra – Fabíola”: “É sangue,
que referve-te na taça! / É sangue, que borrifa-te estas flores!”),
idem – “5.ª e 6.ª Sombras – Cândida e Laura” (“Crianças, que
trazeis-me a primavera... / Crianças, que lembrais-me as
andorinhas!...), “As Trevas” (“quando .... borrifavam-nas”, “que
encontraram-se os dous”), “O Nadador” (“Qu’importa-te”), “No Barco”
(“Não perturbeis-lhe o plácido remanso”), “A Canoa Fantástica” (“não
branqueja-lhe a vela”) e alhures. Excepcionalmente, uma próclise
inicial de frase, amenizada pela pontuação anterior
(ponto-e-vírgula), em “A Cruz da Estrada”, 5.ª estrofe: “Chora
orvalhos a grama, que palpita; / Lhe acende o vaga-lume o
facho seu.”
Eles avançaram; nós recuamos, apesar
dos modernistas...
Regência verbal –
“Ao Dous de Julho”, 1.ª, 5-6: “É a hora em que a
Eternidade / Dialoga a Imortalidade...” Eu não diria erro,
mas atrevimento. (Nesses atrevimentos era pródigo Álvares de
Azevedo, que cito adrede, pela admiração que lhe votava Castro
Alves.) Não conheço antecedente.
Em “A Maciel Pinheiro”, logo no
início, há um gerar intransitivo, que pode causar estranheza,
mas está rigorosamente correto.
“As Duas Ilhas”, 1.ª, 5-7: “Vê-se, por
cima dos mares, / Rasgando o teto dos ares / Dois gigantescos
perfis...” Creio que tem defesa canônica o verbo no singular,
considerada a possibilidade de um sujeito oracional...
Caso mais drástico é o da “Tragédia no
Lar”, estrofe 17, verso 4: “Viu-se então de Palmira os pétreos
ossos, / De Babel o cadáver de destroços / Mais lívidos de horror.”
Parece haver aqui, sim, um afastamento da norma. Um emergir da
regência preferida do povo – e, diga-se logo, defendida por Martinz
de Aguiar, penso que apoiado em bom fundamento. Por que a construção
com sujeito indeterminado é correta com verbo intransitivo ou
transitivo direto e não se pode aceitar com verbo transitivo? O
instinto popular prefere-a, com isso evitando a confusão com a voz
reflexa: “Vende-se galinhas”, “há políticos que se vendem”...
Alvitraria, contudo, explicação mais consentânea à lex: para
o autor, o sujeito não seriam “os pétreos ossos” e “o cadáver” (mais
adjuntos), porém o bloco íntegra e singularmente considerado, de “de
Palmira” até “horror”.
(A uma visada ortodoxa, os dois
últimos casos entrariam no capítulo “Concordância”.)
Beijar-lhe
(“Adormecida”, 4.ª, 4) e “Como filhos – chorando-lhe – os
penedos” (final de “A Cachoeira”) são talvez os únicos casos de
regência em que a defesa se vê obrigada a apelar, sem meias-tintas,
para o puro populismo...
Concordância –
Nossas edições não costumam ser plenamente
confiáveis. É preciso, pois, desconfiar mesmo quando encontramos um
erro “óbvio”. Na edição Nova Aguilar citada, lê-se em “Jesuítas”,
3.ª, 4: “O navio maltês, do Lácio a vela, / A lusa nau, as quinas de
Castela, / Do Holandês a galé / Levava sem saber ao mundo
inteiro / Os vândalos sublimes do cordeiro, / Os átilas
da fé.” Afigura-se claro que deve ser levavam, e é como
está na edição Saraiva de 1953.
Na penúltima estrofe de “Boa-Noite”,
verso 4, lê-se: “Que importa os raios de uma nova aurora?!...” Chama
a atenção o verbo no singular. Penso que há aí uma ectlipse não
assinalada (por lapso, naturalmente). E acredito que me dê razão a
7.ª estrofe de “Ao Romper d’Alva”, cujo verso 4 exibe construção
simétrica, em que se assinala com apóstrofo a ectlipse: “Que
importa’os dedos da jurema aduncos?”
2.
Supostos Erros de Versificação
Castro Alves tem sido para mim, desde
a iniciação poética, um gênio da imagerie na frase, um mestre
da arquitetura do verbo, um artista consumado da música do verso.
Foi, pois, com surpresa que deparei algures alusão a seus freqüentes
erros métricos...
Essa, em verdade, a razão desta nova
releitura. Intrigado, e inconformado, resolvi descobrir o que
poderia ter ensejado semelhante afirmação. Vou, pois, relendo e me
deliciando, mais uma vez, com os hexassílabos perfeitos, os
heptassílabos cantantes, os decassílabos heróicos e sáficos em bela
harmonia, os bem-ritmados eneassílabos e hendecassílabos (os de
“Crepúsculo Sertanejo” merecem menção especialíssima, por sua música
original), com a sábia alternância, notadamente nas sextilhas
formadas por decassílabos e hexassílabos, dos versos graves e
agudos, com o magnífico uso dos esdrúxulos, com as variações e
combinações rítmicas (“O Segredo” começa com uma seqüência de
curiosa liberdade métrica, polimétrica: versos de 10, 7, 9, 9, 6, 6,
10, 2, 10, 6, 7, 4, 6, 5, 10, 10 e 7).
E vou anotando os possíveis
escolhos.
Gralhas –
Alguma vez a suposta falha métrica não passa de erro
tipográfico. Em “O Fantasma e a Canção”, na edição tomada por base,
assim se inicia a 4.ª estrofe: “– Fantasmas! Aos grandes, que
tombam”. Sendo a composição setissilábica, há uma incorreção
aparente. É que se grafou desinência de plural descabida, já que o
fantasma é um só... O verso aparece corretamente na edição Saraiva
de 1953 (organização, revisão e notas de Frederico José da Silva
Ramos).
Em “Desespero”, 7.ª, 1, figura:
“Crime! Quem falou, pobre Maria”. O certo é, como consta da edição
de Silva Ramos : “Crime! Quem te falou, pobre Maria”.
Nas “Estrofes do Solitário” há um
verso, “E da tumba da ignomínia erguer um povo”, que, sem o e
inicial, ficaria perfeito; em nota, assinala Eugênio Gomes que, na
edição de 1881, aparece a variante “Da tumba da infâmia
erguer um povo”, em que aquele e faz falta, a menos que se
leia com hiato “da infâmia”. Em Silva Ramos: “E da tumba da infâmia
erguer um povo”.
Em “Versos a um Viajante”, na última
estrofe, consta “Noites de névoas, ao rugitar do sul”. Só
pode ser névoa, no singular, como figura em Silva Ramos.
Em “Diálogo dos Ecos” surge, quebrando
a harmonia dos setissílabos: “Que rolam tantos, tantos”. “Que
rolaram”, em S.R.
Em “Jesuítas e Frades”, um verso,
“Iroqueses, Tapuias, Incas e Tupis” fica à espera de mais ampla
pesquisa, pois não vejo o poema em S.R.
Gralha ou lapsus calami do
Poeta, em “Boa-Noite” o verso “Mas não [mo] digas assim por
entre beijos” (2.ª, 2) tem, nalgumas edições, uma sílaba a mais,
por ele mesmo riscada em exemplar da princeps, consoante
esclarece nota de Eugênio Gomes. Os poetas que se criaram no metro
não fazem esse tipo de confusão; seria isso impensável em Castro
Alves.
Diéreses e Sinéreses –
Embora a dicção de Castro Alves vá,
progressivamente, como já alguém observou, aproximando-se da que se
consolidaria com os parnasianos, há ainda nele versos em que se nota
certa frouxidão romântica (a expressão vai, naturalmente, sem
nenhuma conotação pejorativa; de resto, a prática do hiato não é
apanágio do Romantismo). Assim, encontramos em sua obra exemplos de
suarabácti: “Onde ao sereno a magnólia esconde” – “Versos de
um Viajante”, 4.ª, 1; “No estagnado céu murchara o vento”
(alternativa: leitura com hiato no início) – antepenúltimo verso de
“As Trevas”; “Aqui, na magnólia de Celuta” – “Os Perfumes”,
11.ª, 1; “E o Czar olha e sorri” e “Reptis saltam
condores”, setissílabos – “O Século”, 5.ª, 10, e 9.ª, 9; de diérese
(assinalo apenas algumas, das ocorridas entre sílabas átonas): “A
ortiga silvestre enrola em nós impuros” – “A Boa Vista”; “O
amor paternal, a castidade pura” – “Jesuítas e Frades”; “O
raio, quando esgalha / O ipê secular, atira ao longe”;
“Deixando-o depois triste e vazio” – “Desespero”; “Deixa-a
em paz dormir na solidão” – “A Cruz da Estrada”. Ainda: “Caos
de morte, inanimada argila” (pronúncia, de resto, etimologicamente
correta, e recomendada pelo dicionário de Aurélio Buarque de Holanda
– o que pode desqualificar o exemplo...), no bloco final de “As
Trevas”.
Em compensação, sinéreses como nestes
eneassílabos de “Remorso”: “Em tuas costas com medo de ti”,
“Mas tua fronte maldita encarando” e neste alexandrino de “O
Vidente”: “Senhor! vendo tua sombra curvada sobre o abismo”.
Rimas imperfeitas –
O poeta não hesita em rimar trilha com
família, no fecho de “A Luís”, nem refuga a rima fluminense
(lia o Casimiro das borboletas azuis a rimar com
braços nus) de “ventos suis” (plural anômalo...) com “cruz”
(“A Órfã na Sepultura”, 18.ª). Em “Ao Ator Joaquim Augusto” rima “vês”
com “lauréis”; em “O Vidente”, “sertanejo” com “brejo”:
remota influência, talvez, do espanhol, que não distingue entre ê
e é, esse tipo de rima não é incomum entre nós, sendo
encontrável até no parnasiano Bilac.
Síncopes e aféreses não
assinaladas – Castro Alves costuma
assinalar a síncope, mas às vezes se esquece de fazê-lo (ou o
copista ou o tipógrafo por ele). É o que se vê no setissílabo
“Também meu túmulo morreu”; embora não indicada, a síncope é
evidente.
Em “Adeus, Meu Canto” há síncope de
fato no verso “Também da orgia a coroa renegaste” (5.ª,
4), se bem que se pudesse imaginar uma sístole em orgia.
Mencionem-se ainda os versos “Há muita virgem que ao prostíbulo
impuro” (I, 9.ª, 1) e “Da nau civilização” (II, 10.ª, 7).
Outro exemplo é a ectlipse não
assinalada em verso de “Boa-Noite”, conforme lembrado no item
“Concordância”, da primeira parte deste trabalho.
Há pelo menos uma aférese nessas
condições: “Estamos na média idade. Arnês, gládio e armadura”
(“Poesia e Mendicidade”, III, 2.ª, 1).
Alexandrino Arcaico –
Armadilha para o aficionado ao alexandrino
parnasiano, que obedece ao padrão francês, é o alexandrino de Castro
Alves. Ele usa o alexandrino arcaico, também conhecido como
alexandrino espanhol pelo trânsito que tem entre os poetas que
escrevem em castelhano, língua que, pobre em palavras oxítonas, não
favorece a cesura medial divisória do verso em dois hemistíquios
hexassilábicos. Tal alexandrino se constrói pela mera justaposição
de dois hexassílabos; se o primeiro termina em palavra aguda, ou em
palavra grave seguida de vogal iniciadora do segundo, há
coincidência entre os dois tipos; caso contrário, não, e se o
escandirmos encontraremos, excluída a tônica final, não um
dodecassílabo, mas um verso de treze ou quatorze sílabas. O leitor
inadvertido pensará em erro...
Todos os poemas em alexandrinos de
Castro Alves, com a só exceção dos da parte 3.ª de “O Navio
Negreiro” (que pode não ter sido intencional, mas pura coincidência,
pois são apenas seis...), são afinados por essa cravelha. Vemo-lo em
várias composições, algumas de excelente qualidade: “Poesia e
Mendicidade”, “A Boa Vista”, “Pelas Sombras”, “O Tonel das Danaides”,
“Immensis Orbibus Anguis”, “O Vidente”, “Prometeu”, “Jesuítas
e Frades”, “No Monte”.
3.
Conclusão
Não encontrei os famosos erros de
linguagem que demonstrariam incultura lingüística. Muito menos
vislumbrei erros métricos. (E se os houvesse?) O Poeta continua em
seu pedestal, no Panteon de nossa Poesia, como um gigante do verbo. |