Antonio Olinto
Tempo de poesia
(Rio de Janeiro, 08 de junho de
2005)
É com palavras que se fazem poemas.
Com palavras e com letras, sons, riscos, traços, mas também com o
silêncio. Há um silêncio que segura versos, cesuras, ritmos,
tornando-os mais significativos. Sob esse aspecto, a boa prosa e a
boa poesia se ligam intimamente quando buscam pelo ser.
Um livro de pura poesia, como "Para
não dizer adeus", de Lya Luft, sugere posições e análises. A poesia
exige muito de cada palavra que se lhe entregue. Por não compreender
que é toda uma revitalização vocabular e todo um consumir de vida
que entram na feitura de um poema que muitos poetas chegam a um muro
intransponível em seus caminhos. Contudo, como dizia Jorge de Lima,
"mesmo sem nós a poesia continua".
Dona de uma prosa instigante, vejo na
poesia de Lya Luft uma força nova, com versos que vão além da
simples leitura e conseguem, com palavras normais, ligadas a uma
realidade quase dia-a-dia, alcançar uma nitidez realista de certo
modo tranqüila, embora sacudida de turbações, inclusive vocabulares.
Seus versos têm a medida justa e, ao
mesmo tempo, natural: detêm-se onde devem deter-se, encompridam-se
ou não de acordo com a respiração de quem os faz, juntando o
indispensável significado interno de cada palavra com a harmonia do
cântico ("poesia é a linguagem que canta", disse Paul Eluard).
Veja-se como, no poema "O rio do tempo", a música se desenvolve com
naturalidade e decisão, como quem dissesse; "O que é, é." Primeiro,
com dois versos; "O tempo não existe, nem dentro nem fora." Depois,
terminando:
"O tempo não existe. Sou apenas
o aqui e o presente, e o atrás disso,
como um rio que corre mas não passa
- pois ele é sempre, em mim, agora."
Um dos lados importantes da poesia de
Lya Luft é que ela se fixa num "ato de percepção" (no "aisthetá"
grego que veio dar na estética de Baumgarten que significa
simplesmente "ato de percepção"). Seus poemas vivem de palavras, que
a cercam, mas sua busca pelo ser precisa também de afastamento, como
nestes versos: "Renuncio às palavras / e às explicações./ Ando pelos
contornos,/ onde todos os significados/ são sutis, são mortais." Mas
como o tempo urge e ruge, não se pode permitir que ele fuja, e Lya
Luft pede:
"Se me quiseres amar,/ terá de ser agora: depois/ estarei
cansada./ Minha vida foi feita de parceria com a morte:/ pertenço um
pouco a cada uma,/para mim sobrou quase nada". Mesmo sabendo que as
palavras riem dos poetas, ao colocá-las num poema é como se as
domasse transitoriamente: está no seu poema "Limites": "Abro a
gaveta, e salta uma palavra: / dança sedutora sobre o meu cansaço, /
veste-se de indefinições, vagueia / no labirinto das ambigüidades. /
Acha graça de mim, que espero à frente / encontrar a solução dos meu
enigmas. / Tento uma geometria que a contenha / no espaço entre dois
silêncios quaisquer, / mas ela decide meus passos; peso de fruta /
no sono da semente, assiste à minha luta / quando a desejo
aprisionar, e às vezes até finge / que sou eu a senhora, a domadora,
a fonte, / As palavras riem dos poetas, pois são livres; / nós,
mediação incompetente."
Na poesia de Lya Luft, as vogais são
claras e influem poderosamente na composição dos versos, e na
cadência geral de cada poema. Essa pressão vocálica dá uma estranha
velocidade à junção das sílabas, e contribui para que o "tempo" do
poema apareça como solitário, música livre de limites. Esse "tempo"
criado pelo poeta infunde nas palavras uma série de emoções que são
a base do poema como tal, isto é, como não-prosa.
Na maioria de seus poemas conseguiu
Lya Luft abster-se de usar consoantes fortes ou grupos consonantais
(com "br", "gr", "dr") - só os utilizando em pouquíssimos trechos -
o que dá uma permanente clareza a seus versos. Leia-se este "Segundo
poema da cega":
"Homens são passos, e mulheres vozes
que se aproximam, param e se esquivam
sem criar raízes nesta treva.
Beijam-se às vezes como num murmúrio
e eu aperto meus lábios solitários
para depois, num mundo só de beijos,
pousar as mãos sobre meus olhos mortos
para que baixe nesses desamados
algum carinho, o medo."
A poesia de Lya Luft leva-nos à
compreensão de que as palavras continuam no seu pensamento afã de
vencer o desconhecido, para o qual, diz Lya, "estamos sempre de
partida, até o momento de sermos deuses".
Depois da publicação de seus livros
"Perdas e ganhos", em 2003, e "Pensar é transgredir" e o livro das
jovens "Histórias da bruxa boa", no ano passado, aparece agora este
volume de poemas, "Para não dizer adeus", todos editados pela
Record. Projeto de capa: Ecelyn Grumach. Ilustração de Lena
Bergstein e preparação de Tatiana Podlubny.
Link para Lya Luft
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