Alexei Bueno
Lavradio
Lavradio, título que reúne quatro
livros, ainda que mantendo uma essencial unidade, talvez represente
o momento mais emocionado, no entanto sempre contido, da obra de
Reynaldo Valinho Alvarez, um dos maiores poetas brasileiros de sua
importante geração, a mesma de outros grandes nomes como Ferreira
Gullar, Alberto da Costa e Silva e Florisvaldo Mattos. A poesia
brasileira sempre foi, indiscutivelmente, mais rica que o seu
alcance de compreensão genérica popular, e aqui usamos este adjetivo
com um sentido bem mais restritivo do que o normal. A maior difusão
de qualquer realização do espírito no Brasil é sempre de resultados
aleatórios, como no caso do grande poeta em questão, dos mais
premiados de nossa história literária, mas de presença sempre
discreta e pouco ostensiva.
O fato é que Lavradio representa,
seguramente, um dos grandes momentos da poesia publicada entre nós
neste início de século, mais especificamente no ano passado. O
primeiro dos movimentos dessa espécie de sinfonia verbal é o que dá
nome ao volume, referente à rua onde o poeta passou a infância, aos
pés do desaparecido Morro de Santo Antônio, no Rio de Janeiro.
Trata-se de memórias em verso, mais ou menos como as escreveu
Drummond em Boitempo, mas de maneira mais concentrada, com a
utilização de lembranças infantis do mesmo período, o da Guerra, que
produziu alguns dos mais marcantes trechos de uma obra como o Poema
sujo, de Ferreira Gullar.
Se “Lavradio” nasce especialmente do
fluxo memorial, “Noite sobre dia”, a segunda seção do livro,
centra-se na própria essência do poema, não como exercício oco da
metalinguagem em exaustiva moda nas últimas décadas, mas quase como
vivência salvífica do poeta no cenário dantesco da cidade. Reynaldo
Valinho Alvarez é poeta essencialmente urbano, na esteira de
Baudelaire e Cesário Verde, ligado a um certo expressionismo social
mal identificado na poesia brasileira, que parte de Cruz e Sousa,
atinge as grandes alturas de Augusto dos Anjos e chega aos dias de
hoje. O domínio técnico do poeta, invariável em sua obra, alcança
nesta seção notável eufonia e capacidade de projeção emocional.
“Janeiros como rios”, a terceira seção
do livro, com a qual o autor conquistou o prêmio Cruz e Sousa em
1998, compõe-se de oitenta sonetos, malha cerrada que descreve com
perfeição poucas vezes conseguida a vivência claustrofóbica do homem
moderno, mais do que isso, do homem esquizoidemente dividido pela
conflagração, como é aquele que vive, mal se apercebendo disso, na
nossa trágica metrópole cotidiana.
Fecho do livro e do quarteto de
seções, “Desembarque”, quase inteiramente vazado em decassílabos
brancos, ainda que com uma coda em cantabile mais lírico, retoma
todos os temas anteriores, e os sintetiza numa visão geral,
prenúncio da morte, panorama em perspectiva que nos lembra a
descrição quase vertiginosa que Proust dá da vida humana no tempo na
última página de seu insuperável roman fleuve. No fundo, Lavradio,
em sua aparente sobriedade, encerra em seus versos uma vivência
trágica, uma experiência aguda e pungente do real, perfeitamente
realizada enquanto poesia, como raramente a encontramos entre nós.
Leia a obra de Reynaldo
Valinho Alvarez
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