Cláudio Portella
Antologia traz de volta Cassiano
Ricardo,
o poeta de todos os ritmos
Prosa & Verso, 8.3.2003
Melhores poemas de Cassiano Ricardo, seleção de Luiza Franco
Moreira. Global Editora, 295 páginas. R$ 34
Lembro Régis
Bonvincino resenhando “Melhores Poemas de
Paulo Leminski”, com seleção de Fred Góes e Álvaro Marins. Recordo a
premissa cabal que ele levantou: salientar que o título da coleção,
Melhores Poemas, e aqueles em questão, mereciam aspas. Isso porque
toda seleção parte de uma ótica pessoal. Argumento óbvio. Imagino
que tenha sido mais um floreio de resenhista moderno. As voltas e
mais voltas até chegar ao ponto.
Pelo o que conheço
das coleções Melhores Poemas e Melhores Contos, dirigidas por Edla
van Steen, ambas trazem à tona apenas nomes consagrados da
literatura nacional. O que não isenta ninguém de escrever textos
sofríveis, nem de um selecionador optar pelos mesmos.
Não foi o caso de
Luiza Franco Moreira, responsável por selecionar os melhores poemas
de um dos maiores poetas brasileiros: Cassiano Ricardo.
Militância por mais de meio século na poesia
Cassiano Ricardo
militou na poesia por mais de meio século (militar é a palavra,
visto que ele nunca se acomodou em uma forma modal de fazer poesia;
transitando do Parnaso a Práxis). Essa antologia realiza um apanhado
de seus principais livros de poesia.
Luiza Franco Moreira
é catedrática. Professora de literatura comparada na Universidade
Estadual de Nova York, em Binghamton, e doutora na mesma disciplina
pela Universidade de Cornell.
Acredito que devido
ao academicismo da selecionadora a coleção ganhou um acentuado viés
formal; Luiza ressalta na apresentação da coletânea o valor de um
poema concreto em detrimento de um outro de apelo popular: “A mesma
naturalidade que faz o encanto de ‘Serenata Sintética’, em outro
poema da mesma época, ‘Relógio’, desemboca apenas em um lugar comum:
‘Desde o instante em que se nasce/ já se começa a morrer.’ Estes
desníveis de qualidade literária persistem por toda a obra de
Cassiano”.
Formalismo também
perceptível na escolha de poemas longos — “Eu no barco de Ulisses”,
“O elefante que fugiu do circo”, “Sonata patética”, “A mosca azul
(ou dourada?)”, etc. — e na prevalência da vivissecção do poema
“Serenata Sintética” — que aparece três vezes.
Não sei até que
ponto esse academicismo compromete o conjunto. Mas aponto um
elemento, o poema “Viagem em círculo (repetição)” (“a esperança me
o-/ briga a caminhar/ em círculo em tor-/ no do globo em tor-/ no de
mim mesmo em/ torno de uma mesa/ de jogo”) — de linguagem popular,
no lugar de uma das aparições de “Serenata sintética” (“Rua torta./
Lua morta./ Tua porta.”) — de um formalismo lapidado.
Quando falo do
caráter formal, fruto de um estudo primoroso da selecionadora (a
mesma lançou em 2001, pela Edusp, “Meninos, poetas & heróis”, um
estudo da poesia, da prosa e do jornalismo, do final da década de 20
e o início da década de 40, de Cassiano Ricardo), não entro em
questão de valor. Até porque Cassiano é um poeta maior seja quando
molda os versos com um bisturi ou com um lápis de ponta mal feita.
O que seria da
coleção sem os poemas de “Martim-Cererê”, em que o poeta canta a
nacionalidade brasileira de maneira quase operística? Sem o épico
“Eu no barco de Ulisses”?
Do Cassiano pop (por
que não?) — um monstro sagrado que não se escondeu atrás de
trincheiras, um soldado de vanguarda, acolhedor da poesia jovem que
pulsava e transmutava década a década — chamo atenção para os
poemas: “Depois de tudo”, “7 Razões pra não chorar”, “Prece cósmica”
e “As andorinhas de Antônio Nobre” (as duas últimas gravadas pelo
conjunto Secos & Molhados).
As poesias Concreta
e Práxis (o que dá no mesmo; pequenas sutilezas diferenciam tais
correntes) são representadas pelos poemas: “Desenho rupestre”,
“Campanário de São José”, “Serenata sintética”, “Gagarin” e
“Translação”.
Mais uma vez, Edla
van Steen fez uma escolha acertada da selecionadora; é um truísmo
falar da qualidade do poeta. Mais uma vez, a coleção Melhores Poemas
cumpre a sua tarefa de resgate. Voltemos ao começo...
CLÁUDIO PORTELLA é poeta e crítico literário
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