Eleuda de Carvalho
Entre o passado e o amanhã
[in Jornal OPOVO, 22.05.2005]
Um presente do Anuário 2005, O Pensamento Brasileiro de Clássicos
Cearenses reúne uma seleta de autores fundamentais, em diversos
campos da cultura
''A verdade é que quando um político
nos fala em direito, justiça, economia, liberdade, legalidade,
patriotismo, a impressão que se tem é quase a mesma que se poderia
experimentar ouvindo uma prostituta fazendo a apologia da honra e do
pudor''. Forte, não? Pesado mesmo. Poderia cheirar a naftalina, a
passado que tenha ficado lá, bem atrás no tempo. Mas os fatos
cotidianos nos mostram como a diatribe do filósofo Farias Brito
permanece atual, embora escrita há quase um século. O trecho faz
parte de um dos textos organizados pelo sociólogo Diatahy Bezerra de
Menezes para o livro O Pensamento Brasileiro de Clássicos Cearenses,
que acompanha a atual edição do Anuário do Ceará.
''Fiz o livro sem grandes pretensões.
Mas quis que a gente relesse estas figuras, que as gerações passadas
conheciam, para as gerações presentes, que não os conhecem'', disse
Diatahy. A escolha implicou critérios que justificassem o título,
isto é, pôr na roda as idéias de um punhado de escritores,
filósofos, juristas, homens de pensamento que, nascidos no Ceará e,
em muitos casos, permanecendo a vida toda na província, refletiram
muito além das fronteiras. De todos os tipos. Por força da edição,
Diatahy teve que excluir três autores, que ''ficaram guardados para
o próximo volume''. Para o próximo, então, Rodolfo Teófilo, Djacy
Menezes e Tomás Pompeu Sobrinho.
Deleite-se o leitor com José de
Alencar, Araripe Júnior, Capistrano de Abreu, Rocha Lima, Antônio
Bezerra, João Brígido, Clóvis Bevilácqua, Farias Brito, Gustavo
Barroso e Yaco Fernandes, reunidos neste livro, que traz na capa um
''Cangaceiro'' do artista plástico cearense Aldemir Martins. O
primeiro texto é o de José de Alencar (1829-1877), na verdade, o
prólogo da primeira edição de Iracema, o argumento histórico do
romance e a carta ao Visconde de Jaguaribe, a quem o livro é
dedicado. Além de identidade nacional e literatura, Alencar, também
deputado, comenta sobre o que é, para ele, a ''verdadeira
representação democrática'': ''Não basta ao poder que seja legítimo
e emane da sabedoria popular, é indispensável também que se inspire
nos preceitos e normas da lei nacional''. (Aliás, veremos que a
política dará o tempero à maioria destes artigos, versem eles sobre
literatura, cultura popular, filosofia ou crítica literária).
O segundo texto é do crítico literário
Tristão de Alencar Araripe Júnior (1848-1911), que atuou na
revolucionária Escola Popular, ao lado de Rocha Lima, Capistrano de
Abreu, Felino Barroso (pai de Gustavo Barroso), Tomás Pompeu Filho,
Domingos Olímpio, Clóvis Bevilácqua - a maioria, presentes neste
livro. A Escola Popular propagou as idéias modernas da época,
segundo Diatahy. Este grupo de jovens oferecia conferências
gratuitas sobre positivismo, filosofia, socialismo, na Praça do
Ferreira ou em salões da cidade. O texto escolhido de Araripe Júnior
foi o prefácio que ele fez ao livro Contrastes e Confrontos, de
Euclides da Cunha, sobre quem diz: ''A emoção anda muito por perto
da crosta da terra onde pisa. A frase encachoeirada, muita vez
convulsa, deu-me a sensação de que eu estava às voltas com um
escritor de raça''.
O próximo texto é de Capistrano de
Abreu (1853-1927), de uma das conferências dele, na Escola Popular,
em 1874. Comungando as idéias de então, ele culpa o clima quente que
nos impele à indolência. A par este viés ultrapassado, Capistrano vê
adiante: ''As causas do progresso dos Estados Unidos são muitas e
variadas, mas entre todas avulta o cooperar a mulher, tanto como o
homem, na obra coletiva''. Diatahy encanta-se com Capistrano, com
''o brilho deste homem, fazendo sociologia da arte numa época em que
ninguém falava nisso! Um matuto do sertão do Maranguape que não
tinha nem dinheiro pra comprar livro''.
Outro da Escola Popular, também
conhecida, primeiro como gozação dos detratores, depois encampada
nos compêndios, por Academia Francesa do Ceará, foi Raimundo Antônio
da Rocha Lima (1855-1878). ''O Rocha Lima foi a figura mais
inteligente de sua geração. Tinha uma grande vocação de filósofo,
mas era um atormentado, um depressivo. Morreu muito jovem'', pontua
Diathay.
Farias Brito (1863-1917) aponta a
causa de todos os males do Brasil: ''a falta de justiça''. ''País de
impostores, odientos e cínicos, algumas vezes perversos; país de
exploradores políticos; país de falsos legisladores - eis o que
somos''. O livro traz ainda Bezerra de Menezes (1841-1921), João
Brígido (1829-1921), Clóvis Bevilácqua (1859-1944), Gustavo Barroso
(1888-1859) e Yaco Fernandes (1914-1966). O Pensamento Brasileiro de
Clássicos Cearenses será lançado nesta quarta-feira, na sala da
presidência do jornal O POVO.
SERVIÇO
O Pensamento Brasileiro de Clássicos Cearenses -
Coletânea organizada e prefaciada por Eduardo Diatahy Bezerra de
Menezes. O volume acompanha, gratuitamente, o Anuário do Ceará 2005,
à venda nas bancas e livrarias por R$ 39,90 (assinantes do O POVO
pagam apenas R$ 29,90). O livro será lançado nesta quarta-feira, às
10h, na sala da presidência do jornal.
Leia a obra de Eduardo
Diatahy B. de Menezes
|