Soares Feitosa
"critica"
a
crítica de Rodrigo de Almeida
Wilson Martins ensina:
critica-se
o livro, não o autor.
Não dá para entender a catilinária do crítico
cearense, Rodrigo de Almeida, da editoria de Sábado, jornal O Povo,
de 03.01.1998, contra o também cearense, Alano de Freitas. Até
parece coisa pessoal. Se é, — ele diz que não! — o crítico
escolheu a tribuna errada e conspurcou o próprio trabalho. O
perigo não é o que comemos, mas o que de nossa boca sai
— alhures, há dois mil anos, um certo Cristo/Mateus, 15.10,
disseram. Como aperitivo, vejam o que o senhor Rodrigo de Almeida disse
de Alano, pessoa:
Deixa a idéia, então, de um
conjunto de poemas “arrumados” num monte de páginas encadernadas
e dobradas, somadas a algumas ilustrações e arquitetadas
num lançamento no Ideal, que é pra não perder a pose.
|
Falar em pose de Alano é mais ou menos como falar em “dinheiro
sobrando” do outro “monge”, o Alcides, o grande JAP, o José Alcides
Pinto. Presumo até que o Mateus dali de cima tenha escrito algumas
das bem-aventuranças de olho em Alano de Freitas: — Querem
saber como é a bem-aventurança dos puros? Perguntem ao meu
filho fiel, do Ceará, um certo Alano de Freitas, de profissão
poeta, teria dito Mateus
num apócrifo (inédito) do Mar Morto.
Fantástica é a ousadia do grande Alcides, nosso “franciscano”
vate, que, em Projeto Rural,
o Poema, faz a glosa, com aparente conhecimento de causa, do mote “dinheiro
sobrando”. As academias de ciências do mundo inteiro precisam empreender
urgente uma pesquisa ou até mesmo uma expedição científica
à vila de Estreito do Acaraú, esconderijo de Alcides, ali
bem perto de Sobral. Foi em Sobral, também às margens do
mesmo Acaraú, que os maiores cientistas do mundo, em sereníssima
missão, em 1918 comprovaram verdadeira a Teoria da Relatividade,
de Einstein. Eles têm que retornar agora, para descobrir de onde
o JAP captou essa estranhíssima sensação de dinheiros
ao bandulho, lá nele, Alcides. Aproveitarão uma paradinha
aos sóis e álcoois de Fortaleza, para, às margens
do riacho Pajeú, estudarem o fenômeno Alano, que de pura pose,
segundo o crítico de poesia, Rordrigo de Almeida, teria feito uma festa no elegantíssimo
Ideal Clube (as despesas, de vaquinha entre os amigos entre os quais Rodrigo
não, nem eu que sequer fui convidado, mas lamentei.) Ah, província,
só a pau! Voltemos à resenha de Almeida:
Irregularidade, fragmentação,
discursividade atônita e excesso do que dizer marcam Hemisfério
Translúcido, o novo livro de Alano de Freitas. Hemisfério
Translúcido - Alano de Freitas; Luzazul; 115 páginas; R$
15,00
Uma proposta crítica numa província cultural como Fortaleza
pode deixar alguém em posição delicada. Qualquer observação
mais dura, seja na música, na literatura, no teatro ou nas artes
plásticas, é capaz de gerar conflitos que muitas vezes são
desviados para o campo pessoal por quem a recebe. Difícil ver um
artista cearense aceitar pacificamente uma crítica - quando há
- contrária ao seu trabalho. A tradução se faz como
um ataque pessoal ao artista. Quase nunca é assim, bom que se saiba.
Essa (sic)
reflexão, que muita gente conhece mas poucas vezes se ouve, logo
surge quando pensamos na tarefa de produzir uma resenha crítica
sobre determinado livro publicado por um cearense, por exemplo. Quando
destacamos a necessidade de um maior rigor com o que vai ser publicado,
é porque desejamos a saúde de nossa literatura. É
certo que uma literatura se faz, como acertadamente já disse o crítico
Wilson Martins, com uma grande quantidade de publicações
de menor valor para que outra parte se sobressaia. [Rodrigo
de Almeida] |
Noutro artigo, do mesmo jornal O Povo, de 31.12.1997, o senhor Rodrigo
de Almeida repete o que já escrevera outras vezes plurais, porque
vive a enfiar no mesmo saco da incompetência todos os demais poetas
da província:
[...]
que o poeta e Pedro Henrique Saraiva Leão,
tendo a obra revista e analisada por alguns estudiosos, confirmando o estigma
de ser um dos poetas daqui de melhor trabalho com a língua portuguesa.
No restante, grosso modo, um infindável jogo de auto-elogio, produção
em excesso e literatura de menos.
|
Nem de longe me passa pela cabeça desmentir Rodrigo sobre as
altíssimas qualidades poéticas, lingüisticas, gramaticais,
vernaculares e de homem de bem: Pedro Henrique Saraiva Leão. Pedro
Henrique é bom não apenas nesta sepultura, a língua
portuguesa, como também em inglês, francês e alemão.
Um Poeta e Poliglota com pê maiúsculo. Agora, parametrar os
demais poetas da província, Carvalho e Artur inclusos, e o (também)
lingüista Luciano Maia, que domina perfeitamente todas as línguas
clássicas, todas as línguas neo-latinas, inclusive o português;
Luciano, considerado autor de língua romena, um dos únicos
no mundo, não nascido nas terras do conde Vlad; pois bem, botar
todos os colegas de Pedro Henrique Saraiva Leão na vala dos de menor
bom trato com a língua, um “instantim”, Doutor Rodrigo, o senhor
está na obrigação de provar o analfabetismo dessa
gente.
Porque agora o senhor me dê licença que eu vou provar o
seu, aliás, desculpe-me, para que não pareça pessoal,
que não é, mas vou provar os maltratos dos escritos seus
para com a língua de Alencar!
Lápis e papel, confira lá, por
seu favor:
O senhor construiu no primeiro parágrafo do seu escrito uma
reflexão
— as dificuldades do crítico na província. Esse crítico
é o senhor. Quem escreveu foi o senhor. Primeira pessoa, a-si-Rodrigo,
portanto. No segundo parágrafo, o senhor refere aquela reflexão,
sua, do parágrafo anterior, como sendo “essa” (sic) reflexão.
Pois o senhor maltratou o vernáculo. Vou aproveitar para lhe passar,
com humildade, a regrinha:
Os pronomes demonstrativos este: esse/aquele devem sua tripartição
à referência às pessoas gramaticais: este meu livro
(1ª pessoa); esse teu ou seu (de você) livro (2ª pessoa)
/aquele (dele, dela, deles, delas) livro 3ª pessoa” (Novo Manual de
Português, Celso Pedro Luft, Ed. Globo, 10ª ed., pág.
103)
Coloco esta preliminar (esta, por favor, veja se está correto,
minha preliminar, de mim, “de eu”, 1ª pessoa. Logo, “esta”; jamais
essa, nem aquela) para pedir que o senhor baixe um pouquinho a bola, e
desista de dar quinaus em seus colegas de letras, pois logo à frente,
nessa resenha o senhor desce a lenha no Alano, reduzindo-o a pó
de estrume de gato comedor de batata-doce com leite azedo, quanto mais
lava mais fede, uma injustiça, é o que se comprovará,
que Alano é Poeta! Continuemos, Almeida contra Alano:
A mais nova proposta aparece com o livro Hemisfério
Translúcido, do compositor, músico e artista plástico
Alano de Freitas. Trata-se de mais um exemplo que poderia, ou melhor, deveria
ter tido um melhor tratamento, uma revisão maior da poesia a ser
publicada. Uma edição de autor, daquelas que saem aos trancos
e barrancos por esforço do próprio poeta. Alano, vale dizer,
tem na autenticidade e no modo caótico de escrever uma marca, no
mínimo, instigante. Ele se engana, porém, ao transpor esse
universo para a poesia. Confunde ousadia com uma (sic) produção
poética indefinida, fragmentada e, pior, com alguns erros.
|
É valioso lembrar ao “professor” Almeida que esse “uma” está
ocioso e errado. “Confunde ousadia com produção”;
jamais “confunde ousadia com uma produção”. Cuidado,
doutor, Almeida, a língua é traiçoeira. Com certeza,
eu mesmo aqui cheio de cuidados, vou cometer 317 erros, e só me
atrevo à ousadia de criticá-lo porque é do seu feitio
rebaixar seus colegas locais, os de fora não. Comprovo-o:
Se Alano de Freitas possui um grande talento
nas artes plásticas e em algumas letras de música, pensa
muito baixo quando o assunto é poesia.
|
Rodrigo
transcreve um estrofe de Alano. E desce o sarrafo:
a lamparina chama
uma bruxa ao quarto
bruxuleando numa chama
espectro de brilho
de repente não
é bruxa é Léa vindo para ver se durmo
não e a colher
na boca do expectorante traz
na boca do espectante
com cuidado mete no sovaco
de mim febril um tercúrio
que da mertômetro
perdum termômetro
que de mercúrio
Ou isto é poema? — estarrece
Almeida.
Sim, doutor Rodrigo, isto é um poema! E dos melhores que já
li, entre os muitos dos autores de sua unção — todos eles,
os ungidos, de fora são, pois, para o senhor o único daqui
a salvar é Pedro Henrique Saraiva Leão, xenofilia rodriguense
em processo terminal!
Vamos lá:
a lamparina chama uma bruxa ao quarto
Este verso abre um poema rural ou suburbano, um poema de pobre, onde
uma lamparina acesa num canto de parede vela um quarto febril. Certamente,
o ar de fantasmas, de sombras e devaneios (bruxa), onde o quarto, a noite
horrorizada e o verso seguinte:
bruxuleando numa chama espectro de brilho
Espectro: os remédios, as bulas e suas drogas de “amplo espectro”;
o espectro de luzes, o disco de Newton, agora em fótons da modestíssima
lamparina (e único refúgio ao medo!) amarelando a noite —
uma densidade fantástica de imagens a nos preparar para o desenrolar
do tema, no próximo verso:
de repente não é bruxa é Léa vindo
para ver se durmo
Veja que desfecho, senhor Rodrigo! Um poema soberbo!, e o senhor ainda
tem a coragem de passar esfregões no Poeta! O toque lírico
da figura de Léa, abençoada Léa, mãe, esposa,
concubina, puta, sei lá o que ela é, uma santa ou uma freira
de caridade, talvez num covil da previdência pública, e que
também pode ser, ela, outra deserdada como a Lia bíblica
dada por Labão em pressa de desencalhe a Jacó e destinada (Lia/Léa) a sempre a ser “segunda”, a que verdadeiramente ama e afaga.
A Léa fértil, que Raquel nem tanto. Não está em jogo que seja Léa, Lia, Joaninha, Raimunda,
Francisquinha; basta o que o gesto lhe sugere. Continuemos, agora em profundo
respeito e homenagem ao Alano, Poeta, e aos leitores dele; por favor,
silêncio:
não e a colher na boca do expectorante traz
Verso que se emenda com os seguintes, em contexto de pesadelo, aos fuscos
da febre, o torpor que somente os iluminados sabem (e recebem) de suas
amadas, nas noites da palude, (e aproveite, senhor Almeida, e leia poema
meu Balançando Devagarinho; gloso este tema: os dons da mulher-fêmea,
a verdadeira, e seus afagos, dorme, menino)
não e a colher
na boca do expectorante traz na boca do espectante
com cuidado mete no sovaco de mim febril um tercúrio
que da mertômetro perdum termômetro
que de mercúrio. No transe, o poeta ainda nos dá conta de um “perdum”, perdão;
de um “tercúrio”, cura. A mão vigilante da amada, nem termômetro
físico necessariamente houve, um gesto só desvelo, ora colher
de expectorante, ora termômetro-mão-à-testa, mas sempre
a mão vazia ao sovaco (Tomé enfiando a mão descrente
na chaga aberta; Tomé, o mais crente deles todos; Tomé, que
se dizia descrente para forçar os outros a crerem que era Ele que
estava ali e que ele, Tome, exigia uma definição dos acomodados.)
E o gesto sem gestos, sem palavras, talvez nem exista Léa, nem
Tomé..., apenas Ele... e os herdeiros — nós, Rodrigo também
— da queda. Finalmente, o mercúrio a concluir em clave nobre o poema!
“...ego vinctus
ulnis et pectori
meæ matris substantiæ ejus,
continere et quiscere
meam
substantiam facio, et
invisibile
ex visibili compono...”
(in Der Geist Mercurius,C.
G. Jung) |
“...preso
aos braços e ao peito de
minha mãe, faço
minha substância
fundir-se com a substância
dela e
e repousar; e componho
o invisível a
partir do visível...” |
Alano,
vate-propheta, bicho traquino de muitas artes, foi beber na melhor
alchimia, oriunda de Hermes Trimegistus, quando este descreve as propriedades
do mercúrio: o elo fantástico entre a mãe e sua cria;
entre a fêmea, Selene (Lua) e o filho... daí, percurso longo,
até ...Édipo e cinco mil anos de mitos e de pura poesia que
o crítico cearense imaginou destruir de uma canetada. Alano, viva!
Releio o poema de Alano uma vez, dez, cento e nove vezes, e sempre me surgem
novas releituras; este o dom, novas leituras, da verdadeira Poesia, lição
de Benedicto Ferri de Barros, passo-lha, doutor
Almeida, por seu favor, com sua licença:
"O que autentica o poema
verdadeiro, a linguagem, o estado poético, é que ele não
pode ser parafraseado. Isto porque quando algo é verdadeiramente
poético, é tão caleidoscópico em seu significado,
que 1.001 versões possíveis em prosa deixam, ainda assim,
de captar
tudo o que ele pode exprimir. Ainda que a linguagem apropriada
da poesia seja o verso, e seu produto excelso o poema, o sentido poético
permeia tudo, inclusive a boa prosa. Foi o que fui sentindo ao acompanhar
a leitura de Os Poemas da Besta, de Soares Feitosa. Também aí
existe um efeito caleidoscópico que deve-se reproduzir de forma
diversa em cada leitor, e a paráfrase do que você tenha dito
nunca será idêntica nem se esgotará o que ali se pode
ler.”
Por isto, por isso e por aquilo,
Doutor Almeida, quando o senhor
encontrar
o mais humilde (e altivo!) dos poetas desta villa, um certo Alano, pergunte:
— És o ‘de Freitas?’ Se ele lhe responder: — Sim, o disseste!
Cale-se,
por favor; contemple-o com todo o respeito: o poema do mercúrio
(devo ao catilo-crítico a descoberta, como já disse, não
fui convidado ao lançamento “chiquésimo” no Ideal Clube de
pura pose) é um dos mais belos e profundos e autênticos textos
de Poesia verdadeira, de ampla navegação, de mar soturno,
que já se produziu nesta villa que alguns querem-na flamenga (apenas
para se dizerem “estrangeiros”) de Mathias Beck, mas se terminaram a render
aos encantos lusos, de Soares Moreno e sua índia, dona Maria Iracema
Helena de Alencar, ela, filha de Homero, o grego, e amásia de um
certo José que se dizia escritor a partir de Messejana, Ceará,
que ninguém lhe escreveu maior. Até hoje!
Leia Artigo
de Rodrigo de Almeida
|