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José Alcides Pinto


 

Projeto Rural



 


Eis que invento o amor
da fonte d’água.
E encho meu verso triste
de pura mágoa.
 


CANTO I
(Descrição)
 


Em primeiro lugar, procurar saber as condições do tempo: densidade e peso atmosférico. Averiguar os acessórios da carruagem, caso prefira o Poeta viajar por esse meio de transporte um tanto rude e romântico. Se isto lhe apraz, examinar cuidadosamente a malotinha do cocheiro: pode o mesmo conduzir um embornal de aguardente em seu estojo, ou sob o bolso interno da jaqueta.

A viagem deverá ser feita às 5:30 da manhã, já que as brisas matutinas tornam mais leve o trajeto do viajante. Os cavalos deverão ser atrelados ao carro às 4 horas, para não estranharem o repuxo das correias que os subjugam. O itinerário será o mesmo da BR-222, já que não há outro caminho que dê acesso à fazenda.

É preciso que o cocheiro seja prudente e domine bem o instinto dos cavalos, pois os dois animais são árdegos e há muitas éguas em cio por essa época soltas no campo. Ademais, a rodagem é assediada por veículos que partem de todas as direções: fazendas, aldeias, povoados, cidades, sem contar com os caminhões que conduzem o produto para a capital, e os coletivos das linhas regulares, pois nem todos sabem dirigir com habilidade.

O cocheiro deverá exercer seu ofício observando a marcha dos animais, para não incomodar o cavalheiro e sua dama, pois talvez o Poeta viaje acompanhado (nunca se sabe).

Sob hipótese alguma poderá esquadrinhar o interior da viatura, Esse detalhe é importante. A viagem é bem longa, são duzentos quilômetros maciços de estrada e talvez o Poeta precisa pernoitar no caminho, o que torna ainda mais embaraçosa a empresa.

A iniciativa do pernoite, ou a de parar a carruagem para um pouco de ar fresco, ao longo da rodagem, tomando depois por um atalho, à procura de uma estalagem, fica a critério do viajante. Prudente é saber que o pernoite na floresta excita a imaginação dos malfeitores (há sempre ouro enlaçando o pescoço de uma mulher bonita, e dinheiro sobrando nos alforjes de um cavalheiro que conduza semelhante dama).

Embora o Poeta porte duas pistolas automáticas, com duplas cargas, em seus apetrechos de campo, e o cocheiro, por sua vez, confiante em si, descanse, sobre os joelhos dobrados, um bacamarte de duas bocas, peça d’antanho mas de bom funcionamento, da sala d'armas do nosso cavalheiro, que o fez passar por duros exercícios, cinco semanas consecutivas, para que ele se habilitasse ao seu pronto uso em caso de necessidade - é quase certo que nem um nem outro, ante a ação dos bandidos, empunhará suas armas. Ambos estão muito ocupados: o primeiro, com o pensamento voltado para o magnetismo de sua amada, e o segundo atento à reação dos animais. E assim a diligência caminha segura sob a proteção de Orfeu e o resfolegar ancestral dos dois pégasos fogosos. E nada há que temer, a não ser o sobressalto que poderá advir do grito de uma ave extraviada na noite, à procura de abrigo, ou o esturro de um gato selvagem, extravasando sua tristeza ao luar. No mais, com algumas horas de viagem (dependendo da demora do pernoite) a diligência estará entrando nos limites das terras da fazenda. Por outro meio de transporte, coletivo ou particular, o cavalheiro chegaria à fazenda 3 horas menos um quarto, o tempo que uma serviçal emprega para cozinhar o almoço e preparar a mesa. Mas os poetas não possuem senso prático e as leis do amor são misteriosas e irreversíveis.

 

CANTO I I

(o mito)
 


Durante a viagem, ao passar pelas colinas, ao pé das montanhas, o Poeta observa pelas frestas da carruagem (um raio de sol derrama seu ouro sobre os brocados de um seio ofegante) o campo coberto de rebanhos e a agricultura dos algodoais.

O Poeta pensa nos faunos, nas ninfas, nos ídolos de terracota, nas estátuas de deuses pagãos, talhadas em bronze. Pensa nos exércitos guerreiros, nas conquistas das batalhas, no poder soberano dos reis coroados, nos príncipes venturosos e nos pajens solícitos e amáveis. Seu estro se levanta em labaredas e incendeia sua alma. Ele está inspirado. Retira do bolso do casaco o bloco de papel e a caneta. E escreve um longo poema intitulado RETRATO MURAL DE UM POETA AMIGO. Talvez o título seja modificado, mais tarde, quando concluir o poema.

Por enquanto, põe-se a rabiscar o papel, nervoso, vendo os animais que avançam pela estrada num galopar suntuoso e ritmado. Sente as mãos da amada, como duas asas partidas, rolarem sobre os seus joelhos. Ela dorme. O cansaço tomou-a. Sua respiração é profunda como o bocejo das águas paradas. E o vento que entra pelas frestas agita seus cabelos (dourados?). O Poeta está possuído de todas as virtudes. Contempla o corpo adormecido da amada. É como um tesouro cobiçado. Um enigma que só ele pode decifrar. E o poema cresce dentre dele como uma chaga que o tortura. Uma chaga, não obstante, virtuosa como uma estrela.

(Exórdio)


Em primeiro lugar,
Príncipe argênteo, que fazer contigo?
Que fazer para te dar o primeiro lugar entre os guerreiros mais audazes?
Que manto tecerei, com minhas débeis mãos, para abrigar-te das intempéries e dos icebergs?
Tua coroa de espinhos, sob o rigor dos flagícios, brilha como os astros e o ouro oculto das minas.
Tua túnica é mais cinzenta que o deserto e o pó do chão.
E teu pé, como o simun, destrói as dinastias
de reis e soberanos avaros, de monarcas e idólatras loucos.
Por isso a esfinge te espera com seu longo olhar estirado no tempo
porque um dia hás de voltar (e nunca será tarde, mesmo que não chegues).
Por enquanto, aquece-te neste sol e refresca-te nesta brisa
que a mão de Deus esparge sobre a terra dos homens.
A terra-mãe, tão suave aos nossos pés e ao suor do nosso corpo.
Ela que nos ampara e divide o nosso dizimo
e acolhe nossas moléculas em seu seio piedoso.

O plenilúnio se levanta, sangüíneo. Um sexo em mênstruo. Os animais cavalgam no dorso da lua. A carruagem voa. Desliza na amplidão gelada. O cocheiro está em pé e imóvel como uma estátua. E ouve o Canto de Orfeu e o Coro das Harpias.


ORFEU:

Eis que invento o amor
da fonte d'água.
E encho meu verso triste
de pura mágoa.


AS HARPIAS:

e pura mágoa
de pura mágoa:
eu verso triste
fonte de água.


ORFEU:

Meu Canto é triste.


AS HARPIAS:

Triste, bem triste.


ORFEU:

Como o amor
como a paixão
meu Canto fere
o coração.


AS HARPIAS:

O coração,
o coração:
fero punhal
cega paixão.
(O Poeta sai da carruagem com sua amada adormecida nos braços.)


O POETA:

Olhem: ela está morta.


ORFEU:

Ela não está morta.


AS HARPIAS:

Sim, ela está morta.
(O cocheiro sai de seu estupor.)


O COCHEIRO:

Por Deus! Ela apenas dorme.
(A Donzela desperta.)


A DONZELA:

Ele tem razão. Foi como uma vertigem. Um vinho muito forte. Sinto-me ainda entorpecida. Por acaso (fala para o armado) não foi o ópio de teus beijos que me embriagou?


O POETA:

Pode: o amor
- vinho mais forte
que a vil serpente
conduz à morte.


ORFEU
(Aproveitando a inspiração do Poeta)

Pode: o amor
licor fatal
provoca a morte
e todo mal.


AS HARPIAS:

E todo mal
e todo mal.
Quem ama sofre
pena letal.


O COCHEIRO
(Como que saindo de um pesadelo):

Senhor, a viagem!...


(O Poeta abandona seu enlevo, toma a amada nos braços e leva-a para a carruagem.)


O POETA:

Sim, continuemos a viagem.


O cocheiro olha o firmamento em torno. Por toda a parte pontilham as estrelas, radiosas. Ergue o azorrague, fustiga o quadril dos animais, que se mantêm imóveis, como petrificados. (Fala para si mesmo):
— É como se fossem blocos de gelo. Nem sequer movem a cauda. Minhas forças se esgotam.

O Poeta, ouvindo o seu lamento, põe a cabeça de fora e espia as harpias.

O POETA:

Elas estão sob o encanto de seu poder magnético.

(Dirige-se a Orfeu, que se mantém indiferente, como enleado num grande sonho. Exorta-o):


O POETA:

Orfeu, ergue-te do chão.
Leva as harpias contigo.
Preciso viajar.


ORFEU:

Para quem ama
pressa não existe:
o amor, Poeta,
nisso consiste.


AS HARPIAS:

Para quem ama
para quem ama:
o amor, Orfeu,
é pura chama.


(O Poeta, angustiado, pede a Orfeu que o ouça.)

O POETA:

Mito, teu Canto
me mete medo:
deixa que eu parta
antes primeiro.

Orfeu, emergindo das águas, move os braços dormentes. Recolhe as Harpias em seu sexo gelado. Atira distante o alaúde, que se parte. Fere o firmamento com um golpe da mão. Desaparece. Os animais relincham. Estão nervosos. Impacientes. Tosam, com voracidade, a messe da lua. O Poeta se oculta com sua amada no interior da carruagem. E a viagem continua.

 


CANTO I I I

(A magia)
 


A carruagem está perdida, na amplidão azul, vagando ao léu, como uma nauta. O cocheiro julga ver o carro de Elias imerso em fogo. Os cavalos nitrem, assombrados. Ele os subjuga a custo. E preciso avisar ao cavaleiro do perigo que corre. Mas recebeu ordem para não incomodá-lo. E nada pode fazer para evitar a catástrofe iminente. O "carro de fogo" se aproxima. E logo a carruagem é atrelada. E é como num pesadelo. Os astros giram em torno com seus anéis flamejantes. As carruagens caminham na direção de Andrômeda. Atravessam a Via-láctea, um colar de pérolas ardentes. Mergulham agora numa completa escuridão. É o limbo, pensa o cocheiro, que ouviu de sua mãe, quando menino, dissertação sobre o lugar onde iam as crianças pagãs depois de mortas. Ele julga ouvir um vagido, como o de um pagão. E uma forma imprecisa desenha em sua frente uma anatomia infantil. É o esqueleto de uma criança ou de um feto. Mas logo a forma macabra se desfaz ao sopro da respiração dos animais, que galopam a toda a rédea, sem obediência ao comando, como se tomados do mais terrível pânico. Entanto, rompendo as camadas homogêneas da escuridão, surge um olho oblíquo, em forma de um losango, ou da figura de um poliedro. Oscila um pouco para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo. Faz um giro sobrenatural em torno do seu próprio eixo. E desaparece no centro da formação escura, para incontinenti voltar ao ponto em que segundos antes se encontrava.

Agora o cocheiro visualiza melhor o olho inclemente e julga ser o de Zeus. Mas é como o de um monstro ancestral. Possui um disco transparente, de cores nítidas, que giram em órbitas tão perfeitas como se movidas por um dispositivo magnético. Não é um olho fixo, como o cocheiro supunha há pouco. Ele oscila com todo o conjunto de cores que sobressaem do seu interior, como os pistilos d'águado cálix de uma flor. Bem analisado, não é terrível, mas estranho à mente humana. Sua mecânica desconhecida (e original) infunde ao homem esse imenso pavor.

Os animais freiam seu impulso por si próprios diante de tamanho aspecto. Estão eletrizados, sob o jugo da forma colossal. Em verdade, é como se o sangue do seu corpo houvesse desaparecido, tamanha é a apatia em que se encontram.

O olho cresce. Dilata-se, integra-se na escuridão do limbo. Faz parte deste. Absorve as carruagens. Tudo agora é um todo e uno. Um sistema de leis físicas do universo. Mas, de repente, rompe os elos que o prendem, desloca-se na escuridão e caminha com a velocidade da luz, em direção à Terra. Os cavalos nitrem. O cocheiro toma as rédeas nas mãos apenas por hábito. Em verdade, não sabe o que fazer delas. Atravessam o arco-íris, uma extensa curvatura de bolhas d’água, sem cor. Ao aproximar-se da Terra, o "olho" dilata cada vez mais sua membrana. E um assovio corta o sopro do vento e suspende o ar que envolve o Planeta.

A carruagem está parada ao pé de uma colina, à margem da estrada. Rebanhos pascem no campo. Além, a agricultura dos algodoais. O cocheiro sacode a cabeça como se acabasse de acordar. Espia os pés inchados e dormentes. As mãos sulcadas por profundas estrias retêm coágulos de sangue ainda quente. Os cavalos estão apáticos, como que narcotizados: o olhar doentio, as crinas desbotadas. Toda uma estação se passou, sem que o cocheiro e os viajantes se apercebessem disso. E é preciso continuar a viagem, chegar à fazenda. Mais que nunca isso se faz premente. O cavalheiro abandona o interior da carruagem. Esfrega as mãos. A barba escureceu o rosto. O bigode, crescido, invade a boca. Espia o cocheiro e vê que ele também está barbado e com o aspecto de um velho, embora conte apenas quarent'anos. Os cavalos estão magros e exaustos. E volta ao interior da carruagem sem nada inquirir.

A amada desperta. E suas sobrancelhas, sobre os longos cílios negros, também cresceram. Ela tira do estojo de mão a pinça para depilá-las e demais acessórios com que retoca a maquilagem.
 


CANTO I V
(A canção do cocheiro)
 



Os pequeninos grãos de poeira, cor de ouro, com que o sol doura o campo, estão no rosto da amada. Também as pérolas do orvalho se acham ali. Ela retém, nos olhos, as cores de manhã. E, como as ninfas, seu hálito absorve o perfume da terra lavada pelas chuvas. Só ela tem o dom de ouvir os clarins da alvorada celestial e o Coro das onze mil virgens. Só ela pode descansar sobre o gume da espada do Anjo Gabriel. Seu coração está cheio de hinos sagrados e de réquiens. Mas os desejos do amor, fortes como as tempestades, fremem em sua carne. Ela possui uma natureza comum a todos os mortais. É feita da mesma argila. E pecado.

O Poeta descobre, em sua maleta de viagem, o poema Don Juan, de Byron. E põe-se a lê-lo, embevecido. Por um momento, esquece a amada, que morta de ciúme arrebata-lhe o poema das mãos e o destrói. O Poeta sente-se feliz com esse ato selvagem. Toma-a em seus braços, nervoso. Machuca-a, contra o seu peito, sentindo-lhe os seios túrgidos. Ela suspira. Geme. Chora. Debate-se. E, no espasmo final, contrai as sobrancelhas. A língua escapole para fora da boca. Todo o seu corpo freme. E o sangue do sol poente e a palidez da lua nova confundem-se no seu rosto.

Agora, a carruagem perdeu seu sortilégio. E pode caminhar. Os cavalos estão robustos e fogosos. E o cocheiro, como nunca, disposto a viajar. Ergue o azorrague e fustiga o quadril dos corcéis, que novamente se levantam do chão e parecem deslisar no imponderável. Em verdade, tudo é tão irreal, não fossem as montanhas, os vaies, os rios, as cidades que o cercam. Tudo o que era mistério dissipou-se. Nada mais existe no plano sobrenatural. A amada perdeu sua magia. Nem o Poeta é mais um cavalheiro lendário ou um fauno. São como os primeiros entes do mundo, filhos de Adão e Eva. E marcados com o estigma do pecado.

Os cavalos trotam sob o luar. Faz frio. O cocheiro usa sua capa impermeável. Embora com o comando das rédeas nas mãos, esquece que conduz a carruagem. Entrega-se a divagações. E inventa uma canção que vai cantando baixinho:

Um cavalheiro
e sua amada
é o que conduzo
não sei mais nada.

Outro dever
assaz não tenho
Que o de levá-los
com grande empenho


para onde quer
que queiram ir:
a mim só cabe
calar (e vir).


Por longa estrada
(desconhecida)
andei perdido
por toda a vida.


E eis-me agora
caminhar
de novo (errante)
a galopar.


Sobre este chão
que foge aos pés:
sob este céu
que corre ao rés.


Mas se o amor
é singular
a algum lugar
hei de chegar.


CANTO V
(O sortilégio)
 


O proprietário da fazenda, um homem, alto, magro, de braços compridos e secos, autor do PROJETO RURAL DA HOSPEDAGEM, anda de um lado a outro do alpendre da Casagrande, nervoso. Espia o relógio de pulso, que está parado. Folheia o calendário. A folhinha marca o último dia. O vento parece o haver destroçado, pois na realidade é abril. Ou o criado caduco talvez o haja utilizado para invólucro de cigarro.

O proprietário grita para o interior da casa: - Aprígio! Quitéria!

O criado atende. As pernas trôpegas, arrimado ao cajado. O cigarro de fumo picado, atrás da orelha, marca, no invólucro vermelho, a metade de um feriado.

Quitéria também aparece, tão velha quanto Aprígio. Entorta a cabeça para melhor ouvir o que o amo diz.

O PROPRIETÁRIO RURAL - Temos visita. Mas que mês?

APRÍGIO - Mas que mês?

QUITÉRIA (caducando) - Há tempos não se tira nesta casa o mês de Maria. Sinhá gostava tanto!

O PROPRIETÁRIO RURAL - Por certo se diz: "viver no campo é viver fora do mundo". Como saber o dia em que meu amigo chega?

(Bate o pé no chão, impaciente. Fala para a criada:) ô Quitéria, tira meu casaco de veludo do baú. Põe ao sol para soltar o mofo. Faz o grude do colarinho. Escova as botas. Cose a casa dos suspensórios. Põe tudo em ordem e em dia para viajar amanhã cedo.

APRÍGIO (ouvindo as ordens do amo) - Meu amo vai a cavalo ou a pé?

O PROPRIETÁRIO RURAL - Aprígio! São duzentos quilômetros de chão batido até à capital. Vou de cabriolé até Engenho Novo. De lá, tomo o trem das 9. A meia-noite, entro na cidade.

APRÍGIO - Meu pai levava trinta dias com um comboio de burros para chegar lá.

O PROPRIETÁRIO RURAL - Antigamente.

QUITÉRIA - Como Sinhá dizia, antigamente as casas dos botões eram bem feitas. As pressões bem pregadas. Os suspensórios não afrouxaram o elástico. As fivelas dos cintos não perdiam a cor.

(O Proprietário Rural tira um lenço preto do bolso. Enxuga os olhos marejados. Limpa o suor das têmporas. Passa o lenço no pescoço. Benze-se diante do imagem do Coração de Jesus, no alto da porta. Monta a cavalo e sai para o campo. Quitéria e Aprígio andam à-toa, perdidos no casarão, sem saber o que fazer).

De montaria pelos campos, vistoriando o gado e o rebanho de cabras, detém um instante o pensamento na visita do amigo. E conclui que é necessário tomar medidas antes de partir. É preciso deixar tudo em ordem. Os visitantes devem usufruir do melhor conforto, como se em sua própria casa.

O que mais o preocupa é a data da chegada do amigo, pois está de todo esquecido. Mal acaba de pensar, vê a diligência entrar nos limites das terras da fazenda. A carruagem vem solta, sem comando, trazida apenas pelos animais. O cocheiro está morto ou está dormindo. E não há ninguém no interior do coche. As portinholas batem. O vento as atravessa como um gemido.
 

Veja uma análise de Soares Feitosa sobre Projeto Rural: José Alcides Pinto, de coração pendido