O assombroso Cão do Segundo Livro
Não chamamos cão aos nossos cachorros. Cachorro aqui é cachorro, cachorra. Se macho, ganha nome de feras e coisas ferozes, indígenas de preferência: jaguar, jupi, tupã, japurá, corujo, canivete, clavinote, rompe-ferro; se fêmea, nome de peixe, peixe-fêmeo: baleia, piaba, tainha, biquara. Já foi assim, que o rádio e a tv foram chegando e... re... reescrevendo. O fato é que não chamo cachorro de cão. Nem cachorra de cadela. Cão, para mim (Deus me defenda seja para mim!) é o cabra-véio, o coisa, o capeta, o demõe (sempre com o nome errado, a espantá-lo). E, famosíssimo em todo o trecho (falo Nordestes, porque são muitos), o Cão do Segundo Livro. Livro? Que Livro? Que cão? Naquele Brasil rural, até os idos de 1950, o ensino primário, de mestre-escola (nada a ver com mestre-sala, do samba, por favor) dava-se em "Livros de Leitura", 1º, 2º e 3º livros. Havia o 4º, havia o 5º, mas ninguém tinha tempo a perder com tanta sabença. O Terceiro Livro, sabê-lo inteiro, mais as quatro operações, a tabuada de 9, multiplicar e dividir —, pronto, estava o cabra bem sabidinho, o suficiente a reparar no Sol, nas estrelas e ler o almanaque Bristol, o Capivarol, as Horas Marianas e o Lunário Perpétuo. Se quisesse ganhar foros de doutor, a ler o Almanach Garnier, carecia, sim, dos outros "livros", inclusa a Álgebra Elementar, de Antônio Trajano. Mas, no trivial, o Terceiro Livro dava de sobras! Patativa do Assaré fala do Terceiro Livro. Ariano também fala. Muitos falam. Todos falam. De muito de bem! Pois havia um cão, não o Cão Veludo (aquele cachorro que salva a criança e é morto por engano, poema de Luiz Guimarães), mas um cão-demõe, terrível, assombroso, abominável, horrendo. Era o Cão do Segundo Livro. Ainda dizemos por cá: «Perverso como cão do segundo livro!» Cresci dentro de uma escola. Minha mãe, parteira e professora primária, mantinha a escola dentro de casa. Ou seria o contrário, morávamos dentro da escola. A nossa aldeia, Vila da Telha, de Tamboril, atual Monsenhor Tabosa, CE, apenas duas escolas e duas professoras. Uma delas, minha mãe, Anísia, com as meninas; a outra, dona Lídia, com os meninos. O Estado do Ceará pagava o aluguel da casa da professora, desde que a sala principal fosse destinada à sala de aula. Nestas condições, fui criado, desde os primeiros dentes, dentro de uma escola. Se era bom? Bom até demais! Aí está a "pefeçora", Anísia, a mãe. O menino, eu, engatinhando em classe, revirando tudo, mas a "pefeçora" não dava folga. Reparem no olhar dela... Braba? Ora, mas espiem, total! Tudo misturado, meninas do ABC, da Cartilha, do Primeiro Livro, do Segundo Livro e do Terceiro Livro, a lição de cada uma tomada com disciplina e energia. Sim, o corretivo! Era de lei! A palmatória de angico, com um furo no meio (uma outra história que ainda lhes contarei!), a correr de mão e sobre mãos na sabatina do sábado, que não havia isto, naquele tempo, de sábados iguais a domingos, todos a lorotar e folgar. Eu, muito pequeno, a revirar tudo, doido por livros, figuras de livros, brincava com livros. Ah, meu caro leitor, ler é bom, que ninguém discute; mas espiar as figuras é muito melhor. O fato é que, quando escrevi, só aos 50 anos, retornei-me àqueles livros todos, mas só nas lembranças, afinal, escrevo de ouvido. O "Cão do Segundo Livro" imaginei-o de Felisberto de Carvalho, o autor mais famoso. Cito-o em Compadre Primo. Rodei Ceca e Meca em procura dos livros de Felisberto de Carvalho. Uma busca de mais de dez anos! Nada! Até que um belo dia, o pesquisador amazonense, Carlos Humberto Alves Correa, em SP, conseguiu não apenas o 2º livro, mas todos os livros de Felisberto. Façanha maior: digitalizou-os todos, um CD completo que guardarei (e divulgarei!) com o maior carinho. Sim, do 1º ao 5º, inteiros, Livros de Leitura, capas inclusas. (Quer ganhar uma cópia de todos? É só avisar, no Facebook, Soares Feitosa, no zapp 85-99989-1086 ou no email: jornaldepoesia@gmail.com Aqui está o famosíssimo e terrível Cão do Segundo Livro, de Felisberto, incluso o texto manuscrito, do original, para treinar a caligrafia. [Sim, com um detalhe, o texto "moral" havia de ser escrito, treinado e retreinado, à mão]. Em tempo: 90ª edição, de 1934, com um prefácio datado de Nichteroy, RJ, junho de 1891. |
Vejo agora, estarrecido, que aquele cão em meu poema Compadre-Primo não é o de Felisberto. A livre concorrência, já naquele tempo, cães e cães! Conto-lhes como foi, dois pontos. Felisberto era famoso, famosíssimo, mas havia outros autores, vasto era o catálogo da Francisco Alves! Outros, além de Felisberto: João Köpke, Puigari Barreto, Thomaz Galhardo, Francisco Vianna... quem sabe deles? Havia também o Erasmo Braga, parece-me que muito importante. (Os sebos cobram fortuna pelos livros de Erasmo Braga, parece que era muito importante; comprei não, estou doido não). Os livros que formaram todas as gerações (Machado, Bilac e Mário de Andrade) perderam-se. Bibliotecas? Rodei muitas. Inclusa a Nacional. (Resposta? Nem vestígio!) Deviam estar digitalizados, ao dispor dos pesquisadores. Como entender a religiosidade dos nossos sertões?! O que Canudos tem a ver com os livros didáticos de então? Claro que tem! Só tem! Isto mesmo, em que livros estudou o Conselheiro? O retrato daquele Brasil rural (ainda existente, por menos, é certo) está em Inocência, de Taunay, mas está sobretudo nos livros didáticos. Aquele fanatismo ameaçador, a religiosidade ibérica: tudo está lá. Não dá para entender o Brasil à margem dos livros didáticos. Volto a insistir: por que aqueles livros, todos, não estão digitalizados? Disse digitalizados, colocados inteiros na internet, em aberto, nada de senhas, nada de "cartórios", nada de comadres. A acessibilidade, só assim é que se legitima o conhecimento! Por que não? O Museu Didático Brasileiro - porque sim! -, vou já convidar o Carlos Humberto. Conto-lhes agora do outro cão, de outro livro, de outro autor, que não sei quem, que, juro-lhes, não inventei: Era uma vez um menino danado. Ernesto; era um Ernesto. Levei um grande susto quando escolheram um para Presidente. Quando vejo outro, indago-me: será este aí? Ernesto batia nos irmãos menores, zombava dos cegos e aleijados, desobedecia a mãe, resmungava contra o pai, fazia caretas para o avô caduco, tirava ninho dos passarinhos só pelo prazer de ver a destruição, amarrava chocalhos no rabo dos porcos, não estudava nem aprendia a lição. Em suma, "aprontava". Benzer-se de manhã bem cedo e quando ia dormir? Nem pensar. Um dia, levantou-se mais cedo que todo mundo e abriu a porteira do curral. Os bezerros mamaram todo o leite! O desespero de não ter o leite, nem o queijo, nem a coalhada da ceia numa sociedade tipicamente rural como era o Brasil de então. E, como se fosse nenhum o rol de maldades, Ernesto (ele devia ter uns oito anos, meu caro Abreu, Casimiro), tocou fogo no pasto, no mato seco, a macega, a paisagem estalando às chamas, mesmo que pólvora. Pronto! Foi o suficiente! No meio do fogaréu, o Cão aparece a Ernesto. Pega-o pela mão! O bicho?, terrível. Medieval. Fogo, brasa e enxofre pelas ventas. Chifres de demõe (que aqui não chamamos o Coisa pelo nome completo, dizemo-lo "coisa" e já nos benzemos…) e cascos de bode. Era um bicho largo e não um cão magrelo e citadino, como o de Felisberto. Ernesto, seguro pela mão do imundo, o cabelo nas alturas, todo arrepiado. A boca de Ernesto? Meio metro de boca, a campainha para um lado e outro, em tempo de saltar fora, num berro só! Então, o demõe diz que veio buscá-lo. Acho que a história teve um final feliz. Escrevo de ouvido, mais de 50 anos, sei lá quantos. Parece que as Santas Missões chegavam naquele exato instante, cavalaria americana a salvar o mocinho, bem na boca do fogo, antes que se espalhasse na fazendola inteira, queimando vivos todos os animais, toda a criação e espalhando destruição e morte. O frade apaga o fogo com o cordão de São Francisco, com as sandálias do santo, com as lágrimas do santo. Ernesto solta-se do cabra-véio e se converte. Transforma-se no menino mais estudioso de todo o trecho. Seria o Geisel...? [Quem sabe, ele também frequentador de cães, antes de ir embora, revogou o AI-5. Tê-lo-ia visto?!] Tenho que a história de Ernesto(s) é menos terrível que a de Felisberto, posto que antes da queda definitiva, há o monumental ataque pela graça, vide Crime e Castigo, na pessoa de Sônia, a prostituta, a mais doce e a mais mulher dentre todas as mulheres. Como conferir este outro cão de Compadre-Primo? Que livro quem? Estão todos mortos a quem eu poderia perguntar.
Fortaleza, 21.1.2005
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Dos leitores
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Vássia Silveira
From:
Vássia Silveira
Sent: Sunday, January 22, 2006 11:09 AM
Subject: Re: Texto novo no Nariz de Cera
Soares, que inveja do seu fôlego para a escrita! E que lembranças mágicas, esses livros. A história do cão (no segundo livro) é fantástica e adorei vc ter colocado as imagens dos originais (com o Português ainda lembrando o Espanhol: ella). Você está coberto de razão: por que não encontramos disponíveis, com facilidade, essas raridades, pedaços de nossa história? Abraço, Vássia |
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Bruno Cardoso
Muito bom este texto. Apesar de o Felisberto de Carvalho não ter feito parte da minha infância, fiquei com vontade de dar uma folheada neste Segundo Livro. É um tanto apocalíptica a história do cão, hein! Seria interessante ter todas essas obras digitalizadas, não só as didáticas, mas todos esses livros mais antigos que estão sumindo por aí - se bem que é meio chato ler num monitor, mas é melhor do que não ler! Abraço, Bruno Cardoso |
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Renato Suttana
Caro Soares: Realmente, fiquei impressionado com tudo isso. Essa história de colocar o demo em livros infantis não deixa de ser proverbial. Lembro-me de que, quando era criança (não nos 50, mas bem no início dos 70, quando só se pensava em Copa do Mundo), me caiu nas mãos um livrinho – as dimensões da capa seriam pouco maiores do que as de um cartão telefônico – no qual, a certa altura, aparecia a imagem de uma criaturinha mofina, toda coberta por uma pelagem preta, a qual lhe dava o aspecto de um macaco, o rabo comprido terminando em seta. Não sei que livro era aquele, e só me lembro mesmo da criaturinha, bem como, vagamente, de certa advertência de minhas tias (provavelmente o livro pertenceria a uma delas) para que não nos detivéssemos demais sobre aquilo – riscos, por certo, de emanações obscuras que nem era preciso mencionar. Como eu ainda não sabia ler, o medo teria de vir mesmo da imagem, que – veja –, já naquela época, com 4 a 5 anos de idade, só por se tratar do Cujo tinha o poder de nos infundir o maior dos respeitos. Agora você me aparece com esse Cão do Segundo Livro. Era o diabo mesmo, em pessoa, para os fedelhos do segundo ano aprenderem um pouco sobre a vida? Que pensaremos a respeito? No início, percebo que há ali, mais que patente, uma gota da mais pura tragédia – coisa para Sófocles nenhum botar defeito. Para onde fugir, depois que a rede foi lançada, por onde escapulir o pobre do moço? Ah, mas alguém poderia dizer: “Poderia ter recorrido ao mais Alto. Mas foi tentar resolver tudo sozinho, e em circunstância tão perigosa...” Excesso de confiança em si mesmo, pensaríamos... Mas esse é um que não olhou de perto. Repare no tamanho do maligno (apesar do aspecto fanfarrão e do jeitão folgado de quem está a sair para um baile à fantasia), se comparado ao do moço (no caso, môço, para sermos fiéis). Dava para manter a presença de espírito, não perder a cabeça? (Que o diga o santo Jó, tão experimentado nesses assuntos.) E vá explicá-lo a quem tiver 6 ou 7 anos de idade e se vir metido em semelhante enrascada... Ainda assim, fiquei pensando: se o rapaz tivesse escolhido matar o pai, seria poupado de ter de surrar a irmã, e de quebra não precisaria cair na bebedeira. No entanto não seria mais fácil (e menos catastrófico) se tivesse escolhido surrar a irmã? (Em minha época de menino eu não consideraria isso tão exorbitante...) Entretanto lá se foi ele, nobremente, a optar pelo auto-sacrifício, para dar no que deu. (A essa altura estará no Hades, discutindo com Édipo e outros acerca dos vãos esforços humanos para ludibriar o destino.) Mas o bom mesmo é o que vem em seguida, em caracteres cursivos, do qual você bem que poderia ter nos dado o corpo todo. Cito: “Meninos, a fabula que acabais de ler bem nos mostra que a embriaguez é o peior dos vicios, porque dá occasião a que se pratiquem todos os outros”. Imagine! Reflexões (e lições) sobre a embriaguez, quando o que está em jogo é 1º) o fantasma mais que concreto da morte, 2º) a possibilidade de um parricídio à queima-roupa, 3º) um ato de violência gratuita contra uma irmã... Dá muito o que pensar. E a não há que recorrer a Kierkegaard ou Gabriel Marcel, porque eles, no mínimo, nos diriam que há limites para tudo. E Derrida talvez preferisse discutir com o próprio Felisberto. De qualquer maneira, parabéns pela crônica e pela descoberta. A idéia de criar um Museu Didático Brasileiro na rede é perfeita. Já estou até sentindo saudade da velha “Caminho Suave”. Abraço forte, do Renato Suttana |
Ligia Tomarchio
From:
Ligia Tomarchio
Sent: Monday, January 30, 2006 11:47 PM
Subject: Re: Sobre " O cão do segundo livro"!
Olá caro amigo Soares Feitosa! Achei fantástico seu texto... Sempre muito bem humorado, de rápida leitura e os clássicos cutucões, desta vez, no "Ernesto". Grande achado de Carlos Humberto, os livros de Felisberto de Carvalho! Não estudei por esses livros, pois na minha época eram outros, que nem me lembro mais. É uma pena. Cheguei a guardar meu primeiro livro por uns bons anos. Quando minhas filhas nasceram, depois de mostrá-lo para elas, acabei por doá-lo para alguém, pois não teria mais serventia. Os livros, também eram outros. Não conhecia o texto de Luiz Guimarães, sobre o cão "Veludo". Estória fascinante e nos faz pensar na fidelidade de um cão ou cachorro, como queira. Eu tenho quatro gatos e uma cadelinha de nome Lucy. Costumo dizer que Lucy cuida de mim fisicamente, é uma verdadeira guardiã. E meus três gatos; Fred, Félix e Jacob e minha gatinha, Sacha, são guardiões da minha alma, evitando que energias negativas possam me atingir. É uma pena que associaram o "demônio" com o "cão"! Meu querido, espero não tê-lo aborrecido com tanta conversa vã, nada literária. Beijos carinhosos do meu no seu coração sempre alerta! Lígia |
Carlos Gildemar Pontes
From: <gildemar@lexpress.net>
Sent: Tuesday, January 31, 2006 9:19 PM
SEM POESIA O HOMEM NADA SERÁ Homem de aventuras, o Feitosa.
Meu compadre, quando leio seus
textos recheados de E olhe que o que mais gosto é abrir o esconderijo do menino e botar ele pra meninar. O cão do segundo livro eu já ouvi falar, mas sabe que não sou desse tempo, embora meu pai guardasse uma estante com as relíquias dos livros que estudou e das coleções que o galego vendia de porta em porta. Tesouro da Juventude, Histórias preciosas da infância, Conhecer, até a tal da matemática, que foi invenção de um grego cheio do mé, o papai comprava. E as figuras eram a delícia da imaginação. E tinha mais as noitadas de leitura de cordel, na janela que dava pra rua. Os vizinhos vinham escutar as novelas bem aconchegados em tamboretes. A escuridão na esquina era quebrada pela lua e a areia alva de praia da rua que mantinha o cenário perfeito. Alguns tomavam banho e punham alfazema pra fazer inveja aos outros. Meu pai lia e eu ouvia nem que num quisesse. E quando tinha história de cão, cruz credo, eu ficava arrepiado e via os olhos vermelhos em todo canto. Pra dormir era um sacrifício. O ranger do armador ainda dava um ar fantasia maior ao meu medo. Digo porque lembrei agora disso tudo. Você traz essas recordações graças ao seu modo de dizer, que às vezes é melhor que o dito ou faz com que o narrado seja melhor do que é. Ave, Soares!
Carlos Gildemar Pontes
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Abílio Terra Júnior
Prezado Poeta Soares Feitosa, estou me sentindo em pleno Nordeste, aqui em Brasília/Guará I. É um tal do pessoal "falar cantado", que é uma beleza! Eh, Brasilzão, de tantos falares e cantares, que dá gosto ouvir! Esse "Cão do Segundo Livro" devia mesmo amedrontar a meninada, pois era mesmo danado de ruim! Não deu nenhuma chance ao moço! E é mesmo um Cão ibérico, até nos traços, e sem esquecer a referência à origem árabe da lenda. O português é castiço, e quem o lesse devia mesmo aprender a usar os pronomes, nomes, e tudo o mais, com acerto. A capa é uma beleza: as uvas, o vulcão explodindo, a moça com trajes típicos a brincar com um gato, o jacaré junto ao cactus, o homem de barba e chapéu a executar o santificado ofício do plantio, nos remete a imagens perdidas em nosso passado e que nos tocam em nossa essência, preservada em seu espaço intocável, em nossa alma. A tua idéia do Museu Didático Brasileiro é excelente! Lembro-me do livro "Lalau, Lili e o Lobo", que iniciava uma seqüência de livros de leitura que me moldaram a infância, com histórias carregadas de emoção e sentimento. Quanto ao segundo Cão, que aparece para o danado do Ernesto, diga-se de passagem, merecidamente, é afugentado pela devoção de um frei, que devia ser quase santo, tal o seu poder, inclusive o de surgir na "hora H". O Ernesto se converte... mas se era o Geisel, meu amigo, antes o frei não tivesse aparecido! Deixo aqui o meu grande abraço, Abilio Terra Junior |
Vicente Freitas
From:
vincentfreitas@ig.com.br
Sent: Friday, February 03, 2006 10:43 AM Viva Felisberto de Carvalho! Recebo email de Soares Feitosa dando-me conta dos livros de Felisberto de Carvalho. Livros de leitura, utilizados nos ‘nordestes’ do Brasil, nos finais do século XIX até meados do XX. Eram ilustrados, tinham capas coloridas e eram ou são muito bem elaborados. Nicodemos Araujo, poeta e historiador, nascido em Bela Cruz, em 1905, afirma ter aprendido as primeiras letras através dos livros de Felisberto; Patativa do Assaré, idem. S.F., numa belíssima crônica intitulada ‘O assombroso cão do segundo livro’, nos dá conta que na escola, até os anos 50, meninos do ABC, da Cartilha, do Primeiro Livro, do Segundo Livro e do Terceiro Livro, eram misturados numa sala só [ai, Professora!] no entanto, a lição de cada um era tomada com disciplina e energia, graças, talvez, a palmatória de angico [mas como dói!] com um furo no meio, que todos nós sabemos muito bem sua serventia. Mas ele quer mesmo nos falar é do cão. O cão do Segundo Livro. Prefiro falar de cachorros. Que aqui pra nós cachorro é cachorro e cão é cão mesmo – diz-se sempre como sinônimo demoníaco – satanás, diabo, lúcifer, belzebu. O desprestígio moral do cão, afirmam, teria sido trazido ao Brasil pelos africanos, mesmo assim não há explicação convincente para o cão demoníaco. Segundo Câmara Cascudo, em Angola e na maioria dos idiomas bantos onde o português se projetou, a palavra fascinante para o negro insultar o companheiro foi sempre ‘diabu’. Só no Brasil há, na sinonímia, o cão, cão-coxo, cão-preto. Nos Açores, entretanto, o demônio é chamado cão-negro e cão-tinhoso. O certo é que o cão fiel, corajoso e valente das estórias populares não nos veio da África nem do Oriente. Segundo S.F., cão macho ganha nome de feras, se fêmea, nome de peixe. Luis Gonzaga, que a partir de 46, divulgou o Baião pelas estações de rádio do Rio de Janeiro, e depois por todo o Brasil, numa de suas músicas [Samarica Parteira?] diz também que cachorro de pobre tem sempre nome de peixe: piaba, tainha, traíra, baleia e por aí vai. Minha vizinha assegura – o nome de peixe da sua cachorrinha tem outra garantia: não ficar hidrófoba. Sua cadela se chama Piranha. E eu pensando outra coisa. Malvadeza. Coitada. Valeu, Francisco, sua crônica está um primor. E esses livros na internet é uma maravilha. Viva Felisberto de Carvalho. Grande e fraterno abraço do seu leitor Vicente Freitas 03/02/2006
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Hilton Deives Valeriano
Soares, seu texto - O assombroso cão do segundo livro - me fez pensar como a história pode dar margem para o processo literário e suas possibilidades criativas. O fantástico às vezes brota do fato real, tornando tênue a divisa entre a imaginação poética e a dimensão cotidiana da vida. Um poema para você ler:
O DESAMPARO DAS HORAS
Sobre a mesa rústica, a delimitação da vida se caracteriza pela podridão inicial de uma fruta.
Cadeiras vazias, acintosamente alinhadas, enaltecem a exatidão de gestos ausentes.
Portas fechadas encerram, cativas, convivências habituais (subtraídas pelas exigências peremptórias).
Tudo o que restou incompleto permanece à espera de seu término. Vestígios auferidos ao desamparo das horas. Hilton Deives Valeriano |
Teoberto Landim
Agora, poeta, você tem cada uma! resgatar Felisberto de Carvalho!... transportei-me pra Canabrava, dos Mourões, diferente, hoje, do Ararendá de todo mundo. Quando eu dizia que a aprendizagem da leitura nos livros" daquele tempo" havia uma motivação interna na estrutura lógica dos fatos ( que podemos chamar de "causa"; e depois um encadeamento destes acontecimentos em sequência que chamo de "consequência") compondo um todo harmônico, em que o leitor acredita como verdadeiro, mesmo sendo invenção, me olhavam com desdém. revivi isso no texto e nos "exercícios de leitura", que eu não denomino assim, mas de "exercício de aprendizagem". Fiz um reajuste no ensino de Língua Portuguesa, no Colégio de meu irmão (Colégio Irmã Maria Montenegro) onde dou ênfase à leitura, tudo parte do texto: leitura (oral e silenciosa); comentários(explicação); produção de texto (redação), e por último, a gramática, que, como fazia o mestre Padre Oswaldo, também era contextualizada. Mas o que eu queria dizer era que "aqueles livros devo muito minha capacidade e o gostar de ler, que já se tornou um vício em mim. um abraço, e desculpa tomar seu precioso tempo. Com o abraço Teoberto Landim |
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