Ferreira Gullar
Ferreira Gullar Conta Tudo!!!
Em entrevista
exclusiva, o poeta Ferreira Gullar fala de um montão de coisas ao
poeta e crítico literário
Weydson Barros
Leal. Veja alguns tópicos, quentissimos:
a) - ".......No processo do movimento concretista, eu, que sempre
fui uma pessoa muito crítica — e autocrítica — percebi que aquilo,
que se justificava pelo momento histórico, tinha-se esgotado, e que
caminhar na mesma direção seria destruir a poesia mesmo.
b) Eu digo isso por mim, basta você ver o que escrevi depois... Se
ainda estivesse naquilo, como o "coitado" do Augusto — que é bom
poeta, (e digo apenas o Augusto porque o Haroldo não é poeta — então
tanto faz que ele tenha ficado naquilo como não, porque como ele não
é poeta mesmo então nada se perdeu, assim como o Décio que também
não é).
c) ........eu teria ficado como ele, (Augusto) que depois dos poemas
que escreveu antes do movimento concretista — muito bons — virou
esse poeta aí, que fica fazendo tradução, fica falando pela voz dos
outros, quando ele era um poeta que poderia ter construído uma obra
muito importante. Ficou castrado. E eu acho que o Haroldo é o
principal responsável pela castração do irmão.
d) "Não existe o exercício da crítica literária porque não há lugar
onde exercê-la. Antigamente a gente tinha o rodapé de crítica, tinha
o Álvaro Lins que semanalmente escrevia sobre o último romance
publicado pelo Graciliano, ou o último livro de Contos do Breno
Acioly, ou o último livro de poemas do Jorge Lima. Isso sempre
estava lá. Mas os jornais acabaram com a crítica literária como
acabaram com a crítica de teatro."
e) E mais e muito mais! Verdadeira aula de poesia, leia e comente.
Matéria de maior importância para entender a literatura brasileira
dos últimos 50 anos!
Esta entrevista
foi publicada originariamente no Diário Oficial de Pernambuco que
mantém, por conta de muito idalismo do poeta Mário Hélio, um
excelente suplemento literário, de circulação mensal. Ei-la, na
íntegra:
Ferreira Gullar
nasceu eu em São Luís do Maranhão aos dez dias do mês de novembro do
ano de mil novecentos e trinta.
Foi batizado
como José Ribamar Ferreira, mas por ter-lhe sido atribuída, quando
ainda muito jovem, a autoria de poemas de péssimo gosto escritos por
um certo José Ribamar Pereira, resolveu adaptar o sobrenome de sua
mãe - Goulart - e criar um novo nome, inconfundível.
Até os 21anos,
quando mudou-se definitivamente de São Luís para o Rio de janeiro,
foi locutor de rádio, editor de revistas literárias e desenvolveu
sua cultura poética com leituras sistemáticas de poetas brasileiros
e estrangeiros. Autodidata no aprendizado do francês, foi em visitas
à Biblioteca Pública de sua cidade, à maneira de Rimbaud, que passou
a compreender a poesia moderna e deu os primeiros passos no estudo
da Arte.
Aos dezenove
anos foi premiado em um concurso de poesias promovido pelo jornal de
Letras e já publicara Um pouco acima do chão (l949), coletânea de
poemas com ressonâncias de suas leituras de adolescência, mas que
prenunciava o poeta de A Luta Corporal (l954).
A ida para o Rio
de janeiro foi para ele a única maneira de avançar sobre os espaços
não mais possíveis de encontrar em sua terra natal: "Primeiramente,
fugi. Fugi da quitanda, fugi da família, da vida sufocante e pouca.
Fugi pela poesia, inventei um mundo feérico e feroz. Um suicídio
esplendente: ateei fogo ao verbo, minhas vestes mortais, como se
fosse meu corpo. Não era. E sobrevivi, sobrevivi, sobrevivi. Abati a
poesia, calquei-a sob os pés, mijei nela. Lavei as mãos, vi-me
concretista, neoconcretista, enterrei o poema numa casa da Gávea. E
sepultei com ele a metafísica".
No Rio de
janeiro, colaborou em jornais e revistas como poeta e principalmente
como crítico de arte, sendo com estes os seus primeiros contatos
intelectuais. A partir d’A Luta Corporal fez parte do movimento
concretista com o qual rompeu para, em 1959, teorizar e liderar o
movimento neoconcretista. Em 1961, considerando o novo movimento
esgotado, dedicou-se à cultura popular, fazendo parte do CPC da UNE,
do qual foi presidente até o golpe militar de 1964.
Mas, a partir de
1962, seus textos já refletiam a preocupação em denunciar e combater
a opressão e as injustiças sociais. Reelabora então sua experiência
poética com textos de cordel até chegar aos poemas de Dentro da
Noite Veloz, de 1975. Em 1964 publica o ensaio Cultura Posta em
Questão, em que aborda temas de cultura popular, artes plásticas e
poesia, e em 1969 reaparece com Vanguarda e Subdesenvolvimento, onde
teoriza novos conceitos para uma vanguarda estética.
No teatro,
Ferreira Gullar escreveu , em parceria com escritores amigos, peças
que também abordavam a situação social do povo brasileiro: Se correr
o bicho pega, se ficar o bicho come (l966), com Oduvaldo Viária
Filho; A saída? Onde fica a saída? (l967), com Armando Costa e A.C.
Fontoura; e Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (l968), com Dias
Gomes. Em 1979 editou a peça Um rubi no umbigo.
Exilado do
Brasil em 1971, Escreveu em Buenos Aires, em 1975, o livro que
marcaria toda sua obra, Poema Sujo, publicado em 1976. De volta ao
Brasil, publica Antologia Poética e Uma Luz do Chão, em 1978, e Na
Vertigem do Dia, um novo livro de poemas. Em 1986, lança Crime na
Flora, reflexões escritas ao longo dos últimos trinta anos, e em
1989 publica Indagações de hoje e A estranha Vida Banal. O seu
último livro de poemas é Barulhos, de 1987.
Hoje, o poeta
Ferreira Gullar divide seu tempo entre poemas, análises e reflexões
sobre artes plásticas escolhendo escrever rigorosamente sobre o que
lhe apaixona; em aparições — quando convocado, no plenário do
Conselho Federal de Cultura (órgão fictício na gestão do atual
governo) e como consultor e redator da Rede Globo de Televisão
realizando textos e adaptações para mini-séries e especiais. Até o
início de 1995 foi presidente do IBAC (Instituto Brasileiro de Arte
e Cultura), de onde saiu, por conspirações astrais, com larga
cobertura da imprensa.
Esta entrevista
foi realizada nos últimos dias do mês de novembro de 1995, na casa
do poeta, no Rio de janeiro. No primeiro dia de anotações e
gravações conversamos cerca de quatro horas ininterruptas, numa das
salas de seu apartamento, em Copacabana, cercados por livros de
poesia, filosofia, artes, por desenhos e pinturas de artistas amigos
(e do próprio poeta) e, no final, na silenciosa companhia de seu
gato.
Devido a
trabalhos de instalação e ampliação de uma nova rede de cabos
telefônicos e de televisão realizados em toda área do bairro, grande
parte da entrevista se deu, mesmo a janelas cerradas, com o ruído
intermitente de britadeiras dois andares abaixo da janela onde
estávamos. Este fato, entretanto, não alterou a delicada atenção com
que o poeta, às vezes deitado em seu sofá, sempre respondeu a todas
as minhas perguntas. Não houve, antes ou durante a entrevista,
restrições a assuntos ou a aprofundamentos em temas que pudessem ser
considerados incômodos ou indelicados. Todas as questões, pronta e
satisfatoriamente respondidas, refletem o poeta ousado, o homem
irreverente e o pensador polêmico que resumem toda a experiência
histórica do poeta Ferreira Gullar. Um homem simples, afável, de
firme personalidade, mas que não perde, em nenhum momento, a
oportunidade do humor ou o halo da delicadeza em seus gestos e
palavras. Um poeta como poucos no resumo da melhor poesia
brasileira. Um poeta referencial na história recente da poesia
moderna da América Latina e do mundo. Um poeta-maior para os olhos
que sobre o século vinte buscarem arem uma obra de força, de
esperança e de vida.
Weydson — Há uma geração de poetas, posterior à sua, para quem os
referenciais literários são completamente diversos dos chamados
"luminares" da poesia moderna brasileira. Fale um pouco sobre isso.
Gullar — Na verdade, é uma geração que absorveu uma certa desordem e
deu a ela uma ordem que é diferente da nossa. Para eles, Quintana,
por exemplo, tem uma importância muito maior do que Drummond e
outros que foram os orientadores, os "luminares" da nossa geração. O
Quintana tem mesmo algo muito pessoal, é um poeta muito interativo,
que tem muito humor, ele é diferente... E é por isso que eu também
acho importante abrir a discussão, torná-la um pouco mais aberta a
coisas diferentes da gente.
Weydson — E qual, então, seria a importância de Mário Quintana
dentro do contexto da poesia moderna brasileira?
Gullar — Bem, como se sabe, eu sou de São Luiz do Maranhão, e quando
eu li Quintana pela primeira vez eu era bem garoto - numa antologia
que caiu na minha mão e tinha alguns poemas dele, eu decorei alguns.
Foi um poeta que me chamou a atenção, embora eu não tenha muitas
afinidades diretas com ele. Mas uma coisa eu combato, e que é um
problema que continuamos a ter na literatura brasileira: a tendência
ao exclusivismo. De repente, o único romancista é o Graciliano
Ramos, aí os outros desaparecem: então o José Lins "não tem
importância nenhuma", nem o Jorge Amado, nem o Schmidt, nem o Ciro
dos Anjos...
Weydson — Seria a tendência à moda, no Brasil?
Gullar — É... Uma época é Drummond, e desaparece todo mundo em
volta; aí é João Cabral, e desaparece todo mundo em volta. Essa
coisa é que é empobrecedora da literatura. Em outros países isso não
existe; é uma coisa muito brasileira... Na verdade, cada poeta é um
meta, não tem esse negócio de hierarquia. Há coisas que o Quintana
diz que só o Quintana diz; há coisas que o João Cabral diz que só o
João diz; o que o Drummond diz só ele diz, compreende? É claro que
existem poetas que têm mais complexidade, que têm mais riqueza, mas
você não pode medir por isso, porque assim você termina empobrecendo
a literatura, estabelecendo hierarquia e desconhecendo o valor real
da criação literária.
Weydson — Numa entrevista recente, você disse que escreve
esporadicamente, e só quando tem "algo novo a dizer". Você acha que
o que difere o bom poeta dos demais é esse discernimento na hora de
escrever?
Gullar — Sim, claro. Eu não estou querendo estabelecer um
"democratismo" que inclui tudo. Mas eu acho que de um determinado
patamar em diante todos são poetas, quer dizer, quando você chega no
patamar de Vinicius, Jorge de Lima Murilo Mendes, Drummond, todos
são poetas... Eu me lembro quando comecei a ler Murilo Mendes — eu
era garoto em São Luiz — Mundo Enigma, Poesia Liberdade, eu achei
aquilo tudo deslumbrante. Eu deitava na minha rede, à tarde, e punha
do lado uma pilha de livros. Todos os dias eu lia Manuel Bandeira,
Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima. Eu adorava todos eles. Eu
não estabelecia aquela coisa de que um era melhor de que o outro.
Quando eu lia Bandeira, eu gostava daquela emoção contida, pura;
depois eu pegava o maluco do Murilo Mendes e lia aquelas coisas: "as
nuvens jogam boxe"..., depois ia para Drummond, aquele troço mais
denso... Eu sempre procurei passar pros jovens, depois, quando eu já
estava mais experimentado, essa idéia da pluralidade, sempre a idéia
da pluralidade.
Weydson — E nessa época de S. Luiz, ainda dentro dessa idéia da
pluralidade, você chegou também a conhecer poetas estrangeiros?
Gullar — Sim, claro. Alguns eu já havia tido oportunidade de
conhecer. Foi aí que eu comecei a aprender francês por minha conta.
Pegava umas traduções. Um dia um amigo me mandou as Elegias de Duíno,
e eu adorei o Rilke. Agradeci com uma carta entusiasmada dizendo
"que poeta maravilhoso", daí eu saía atrás de outros livros desse
poeta. E assim, nessa procura, eu fui conhecendo Valéry, Rimbaud,
Mallarmé.
Weydson — Que poeta, ou poetas, você recorda de ter, nessa época,
mexido realmente com você?
Gullar — Na verdade, não foi um ou dois. Alguns poetas me revelaram
o que era a poesia. Porque o fundamental é saber "o que é a poesia".
Você nunca chegará a Teresina se não souber pra que lado fica
Teresina. Eu não digo que a poesia seja uma coisa definível, mas
você tem de saber o que é isto: "aonde eu quero chegar"; ou seja,
esse "aonde eu quero chegar" tem de existir. Eu me lembro quando li
Fernando Pessoa, Drummond, Valéry, e alguns versos me marcaram ao me
mostrar o que era a poesia, como quando Valéry dizia: "Beau Ciel,
vrai ciel, regardez-moi, qui change". Isso não é apenas uma idéia,
mas a sua colocação diante da realidade...
Weydson — Este é um poeta que me interessa, nesse momento, por me
parecer extremamente cerebral, de uma poesia muito elaborada, até
certo ponto contida. Em que momentos a sua poesia sé aproxima da
dele?
Gullar - Ele é cerebral mas também existe uma lenda em tomo de
Valéry. O poema "Le Cimetíère Marin" (0 Cemitério Marinho), por
exemplo é um poema altamente comovido. Veja bem, uma coisa é a
elaboração, é a atitude do poeta em relação à poesia e aos seus
meios de expressão, que em alguns é mais cerebral, mais
racionalizado, mas, seja de quem for, se ele não se comove não
existe poesia. Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A
poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não
desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é
comover. Porque não há um conhecimento, algo que se ganhe através da
poesia, o que ela faz é nos comover. É uma mentira que nos comove.
Afinal, a realidade do mundo é insuportável. Por isso se faz poesia,
se faz arte, se faz música, etc.
Weydson — Então a poesia, como a arte em geral, é uma forma de fugir
da realidade?
Gullar — Eu não diria que é uma forma de fuga, porque ao mesmo tempo
ela procura tomar a vida possível. Ela não quer sair da vida. O
homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter
coragem de viver. Além disso, há o fato de que o homem nasce pra
morrer. Então, nada tem sentido. E por isso a religião existe,
porque ela é a resposta para isso, porque ninguém agüenta...
Weydson — Você tem religião?
Gullar — Não, infelizmente.
Weydson — Por que "infelizmente" ?
Gullar — Porque é bom ter religião. A religião é que alivia você
desse pesadelo de que o cara nasce pra morrer. Entremente, você ama,
faz poesia, se diverte, faz o que quiser. Agora, numa certa altura
da sua vida, quando você leva uma porção de cacetadas é que a morte
passa a existir - porque no começo a morte é apenas ficção: você
sabe que se morre, mas você não pensa que você vai morrer — mas no
momento que ela passa a existir, no momento que morre seu filho, aí
é verdade... Na hora que morre o seu amigo querido, aquele que lutou
com você, que era seu companheiro (ou sua companheira) e que não
existe mais, aí...
Weydson — Apesar de dizer que a morte era um ficção, em toda sua
vida — pela própria condição de intelectual contestador, poeta,
pensador, em épocas de ditaduras e regimes totalitários — você
esteve sempre no limite do risco de morte, ou muito próximo desse
limite...
Gullar — A morte é um tema permanente em minha poesia, e eu sempre
achei insuportável ter que morrer. A minha poesia está cheia disso,
dessa luta com a morte. Mas, hoje, olhando bem, eu vejo que aquilo
era brincadeira. Porque eu nunca tinha sentido de fato a morte, eu
nunca a tinha palpado.
Weydson - É mais fácil, então, escrever sobre a morte quando não a
sentimos tão próxima?
Gullar — Até o amigo, ela ainda é suportável; o negócio é quando
você perde um filho... Porque no fundo, esse é o processo da própria
vida. E talvez o homem seja constituído de maneira a não conhecer a
realidade toda de uma vez, porque, assim, acho que ele não
agüentava...
Weydson — Isto quer dizer que o conhecimento da "verdade" seria
insuportável?
Gullar - Mas a verdade absoluta não existe...
Weydson — Então como funciona, a seu ver, o processo da criação de
tudo?
Gullar — Eu sou uma pessoa perplexa diante do absurdo da existência.
Quando eu ouço na televisão que todo o sistema solar é algo em torno
de O,2% da massa do sol e que o sol é uma migalha no que se conhece
do universo, é uma loucura... (risos) Então o que é meu gatinho
(mostrando o seu gato no tapete) dentro disso tudo? Essa idéia de
que houve um tempo em que era o Nada é um absurdo, não é possível
imaginar que algum dia era Nada... mas é fascinante imaginar que
cada um de nós faça parte dessa coisa extraordinária que é o
universo.
Weydson — No início de sua vida literária, a forma fixa era algo que
você dominava e utilizava com freqüência. Em que momento você
percebeu que o verso livre era o seu verdadeiro meio de expressão?
Gullar — Eu tinha, de fato, um grande domínio das formas clássicas,
como o soneto, e toda a métrica e rima, que eu aprendi e exercitava
sozinho. A tal ponto, que eu falava em decassílabo. Porque isso é
uma coisa que você assimila, e, quando eu percebia, estava falando
realmente em decassílabo. Quando eu descobri a poesia moderna,
quando chegaram seus principais sinais nos suplementos literários em
São Luiz, eu fiquei espantado, nos primeiros momentos. E minha
primeira reação foi rejeitar aquilo. Eu achei estranho aquele
negócio de "lua simétrica", de Drummond, e dizia: "Poxa, que troço
esquisito esse!" E não só a adjetivação, mas também o uso das
palavras. Palavras banais usadas em poesia... Então eu tratei de
buscar explicação para aquilo. E comecei a ir à Biblioteca Municipal
e procurei ler livros sobre a poesia moderna. Foi aí que eu descobri
O empalbador de passarinhos do Mário de Andrade, Cinzas do
Purgatório, do Otto Maria Carpeaux; Álvaro Lins, etc. Fui lendo os
críticos modernos e fui entendendo o que era aquilo. E eu vi que
aquele "troço" tinha sentido. Que aquilo não era nenhum disparate.
Foi exatamente na época que eu havia publicado o meu primeiro livro,
Um pouco acima do chão, que é um livro ingênuo, um livro imaturo,
mas que já possuía alguma coisa livre. O fundamental é que eu
descobri por que havia o verso livre... Eu me lembro que nessa época
eu li uma frase que era atribuída a Gauguin, que dizia mais ou menos
isso: "Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a
pintar com a mão esquerda e quando eu aprender a pintar com a mão
esquerda, passarei a pintar com os pés". Essa frase teve uma enorme
repercussão na minha cabeça porque aí eu vi que a poesia que eu
tinha feito até ali era uma poesia de habilidade, do domínio técnico
e que a verdadeira arte — que eu acabava de descobrir — tinha de ser
a invenção de sua própria técnica. Por isso eu não podia mais me
ater a normas prontas, eu tinha de descobrir no processo a forma do
poema, e esta é, enfim, a essência do livro A Luta Corporal.
Weydson — Cada poema passaria a ter uma estrutura própria...
Gullar — Bem, cada poema, que nasce de uma experiência, de uma
emoção, de uma descoberta, tem que gerar sua própria forma. Então,
no fundo isso significava que eu rejeitava os macetes, a habilidade,
a própria sabedoria técnica, soluções prontas para serem
transferidas de um poema para outro. Mas isso era uma proposta
fáustica, uma loucura, ou seja, eu radicalizei a atitude da busca da
forma nova de tal maneira. Logo, A Luta Corporal é um livro em que
num primeiro momento eu ajusto contas com a poesia clássica e faço
uma serie de poemas em que violento suas normas e não uso mais
metrificação ou rima, como é o caso dos "poemas portugueses". A
partir daí eu começo a buscar uma outra coisa. Agora, o interessante
é que quando eu me livrei daquelas formas eu descobri o mundo.
Weydson — Fale um pouco dos poemas portugueses...
Gullar — Quando eu me lembro dos poemas portugueses, a maneira, com
que eu os elaborava, eu vejo que só cabia neles o tipo de matéria
que era a deles. Eu só via no mundo o que cabia neles, o que cabia
na minha técnica, o que sabia na minha linguagem. O que não sabia eu
não via. Resultado: quando eu abandonei a antiga linguajem eu vi o
mundo só que eu vi o mundo sem explicação. Um mundo inapreensível,
que eu não podia formular. Foi aí que eu comecei a buscar, num
esforço louco, a minha nova formulação. E para isso eu me apoiei em
quem? Eu me apoiei nos poetas que eu acabava de descobrir: em
Drummond, em Fernando Pessoa, em Murilo Mendes, em Mallarmé, em
Rimbaud, enfim, em tudo que constituía a minha nova cultura poética.
Weydson — Você já deixou claro, em várias oportunidades, uma
preocupação permanente com o construir-se do poema, com seu processo
de construção, mas parece-me que você também não abdica da sensação
— o que veio a ser um dos problemas, a meu ver, do concretismo, com
uma perigosa perda da emoção. Você nunca temeu, em nenhum momento,
uma diminuição dessa emoção, em nome de um racionalismo exagerado?
Gullar — Eu nunca fiz poesia a partir de poesia. Eu sempre fiz
poesia a partir da vida, a partir da experiência. Portanto, quando
eu digo "buscar a forma" eu estou dizendo buscar o "modo de
expressar" alguma coisa. Por exemplo, quando eu me despi da forma
literária clássica — vamos dizer assim, porque na verdade eu me
libertei de toda uma literatura, de toda uma "simbolização do
mundo", que era aquela linguagem — um dia eu passava na frente de
uma janela, à tarde, numa rua de São Luiz, e olhei em cima da mesa
umas peras, umas frutas, num prato, naquela sala vazia... O sol
forte, queimando São Luiz, e aquelas peras ali... Então, longe da
"definição literária", segundo a qual aquilo não tinha nada a ver ou
não cabia na literatura (mas, ali, a formulação é a mais imediata
possível, é quase descritiva), eu escrevi: "As peras, no prato,/
apodrecem/ O relógio, sobre elas,/ mede a sua morte?" A partir daí o
poema vai se desenvolvendo como uma indagação em tomo da própria
realidade, de uma coisa que eu acabava de descobrir ali. Logo, nunca
é formal, no sentido de que eu esteja atrás da "forma nova", não eu
quero descobrir a forma que me permita dizer a vida, que possa dizer
a minha experiência vivida. Mas não a forma por si mesma, porque
isto não existe, isto conduz ao concretismo, ao formalismo e ao
desgaste da arte contemporânea — a forma pela forma, o novo pelo
novo, simplesmente.
Weydson — O concretismo fez parte desse desgaste?
Gullar — O concretismo é uma bobagem, como disse Drummond. Eu
participei da experiência concretista no seu começo, e era uma
tentativa de se responder a um impasse ao qual a Geração de 45 tinha
conduzido a poesia brasileira. Porque a poesia moderna brasileira
que nasce em 22, que ganha uma formulação nova a partir de 30 — com
os poetas de 22 e os novos poetas que aparecem (ou que na verdade
amadurecem) como Drummond, Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Murilo Mendes, Jorge de Lima e a Geração de 45. Porque a geração de
45 rejeita o expontaneísmo que vem de 22 e ao mesmo tempo rejeita a
formulação amadurecida que a geração de Drummond, Murilo Mendes e
Jorge de Lima tinha dado à poesia. Isto porque eles já encontram uma
poesia pronta, de alto nível e por isso eles resolveram radicalizar
na forma. Eu me lembro que se dizia nessa época que a poesia era um
exercício profissional, era uma coisa que tinha de ser realizada com
lucidez, que o domínio técnico era fundamental, que os poetas
parnasianos tinham o seu valor — exatamente o que foi negado por 22.
Então, com a revalorização do formalismo, o soneto renasce e o
formalismo que está em João Cabral. Só que, como o João Cabral é um
grande poeta, nunca deixou que essa formalidade sufocasse nele a
criatividade, a emoção, a coisa de vida que ele quer comunicar. Mas
outros foram vítimas desse formalismo. Ora, mas aí João Cabral toma
a situação pior para nossa geração. Porque aí, quando nós chegamos,
não só já tinha o Drummond e os outros, como tinha um cara que
chegou e formulou rigorosamente, de uma outra maneira, aquela
poesia, dando um nível formal que os caras anteriores não tinham
dado. Então é por isso que eu digo que a poesia concreta, embora
tenha surgido como a negação da Geração de 45, ela é, na verdade, o
prosseguimento dessa geração. A poesia concreta é o formalismo da
Geração de 45 levado às suas últimas conseqüências.
Weydson — E a esgota?
Gullar — Não... O problema é que essas "últimas conseqüências" são
desastrosas. Porque o João Cabral já tinha levado às últimas
conseqüências. E a partir dali era a negação da própria poesia...
Embora o pessoal de São Paulo queira encobrir ou rescrever a
história, eu, como um dos principais formuladores desse movimento,
digo que idéia fundamental, a idéia mais sinistra — digo isso me
culpando — é minha. Porque a proposta deles, no começo, 1952, 53,
54, era fazer o novo verso, e eu entrei com uma idéia radical,
subversiva, advinda da Luta Corporal, dizendo: "Não se trata de
fazer o novo verso, trata-se de acabar com a sintaxe. Trata-se de
acabar com o discurso, Porque eu tinha acabado de fazer A Luta
Corporal, e no "Roseiral" eu tinha arrebentado o discurso, logo,
para mim, a experiência poética tinha sido levada às últimas
conseqüências mesmo. E já tinha acabado. Então eu falei: "Trata-se
de fazer uma poesia sem discurso, porque o discurso, dizia eu, é
unidirecional... (E eu até usei essa palavra porque como eu havia
sido locutor da rádio Timbira, em São Luiz do Maranhão, lá eu dizia
assim: "Estamos transmitindo por uma antena unidirecional de 1490
Khz..." Portanto, essa expressão "unidirecional" era tão minha —
porque nenhum deles tinha sido locutor da rádio Timbira... Por isso
que eu disse que a linguagem era "unidirecional" — o que, aliás, é
um erro, porque a linguagem poética é ambígua, mesmo com o
discurso... Mas eles adotaram essa idéia.. Então a Poesia Concreta,
que por outro lado também tinha sido influenciada por Waldemar
Cordeiro, que era um teórico dos pintores concretistas de São Paulo,
e que era uma pessoa de um esquematismo total como teórico — (isso
também porque a poesia concreta bebe na pintura concreta, que era
muito anterior) — ele influiu na cabeça do Augusto, do Haroldo,
etc., então esse sectarismo empobreceu a poesia de tal maneira que
eliminou dela a única coisa que justifica a poesia, que é a emoção.
Weydson — A espontaneidade também ?
Gullar — Não me refiro à espontaneidade porque João Cabral não tem
espontaneidade nem emoção. Eu mesmo sou um poeta da maior exigência
formal no que faço, mas há sempre emoção. Não é a espontaneidade no
sentido de ficar fluindo à toa, eu digo "emoção", e seja por que
caminho for, se você não chega à emoção você não chega à poesia. O
próprio Valéry, um poeta cerebral, ele só é poeta quando atinge,
através daquilo, a emoção.
Weydson — Como pensador e formulador do concretismo, o fato de você
ter lançado o neo-concretismo foi uma tentativa de não sucumbir com
o que já considerava inviável ?
Gullar — No processo do movimento concretista, eu, que sempre fui
uma pessoa muito crítica — e autocrítica — percebi que aquilo, que
se justificava pelo momento histórico, tinha-se esgotado, e que
caminha na mesma direção seria destruir a poesia mesmo. Eu digo isso
por mim, basta você ver o que escrevi depois... Se ainda estivesse
naquilo, como o "coitado" do Augusto — que é bom poeta, (e digo
apenas o Augusto porque o Haroldo não é poeta — então tanto faz que
ele tenha ficado naquilo como não, porque como ele não é poeta mesmo
então nada se perdeu, assim como o Décio que também não é) eu teria
ficado como ele, que depois dos poemas que escreveu antes do
movimento concretista — muito bons — virou esse poeta aí, que fica
fazendo tradução, fica falando pela voz dos outros, quando ele era
um poeta que poderia ter construído uma obra muito importante. Ficou
castrado. E eu acho que o Haroldo é o principal responsável pela
castração do irmão.
Weydson — Você acha que os críticos dão excessiva importância à sua
poesia política ?
Gullar — A fase estritamente política de minha poesia é muito
reduzida, e o número de poemas realmente políticos é insignificante.
Mas os críticos, de repente começam a me colocar como se eu fosse um
poeta político porque, como cidadão, fui realmente muito atuante.
Eles confundem a coisa. A mesma coisa é o concretismo na minha
poesia. Esse é um período que dura na verdade poucos anos, e as
obras que escrevi aí são de quantidade reduzida. E se eu tivesse
insistido naquele caminho eu jamais teria escrito o Poema Sujo,
Dentro da Noite Veloz, Na Vertigem do Dia, coisa que me gratificam
porque eu sei que representam uma experiência de vida e emoção nas
pessoas. E eu sei disso porque as pessoas me dão retorno.
Weydson — Fale um pouco sobre experiência do Livro-Poema.
Gullar — Eu acho que foi bastante interessante, bastante inovadora.
O poema "0 formigueiro" - que foi editado, é o precursor do que
seria o "Livro-Poema". O "Livro-Poema" não é apenas um depósito de
poemas. Nele não uso as páginas do livro, o volume do livro, para
depositar arbitrariamente 10, 20 ou 30 poemas. A relação entre o
poema e as páginas do livro é tal que o livro tem o número de
páginas determinado pelo poema, a posição das palavras está
determinada pelo que no poema está dito, e até a forma das páginas.
Logo, ele é um livro estruturalmente integrado página e palavra,
silêncio e voz. E esse livro, que não tinha nem capa, era só livro,
era quase "le-livre" de Mallarmé. Essas experiências então deram
origem aos poemas espaciais. Porque quando eu fiz esse poema que não
tinha mais capa e que era um corpo tridimensional, quase uma
escultura com palavras, eu fui para o espaço diretamente e comecei a
construir os poemas não objetos de madeiras — cubos com palavras
dentro — e outras coisas.
Weydson — Como era a idéia do "poema-enterrado"?
Gullar — O poema-enterrado era o seguinte: é uma sala abaixo do
chão, no subsolo. Você desce por uma escada, abre a porta do poema,
e entra no poema. É um cubo de 2 metros por 2 metros: uma sala que
foi construída no quintal do Oiticica. (Eles iam construir uma caixa
d'água, mas aí ele insistiu que tínhamos que construir o poema, e o
pai dele, também pirado, construiu), Era quase como um túmulo. No
centro dessa sala tinha um cubo vermelho de meio metro de lado.
Então levantava-se o cubo. Embaixo tinha um cubo verde com trinta
centímetros de lado. Levantava-se este cubo. Aí sobrava um cubo
branco, este, sólido, compacto, de 15 centímetros de lado e pousado
no chão. Ao levantar este cubo, sob a face pousada no chão, lia-se a
palavra "Rejuvenesça".
Weydson — Existe esta sala ainda?
Gullar — Não. O poema foi inundado. Choveu e inundou o poema...
(risos) Eu costumo brincar com isso quando lamento que perdemos o
único poema com endereço da literatura brasileira... (risos) Mas eu
não faço nada gratuitamente, e a minha poesia toda é um caminho de
descobertas que envolve símbolos, palavras, experiências... Então,
se o cara for ler o meu livro Crime na Flora, ele verá escrita uma
coisa que diz: "Havia um nome sob uma pedra na flora", e daí sucede
toda uma história maluca em que o cara tira a pedra e encontra
formigas embaixo, etc... Isto é a idéia de que o nome das coisas
está debaixo das coisas. Até lá no mato, na flora, lá onde não se
chega, lá naquela solidão, está pulsando o nome das coisas embaixo
das coisas... Então, essa idéia de botar esse cubo no chão com um
nome e depois o poema (Cubo) lembrar que aquela palavra está
pulsando embaixo, eu fiz nessa poesia neo-concreta, essa nova
poesia, e isso tem a ver com as minhas fantasias, com a minha vida.
Não é uma coisa assim: - "Vou inventar uma forma esquisita que
ninguém conheça", não é, é tudo uma tentativa de criar formas
capazes de expressar a minha experiência. Por isso eu tenho respeito
pelo trabalho que eu fiz ali, os poemas neo-concretos, etc. E eu
tenho tanto respeito por eles que quando eu vi que aquilo estava
esgotado e que a partir dali iria ser a mera repetição, a
habilidade, o exercício da habilidade, eu parei. E fiquei numa
situação, cara, de um mato-sem-cachorro" (risos)... Porque eu já
tinha destruído a minha poesia toda, tinha transformado naquilo, e
de repente ter a coragem de dizer que aquilo tinha cessado, que era
um caminho terminado, e que eu não ia continuar naquele mundo, eu
entrei em parafuso mais uma vez. Porque tem que ter coragem pra
fazer essas coisas...
Weydson — E coragem pra encontrar um outro caminho...
Gullar — E eu fiquei sem caminho! Tanto que eu passei a fazer poemas
de cordel. Quer dizer, depois de descer dessas alturas, da mais alta
sofisticação — porque nunca, em literatura alguma, se fez poemas
espaciais como esses que eu fiz (poema enterrado, com o cara
entrando dentro do poema, não existe em literatura alguma) então, do
máximo de audácia e sofisticação, o "cara" desce daí e vai fazer
"João Boa-Morte Cabra marcado para morrer" e falar como cantador de
feira? (risos). Na época "nego" me esculhambou, os críticos
literários falavam: "Esse cara é um maluco, um pirado, abandonou a
poesia para fazer besteira, porque agora está político, virou
comunista". Eu fui execrado pelos intelectuais como o cara que
estava menosprezando a literatura.
Weydson — E hoje, você acha que abandonar a poesia culta,
intelectual, e passar a escrever cordel, configura um decréscimo,
uma queda? Como você vê o cordel no universo da poesia?
Gullar — Do ponto de vista da elaboração literária, é evidente que
há uma perda. Porque eu não sou um cantador de feira, eu sou uma
homem sofisticado, um poeta que conhece literatura de tudo que é
tipo, poemas em todas as línguas, de tudo quanto é época, logo, um
homem sofisticado... E depois de ter passado por toda essa
experiência da poesia clássica, parnasiana, simbolista, moderna,
desde o começo, de toda elaboração, e de repente voltar a fazer
poesia como um cantador? Porque o que caracteriza o cordel como toda
arte popular, é que eles são feitos de estereótipos. Quer dizer,
existe uma cultura e uma criatividade que são próprias daquilo, mas
que se apoia na repetição de uma série de fórmulas, que era
exatamente o que eu não queria. De fato, o poeta popular tem muito a
ver com o novelista de televisão, porque o cordel não é folclore,
não é "arte do povo", arte do povo é diferente, arte do povo é
anônima (ninguém sabe quem criou "ciranda, cirandinha, vamos todos
cirandar"). Quer dizer, ninguém sabe quem fez isso aí, quem inventou
que D. Sebastião está no fundo do mar lá em São Luiz, ou na praia
dos Lençóis, isso não tem autor, isso é "literatura do povo". Agora,
arte popular é outra coisa, é uma coisa urbana, o cara já imprime,
já divulga, já vende, tem autor. E a característica que ela tem que
a aproxima da música popular e da novela de televisão é a repetição
de formas e fórmulas. E o que é literatura no sentido erudito, no
sentido da criatividade? É exatamente a busca sempre de uma
elaboração mais sofisticada e que corresponde a descobertas e
manifestações da experiência do autor. Ele não está ali nem para se
repetir, nem para repetir os outros. Ele tem um padrão, que ele não
inventou, porque é da cultura literária, e a partir dali ele cria
uma coisa própria dele, ele re-elabora. O cordel não permite essa
re-elaboração, não quer, não faz parte dele. Mas eu, quando desci
daquelas "alturas" e comecei a fazer cordel, não foi por bravura,
mas porque eu não tinha pra onde ir, e porque, ideologicamente, eu
havia rompido com a literatura e queria fazer a Revolução. A partir
dali — eu tenho consciência — eu passei a usar a literatura para
fazer a revolução, não para fazer literatura. Eu tenho consciência
que quando escrevi "João Boa-Morte", "Quem matou Aparecida", eu
estava usando esses cordéis todos para meter idéias "subversivas" na
cabeça das pessoas. Era pra isso! Eu não estava querendo entrar para
a Academia. Aliás, nunca quis. E muito menos naquele momento. Eu não
queria entrar pra nenhuma antologia para mais tarde os estudiosos
irem fazer uma exegese, não! Aquilo ali devia estar fora da minha
obra literária, e eu só incluo aquilo porque não cabe a mim
distinguir entre a minha história e a minha obra. Mas do ponto de
vista da qualidade, aquilo ali é uma ruptura, é uma coisa que eu
tive de viver para dar um salto adiante, mas na verdade eu não
pretendo que aquilo tenha uma qualidade literária ao nível das
outras coisas.
Weydson — Sempre que você fala "Academia" eu sinto algo distante,
ironicamente distante. Você nunca pretendeu, ou não pretende, entrar
pra Academia ?
Gullar — Eu acho que Academia e Poesia são incompatíveis. Eu não
tenho nada contra as Academias, mas acho realmente que a cultura
tende a se institucionalizar. É um absurdo imaginar a cultura como
mera manifestação individual ou sempre marginal. Isto não tem saída.
Pelo próprio processo da sociedade a tendência da cultura é se
institucionalizar e nisso não há só perdas, há ganhos. Isto é uma
coisa. Agora, eu, pessoalmente, com o meu temperamento, e com a
minha maneira de ver a poesia, eu me sentiria mal, seria como se eu
estivesse me traindo.
Weydson — O que aconteceu entre Josué Montello e Antônio Houaiss,
pela sucessão da presidência lhe incomoda?
Gullar — Não, porque eu acho que aquilo é próprio da Academia. Nada
mais natural, na Academia, do que isso. Porque, afinal, se trata de
uma entidade onde está se disputando o poder. É um aparato social
que como todo aparato social tem lá suas coisas.
Weydson — Mas como você vê isso numa Academia de Letras?
Gullar — O que eu acho é que a Academia é uma instituição
anacrônica. Primeiro o cara se vestir de fardão e espada, cara, da
Academia tem minhas amigas, pessoas que eu admiro como grandes
escritores. Tem muitos, dentro da Academia, de modo que essa minha
crítica não vai em detrimento deles. Agora, que a Academia é
anacrônica, é. Não serve pra nada. Para que serve a Academia? A
Academia não tem função alguma. É uma instituição meramente
consagratória. Mas aí ela peca. Porque ela consagra, muitas vezes,
quem não tem razão de ser consagrado.
Weydson — Mas qual a diferença entre a Academia e o Conselho Federal
de Cultura, do qual você faz parte ?
Gullar — O "Conselho" é outra inutilidade. Veja vem, o Conselho não
"aconselha"! Pode até aconselhar, mas o ministro não ouve! Então,
serve para quê ? Não serve pra nada.
Weydson — Mas isso não depende de que o Ministro esteja à frente do
Ministério da Cultura?
Gullar — Não, não depende. Isto é uma outra coisa. Esse ministro aí
está desrespeitando as pessoas. Porque o Conselho existe
institucionalmente. Dentro da estrutura do Ministério. O Conselho
existe e ele não pode desconhecer isso.
Weydson — E o que seria preciso para resolver o problema?
Gullar — O ministro teria que abrir uma discussão com o Conselho
para saber que destino dar àquilo. Uma restruturação. De que maneira
integrá-lo ao Ministério de modo eficaz. Isso é o que tinha que ser,
e não fazer de conta que não existe.
Weydson — E por quê, então, o Conselho é uma "inutilidade"?
LEIA O FINAL - IMPERDÍVEL !!!
Leia a obra de Weydson Barros Leal
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