Iza Calbo
Versos com asas
É inviável falar de Um Terno de
Pássaros ao Sul, do gaúcho Fabrício Carpinejar, sem se render à
tentação de fazê-lo em primeira pessoa. Livro que se lê num vôo,
leva-nos a um mundo que mistura o “eu” do autor ao nosso. Poesia de
um só fôlego, porém renovada a cada trecho que o olhar insiste em
retornar, Um Terno... deixa no ar o cheiro verde dos Pampas, que vem
de terras e almas. O conjunto é belo. Cada pedaço, também. E uma
frase sempre acaba por formar imagens em meio ao todo.
“Confiar é perder a amada a cada hora”
ou “Quando vagaste em meia-idade pela selva escura, fiquei
alimentando o aquário das gravatas. Pedia privacidade às traças”.
Dispense-se, aqui, maiores comentários.
Lançada pelo editora paulista
Escrituras, assinada na capa com um simples Carpinejar, apresentada
por Ivo Barroso, a obra revela intimidades e amplitudes de um jovem
jornalista, mestrando em Literatura Brasileira pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, e poeta de sangue. Afinal, filho dos
poetas Carlos Nejar e Maria Carpi, parece (e deve) ter sido
alimentado, desde o início, pela seiva das palavras. Especialmente
das que soube lapidar dentro do seu próprio estilo.
Neste segundo livro - o primeiro, As
Solas do Sol (Editora Bertrand Brasil, 1998), recebeu o Prêmio
Fernando Pessoa da União Brasileira de Escritores, categoria Estréia
e Revelação, no ano passado -, Carpinejar debruça-se sobre um
desabafo, um acerto de contas com a figura mítica do pai, sem perder
por um segundo sequer o ritmo do vôo a que se propõe. O terceiro, já
no prelo, Memória da Sede, com lançamento ainda neste semestre,
reúne 10 elegias em torno da velhice. Sobre Ternos..., o crítico Ivo
Barroso diz: “Fabrício conseguiu escrever um livro de espantosa
unidade, um tema com variações, cada qual mais rica, sem apelar para
a fanfarra dos metais nem o ribombo das percussões”.
E mais: “Composto em trios ou estrofe
de três versos, multimétricos, nele desenvolve um ritmo interior, de
quase confissão, como palavras ditas na sombra, mais dirigidas a si
mesmo que o destinatário desta carta-poema ou deste aceno de volta”,
sintetiza.
Todos os elogios são sob medida. A
poesia de Carpinejar encanta, pega o leitor em suas asas ao mesmo
tempo reais e imaginárias, permitindo, em meio à buzina dos
automóveis, um vôo pelo silêncio interior. Seja o dele - que quase
grita – ou o nosso – que faz calar o barulho das grandes cidades.
“Teu sangue bate em meu sangue e isso é o que importa”. Da mesma
forma, a carta-poema à qual se referiu o crítico Ivo Barroso, bate
em nossa alma. E, na pós-leitura, não seria impossível vislumbrarmos
uma pena sobre nós, a lembrar o vôo de Carpinejar, como se ele fosse
um Forrest Gump dos versos que nos faz (e o faz) correr mundos
mágicos.
Iza Calbo é jornalista e
escritora; autora de Capítulos e integrante da equipe de A TARDE.
[in A TARDE, 07.07.2001]
Visite a página de
Fabrício Capinejar
|