Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Fabrício Carpinejar

carpinejar@terra.com.br

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan Banks, USA, Hanna

 

Da Vinci, Cabeça de mulher, estudo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fabrício Carpinejar


 

Alguns poemas




Adega do sono – poema 5


Dividias os gomos da fruta
em aposentos da casa.
A cortina do sumo
leveda o sol levantado.
O zodíaco do molde
supre o gérmen do quarto.
E o bafio estala
a lareira das esferas
na sala de estar
da semente.


“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Neve da Chama – poema 8


Enraizado no canto,
o cortejo de galos
separava a safra de corais.
Das quilhas coradas
das canoas.


“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Solidão a duas vozes – poema 8


Obedecia a rapidez do sangue.
Antes de apodrecer a luz,
engolia a altura da árvore.



“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Salmos do fogo – poema 9


O céu esférico,
cinzento.
Aves copiando o traçado
da migração,
o caule da borrasca.


“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Domingo


As garças capinavam
as águas.

A saliva das aves
movia o motor
do riacho.


“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Suicídio – poema 3 e 5


A vida amou a morte
mais do que havia
para morrer.

Apaguei os pensamentos
na espuma da pele.

Abandonar o paraíso,
a única forma
de não esquecê-lo.


“As Solas do Sol”
(Editora Bertrand Brasil, 1998)

 



Pronúncia


A palavra é falível
posta em outra boca:
o horizonte deitou

o fuzil dos pássaros.
Volta, pai, que a fundura
não está nos passos,

a tapera dispersa
a caça e o paradeiro
das pegadas.

A queda atalha a subida,
o homem permanece
uma pronúncia inacabada.

Tantas vezes caí
em teu lugar,
que descobri o inferno

ao repetir a salvação.
Tantas vezes caíste
em meu lugar,

que descobriste a salvação
ao repetir o inferno.


“Um Terno de Pássaros ao Sul” (Escrituras, 2000)
 



Testamento


Sou também um livro
que levantou
dos teus olhos deitados.

Em tudo o que riscavas,
queria um testamento.
Assim recolhia os insetos

de tua matança,
o alfabeto abatido
nas margens.

Folheava os textos,
contornando as pedras
de tuas anotações.

Retraído,
como um arquipélago
nas fronteiras azuis.

Desnorteado,
como um cão
entre a velocidade

e os carros.
Descia o barranco úmido
de tua letra,

premeditando
os tropeços.
Sublinhavas de caneta,

visceral,
impaciente com o orvalho,
a fúria em devorar as idéias,

cortar as linhas em estacas da cruz,
marcá-las com a estada.
Tua pontuação delgada,

um oceano
na fruta branca.
Pretendias impressionar

o futuro com a precocidade.
A mãe remava
em tua devastação,

percorria os parágrafos a lápis.
O grafite dela, fino,
uma agulha cerzindo

a moldura marfim.
Calma e cordata,
sentava no meio-fio da tinta,

descansando a fogueira
das folhas e grilos.
Cheguei tarde

para a ceia.
Preparava o jantar
com as sobras do almoço.

Lia o que lias,
lia o que a mãe lia.
Era o último a sair da luz.


“Um Terno de Pássaros ao Sul” (Escrituras, 2000)
 



Nenhuma ferida


Nenhuma ferida
separava teus pesadelos.
Quando vagaste em meia-idade

pela selva escura, fiquei
a conversar com tuas camisas,
aprumando boinas

que afogavam os cabelos.
Tinha sete anos ao certo
e uma lua vadia disputando

corridas comigo.
Fiquei a entreter
os tecidos alinhados,

como um exército em revista,
procurando convencer
uma peça ao menos

a delatar tua deserção.
Quando vagaste em meia-idade
pela selva escura, fiquei

alimentando o aquário
das gravatas.
Pedia privacidade às traças.

Vestia tua camisa,
copiando o ritmo
dos teus traços,

a respiração copiosa,
sendo meu próprio
e definitivo pai.


“Um Terno de Pássaros ao Sul” (Escrituras, 2000)
 



Sem dono


(...)
Nossa coerência

é estar mudando.
A chama desmaiou
e a levamos nos braços.

Tivemos a coragem
de superar o começo,
não transformar a filiação

em mapa de guerra,
imitação da treva.
O percurso tem sentido

quando percorrido.
Do resumo das veredas,
reverdece o sumo

de ter colhido
o sabor da vertente.
Nossa amizade

é mais um gole da gaita,
um golpe no tambor.
Nossa amizade

é estar névoas adiante
do que somos.
Só é mortal

o que não vimos.
Despeço-me do passado
como um cavalo sem dono.

Não devo conselhos,
não devo a franqueza
das pausas,

a serenidade dos escolhos,
não devo a força
de minha fraqueza.

Mergulho os calcanhares
a empurrar
a barca do ventre

e circundas o vazio,
os ciclos do som,
conciliado com a verdade,

pai maduro de minha escolha,
navegando
a paternidade das águas.


“Um Terno de Pássaros ao Sul” (Escrituras, 2000)

 

 

 

 

 

 

21/11/2005