José Inácio Vieira de Melo
Pelos
caminhos da Espanha de
Antonio Naud Júnior
Jornal Literário ABXZ nº7
Itabuna – BA, fevereiro/março de 2006
Quando terminei a leitura das crônicas
de Se um viajante na Espanha de Lorca, de Antonio Naud
Júnior, além de ter satisfação por ler textos bem escritos,
despojados, sem serem pretensiosos, senti uma vontade danada de
viver, de apenas viver. Textos como “Que alegria de viver!”
despertam para a vida. O jovem poeta é um desses andarilhos que,
embora não esqueça das suas origens, não se condiciona às geografias
e bota o pé na estrada pela necessidade de andar e descobrir coisas,
enquanto vai se revelando para o leitor e para si próprio.
Consciente da individualidade do ser,
Naud Júnior, em um dos primeiras crônicas do livro, lembra que “A
aventura começa dentro de nós”. E em Tarifa, Andaluzia, rememora
quando, desconhecido de todos, transitava pelas ruas de Marrocos a
se indagar sobre as várias faces do seu eu: “Qual o meu nome? Sou
tantos.” É inevitável não lembrar do célebre romance de Gerardo
Mello Mourão, O Valete de Espadas, no qual um viajante,
Gonçalo Falcão de Val-de-Cães, passa de um lugar para outro sem
perceber: amanhece em um hotel que não conhece, perambula pelas ruas
da cidade, também sua desconhecida e, ao dormir novamente, acorda em
um navio, do qual não sabe nome nem destino. É assim o Naud Júnior
em suas crônicas, o homem no mundo perplexo com tudo que o cerca, o
sujeito que está sempre aberto para o desconhecido, em busca de.
Paradoxal, o nosso viajante afirma no
título da crônica: “Eu só conheço esse caminho do Paraíso”, para em
seguida informar que “Não conheço ninguém, ninguém me conhece. Como
não conheço ninguém e ninguém me conhece, é quase como não existir”.
O não existir para certas esferas, parece condição para uma ligação
com o Paraíso, para trilhar pelos caminhos do Coração, assim como
queria o brujo Dom Juan, em A erva do diabo, de Carlos
Castaneda: “Para mim só existe percorrer os caminhos que tenham
coração, qualquer caminho que tenha coração. Ali viajo, e o único
desafio que vale é atravessá-lo em toda a sua extensão. E por ali
viajo olhando, olhando, arquejante.”
Ainda em O Valete de Espadas,
num diálogo, há uma definição que se aproxima da expressão do autor
de Se um viajante na Espanha de Lorca: “– Quem é este rapaz?
– É um peregrino. Peregrino das próprias entranhas.” Antonio Naud
Júnior é um peregrino dos mistérios do eu. Seus sentimentos, suas
dores, suas alegrias – a parte as suas peculiaridades – são as de
todas as pessoas, pois somos massa do mesmo barro; o mesmo sopro
lírico que energiza o poeta, movimenta a humanidade – e esse é o
motivo da identificação imediata do leitor com o cronista.
Diante da unidade do conjunto de
crônicas de Se uma viajante na Espanha de Lorca, as seções
subseqüentes “Dois personagens” e “Um relato”, que apresentam,
respectivamente, dois estudos e um conto, ficam fora do clima das
narrativas. A impressão que deixa é de que deveriam ter aguardado um
momento mais propício para publicação, ao lado de outros trabalhos
do autor, de gêneros correspondentes. Por outro lado, a inclusão
desses textos dá uma mostra da diversidade criativa de Antonio,
escritor profícuo que transita com desenvoltura pelos mais diversos
gêneros.
Percorrer os caminhos da Espanha de
Antonio Naud Júnior é percorrer as searas do coração, e todos os
seus textos abrem portas para o livre estradar. A Espanha de Antonio
não é territorial, é dentro do Antonio, é dentro de mim, e dentro de
você, meu caro leitor. Assim, invoco todos os santos poetas e todos
os poetas malditos para celebrar este acontecimento literário, e
convoco todos os peregrinos da vida para trilhar por essas veredas.
“E res mès / E nada mais”.
José Inácio Vieira de Melo é poeta e
jornalista. Publicou os livros Decifração de Abismos (2002) e A
Terceira Romaria (2005), dentre outros. É co-editor da revista
Iararana e colunista da revista Cronópios. Coordena o projeto Poesia
na Boca da Noite. E-mail:
jivm.inacio@ig.com.br
Antonio Naud Júnior
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