José Inácio Vieira de Melo
Terrível e doce Lira
5 de maio de 2007
Completar um cinqüentenário é sempre
motivo de comemoração. E é nesse clima que o poeta Luís Antonio
Cajazeira Ramos tem vivenciado seus 50 anos. Uma prova disso é a
publicação do seu novo livro, Mais que sempre (Rio de Janeiro:
7Letras, 2007), uma edição bem cuidada que faz jus ao conteúdo que
envolve.
Além de trazer 24 sonetos inéditos no
capítulo de abertura, Mais que sempre faz uma viagem pela obra de
Luís Antonio, reapresentando poemas de seus três livros anteriores,
distribuídos em cinco capítulos, arrumação esta que exigiu do poeta
o cumprimento da árdua tarefa de escolher.
Assim, os poemas do livro Temporal
temporal (2002), vencedor do Prêmio Nacional Gregório de Matos, da
Academia de Letras da Bahia, encontram-se nos capítulos “Temporal
temporal” e “Lucidez insana”. Os elegidos de Como se (1999), nas
seções “Estos do estio” e “Veia Vernal”. Na seção final, “Fiat
breu”, estão os poemas do livro homônimo, de 1996.
Destacar este ou aquele poema dessa
antologia coesa é querer padecer do sofrimento que o autor
experimentou ao fazer a sua seleção.
É certo que sonetos como “Pantomima”,
“Véspera do dia dos mortos”, “O amor de minha vida” e “Religião
poética” têm-se tornado emblemáticos dentro da trajetória de Luís
Antonio. Mas o seu tom é tão marcante, que, ao se ler o livro, fica
a impressão de que estamos diante de um único poema.
Isso acontece porque o poeta vai
cerzindo seus poemas um no outro, chegando a usar o verso final de
um poema logo no início do seguinte, como numa coroa de sonetos.
Outras vezes, o título de um soneto
aparece bordado no âmago de outro, como é o caso de “Na solidão do
campo de narcisos”.
DIVINDADE – Luís Antonio
Cajazeira Ramos é um poeta terrível, como terríveis são os anjos de
Rilke. O sarcasmo que perpassa seu conjunto de sonetos é de deixar
qualquer leitor espantado. Não que sua lira cause aversão, mas é que
ele canta tão bem e tão profundamente a miséria humana, que nos
coloca na pele do poema e, por conseguinte, da miserável condição
que nos é implícita.
Ler a poesia de Cajazeira Ramos é ser
o Cajazeira Ramos. Deslizar pela lama de sua métrica perfeita e
sentir o cheiro da origem, uma vez que somos o barro que sonha
odisséias, mas que não sai do pântano.
Luís Antonio, um demiurgo gozador, ri
de tudo.
Ao contrário do que possa parecer, a
sua atitude poética não é de indiferença, mas de compreensão do
humano. Diante do caos que o rodeia, só pode entender o grito da
criação como um “fiat breu”. E o seu clamor se estende para uma
divindade – não aquela de onipotente ausência, mas a que arrasta as
suas asas negras sobre nós, à maneira de um Baudelaire, quando este
invoca: “Oh Satã, tu que és o rei dos anjos, tenha piedade de nossa
longa miséria!” Mas estas afirmações não fazem do poeta dos
temporais um cantador de aberrações e das trevas.
Pelo contrário. Luís Antonio fala, o
tempo todo, do amor, da solidão, do eu e da dor. Seus poemas nada
têm de lúgubres, sombrios, pesados.
A grande faceta desse poeta é dizer
essas coisas claramente, atribuindo a cada verso leveza e espanto,
quase tudo dentro de uma forma que elegeu (ou que o elegeu): o
soneto.
Que conforto é para o apreciador de
poesia se deparar com um poeta da estatura de Luís Antonio Cajazeira
Ramos, que dialoga com a tradição, mas que, sobretudo, com voz
própria e firme, atualiza e renova o discurso poético e inova no
soneto, dando uma contribuição singular para essa forma dentro da
poesia brasileira contemporânea.
Resta, então, ao leitor, experimentar
a intensidade dessa poesia, caminhar “na solidão do campo de
narcisos” e perceber que o seu tempo, leitor, já passou e que você
nem se deu conta. Diante desse lirismo tão irônico, no entanto, não
é preciso atormentar-se. A voz do poeta, que penetrou na sua ferida,
agora vem e “enquanto a nuvem se exauria aflita”, “enquanto o bom
pastor toca sua flauta”, “enquanto eu busco, imperfeito, a poesia”,
“um novo amor convido para a dança”.
Link para Luís Antonio Cajazeira
Ramos
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