Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Luís Antônio Cajazeira Ramos


 

Do sertão aos mestres*

 

José Inácio Vieira de Melo parece ter pressa, como sugere a epígrafe de Rilke: “todo este efêmero (...) a nós, os mais efêmeros”. Após a promissora estréia com o livro Códigos do silêncio (Salvador: Selo Editorial Letras da Bahia, 2000), vem de pronto trazer a público este Decifração de abismos. Sem dúvida, sua poesia é para lermos sem pressa.

A evidente admiração que nutre pelo poema enxuto do pernambucano João Cabral de Melo Neto e pela vastidão do verso do cearense Gerardo Mello Mourão não o impede de trilhar caminho próprio. Seus versos são curtos, rápidos, pincelados livremente no papel. Dos mestres, este alagoano residente em Salvador, quis aprender a melhor lição. Assim, como eles, de seu rincão faz o mundo.

José Inácio deixa na poesia os rastros de sua trajetória do sertão para a cidade grande. Os sons, os cheiros, as imagens, o jeito e a alma campesinos habitam seus versos, onde encontramos “relinchos desembestados” e “capuchos de algodão” levados pelas “mãos do vento”, ante a “sensibilidade das pedras” e o “silêncio do açude”. Há no colo de seus textos, mesmo quando suado da lide rude e intensa nas roças e cercados, mesmo quando palpitante das paixões humanas, um frescor lírico das brisas e das paragens de sua memória bucólica.

Vaqueiro e peregrino, o poeta de vocabulário do mato agreste tange pelos desertos e solidões sua boiada de versos. Aqui, “um dilúvio tibungando”, ali um “azucrim berrando”, além “um tição queimando o peito”. Como “um matuto sem eira nem beira”, que apenas quer “ler o livro da vaca”, vem mansamente dizer no óbvio a complexidade dos abismos. E revela inteiros, de si e de seu mundo, os mais profundos e os mais rasos sentimentos.

Este cantador de horizontes abertos vem que vem, traz no lombo o peso e a leveza de seus chãos e empareda-se nos estreitos da cidade dos homens, para decifrar novos abismos. E consegue ser a um só tempo triste e feliz, para dizer: “vem/ sol-girassol baiano,/ que este meu canto alagoano/ é só teu.”

* Prefácio de Decifração de abismos [Salvador, 2002]

 

Luís Antonio Cajazeira Ramos

Luís Antônio Cajazeira Ramos