Jorge Lúcio de Campos
Mascarada, de Carlos Vogt
Em Mascarada, Carlos Vogt como que
arremata um projeto poético que - embora já esboçado ao longo da
década passada com Cantografia (1982), Paisagem doméstica (1984) e
Geração (1985) - só começou a ganhar uma visibilidade definitiva a
partir da publicação, há seis anos atrás, de Metalurgia.
O título diz muito. Oportunamente, o
prefácio de Antonio Fernando de Franceschi chama-nos a atenção para
a sua (não apenas intrínseca) pertinência em relação àquele projeto:
"qualquer mascarada que se preze é um jogo de disfarces, onde
o engano - e só ele - pode fazer prova de valor". E mais adiante
ainda: "máscara alguma oculta completamente e esta é a graça do
jogo", sendo que tal jogo é "sem regras fixas, diga-se, em que o
despistamento ilude menos que a verdade, quando se trata, como aqui,
da exploração dos limites, dos sentidos e das palavras".
Se, de fato, é tão-somente no jogo da
linguagem (ou no âmbito do ruminação discursiva) que se funda o
fenômeno poético enquanto um poderoso antídoto para a dor da
fundação do real; se é graças a jogos assim (definidos enquanto
tais, sobretudo, por um apuro de regras sempre renováveis e de
inesperadas fulgurações), em si mesmos intralingüísticos (linguagem
+ linguagem, linguagem - linguagem, etc.), que podemos sonhar com
uma possível marcação das coisas e, em síntese, com uma intervenção
humanizadora, única força capaz (afora a experiência mística) de,
doando sentido à vida, torná-la suportável, etc. etc., então o
projeto de Vogt, sem dúvida, ganha com Mascarada um grau de
inteligibilidade que ainda não possuia.
Compõem a coletânea sessenta poemas
(em geral curtos, exceção feita a 'Fogos de artifício', 'Segundo
Domingo depois do primeiro', 'Canção do exílio' e 'Tempo
regulamentar') que funcionam como sketches de uma visão que
enfatiza, teimosamente, a instabilidade do 'mundo' ("O eu do outro/o
outro do eu/o outro do outro/eu"). Marca-os, quase sempre, uma
ironia desencantada e cortante, quase epigramática, que prima por
buscar a universalidade numa consideração setorizada das coisas. Se
impõe, por vezes, ao leitor, em algumas de suas molduras - um tanto
embaciadas ("meu olhar é vago de incertezas/a mentira é um estado/-
covarde -/mas de afirmação") pela puerilidade e pelo enfado - uma
desconfortável, embora passageira, impressão de naufrágio súbito,
Vogt logo se recupera, ressurgindo de suas próprias cinzas, lançando
mão da parataxe e de um estilo telegráfico que, mesmo lacunoso,
estimula ações.
Com belas passagens ("Enquanto
caminhávamos/fomos nos curvando ao tempo/que há de tornar-nos
horizontais/como um ponto de exclamação/tombado por terra") que,
decerto, compensam a irregularidade de seu conjunto, Mascarada
consegue, ao fim e ao cabo, afirmar-se e confirmar-se. Se o faz pelo
que diz, ou antes por suas mudas condições de abertura, caberá aos
leitores decidirem.
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