José Nêumanne Pinto
A obra completa de João Paes
Loureiro
Como
ocorre com muitos de nossos bons escritores, amazonense ainda é
pouco
conhecido
Após recente visita a Fortaleza, o
poeta e ensaísta Ivan Junqueira revelou-se, em entrevista publicada
aqui no Caderno 2, bem impressionado com a qualidade da produção
poética que lá encontrou.
De fato, o Ceará de Adriano Espíndola,
Floriano Martins e Alberto da Costa e Silva, já reconhecidos por
aqui, é também a terra onde vivem Soares Feitosa, com seu site de 2
mil poetas em português, e Francisco Carvalho, que, mesmo tendo
vencido vários prêmios literários no Sudeste, não conseguiu ver sua
obra reconhecida além da divisa provinciana.
Não é o único nem o Ceará, singular. Em
Recife, um dos maiores poetas brasileiros vivos, Alberto da Cunha
Melo, foi levado a lançar seu poema Yacala em edição limitada,
distribuída entre 200 amigos, dividindo seu anonimato com outros da
geração de 1965, como César Leal.
De João Pessoa não saiu Sérgio de
Castro Pinto, como em São Luís permanecem ocultos aos olhos da
universidade e da grande imprensa José Chagas, Nauro Machado, Arlete
Nogueira da Cruz e Luís Augusto Cassas. Se Ruy Espinheira Filho e
José Carlos Capinan conseguiram eco além do Recôncavo Baiano, o
mesmo não se pode dizer de Ildásio Tavares. Isso também ocorre com
Luís Carlos Guimarães em Natal e Maria Carpi em Porto Alegre.
Isolamento geográfico - Esse
fenômeno da limitação à província também ocorre no Norte, onde
parece, de certa forma, repetir o isolamento geográfico. É bem
verdade que o amazonense Thiago de Melo ganhou reconhecimento
nacional, mas o mesmo não se pode dizer de seu conterrâneo Aníbal
Beça, festejado na Colômbia e na América Central, mas com sua sólida
obra desconhecida dos estudantes de letras e dos resenhistas de
jornais cariocas e paulistas.
É o caso de João de Jesus Paes
Loureiro, poeta, folclorista, ensaísta e dramaturgo paraense. Situado
no calendário como membro da geração de 60, ele assinou como membro
do Centro Popular de Cultura (CPC) de Belém o Canto Angustiado aos
Plantadores de Cana, em 1962, dois anos antes de estrear com o livro
Tarefa.
Quase quatro decênios depois, doutorado
pela Sorbonne, Paes Loureiro desembarcou na paulicéia desvairada
como caudatário do desvario de outro visionário, o também poeta e
editor Raimundo Gadelha, que fez uma aposta arriscada ao lançar no
mercado uma caixa com quatro livros reunindo as obras do poeta
paraense.
Como tudo o que a editora de Gadelha, a
Escrituras, faz, o pacote (Obras Reunidas, 1.600 páginas, R$ 96,00)
é de invejável bom gosto gráfico e grande esmero editorial. Os
quatro volumes são diagramados em tipos grandes e belos, impressos
em papel encorpado e cheiroso e encadernado em capa dura de
impecável design.
O primeiro volume, apresentado pelo
crítico também paraense Benedito Nunes, reúne o que se pode definir
como "cantos amazônicos" do poeta, os 43 cânticos de Porantim (Remo
Mágico, os 65 poemas de Deslendário e a obra diversa de Altar em
Chamas.
No primeiro livro, comparecem a
consciência social dos tempos do CPC ("Rio/ de muitos nomes./ Ser/
de muitas formes e fomes", Cântico V) e o moderno apelo ecológico
comparece com ecos clássicos ("Repete pranto meu/ pranto de
Aquiles,/ Amazoníndia é morta em sua beleza", Cântico XIV) ou
contemporâneos ("O corpo outrora cheio de piranhas / agora se devora
de metanos", Cântico XXXIX).
Ritmo do rio - Mas não se deve
imaginar que um poeta sofisticado como Paes Loureiro se deixe levar
pelo facilitário demagógico de um discurso meramente por sua
correção política. Sua poesia pulsa ao ritmo do rio ("Não compreende
a razão de sua pressa/ e/ no entanto/ corre", Cântico XXXI) e
mergulha em seus fundos mistérios ("Rio de nenhum lugar/ aqui de
tudo,/ o não ser compreendido é sua existência", Cântico XXIII).
O rico e variegado folclore amazônico é
o tema central das quatro peças de teatro que, completadas por
ensaios, formam o terceiro volume, dedicando-se o quarto a seus
estudos sobre sua região de origem.
Em O Nativismo de Paes Loureiro,
Benedito Nunes o situa como discípulo do poeta piauiense Mário
Faustino, que, no Suplemento Literário do Jornal do Brasil, pariu a
síntese da vanguarda estética com a poesia comprometida
politicamente, com o poeta engajado, mas autônomo em sua arte, sem
rebaixá-la ou instrumentalizá-la.
Em Para Ler como quem Anda nas Ruas,
que abre o segundo volume, Paes Loureiro mostrou-se aberto a novos
códigos de linguagem, gravando em CD seus poemas acompanhados por um
parceiro ao violão e também compondo algumas letras para cantar sua
cidade, Belém.
Esse poema é encerrado com uma estrofe
na qual o poeta funde a cidade, o rio, seus mitos e sua flora:
"Belém, na tua rede de mangueiras/ na verde solidão das altas horas/
o rio te põe no colo e te acalenta/ o rio te põe no colo e te
apascenta/ o rio te põe no colo e te deflora".
Por mais que se baste a cidade e
caudaloso seja o rio, esta poesia não poderia mesmo escoar e se
perder no oceano. Vale a pena ser editada e lida, pois tem um vigor
e uma beleza que não são tão fáceis de encontrar mesmo na obra de
poetas mais reconhecidos e bajulados pela crítica.
[in O Estado de São Paulo, 07.01.2001]
Leia João Paes Loureiro
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